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Já são 19 universidades e institutos federais que sofreram intervenção no governo Bolsonaro. O modus operandi, em geral, é o mesmo: o presidente desrespeita a consulta pública e os votos dos colegiados universitários, e escolhe candidatos menos votados, normalmente figuras alinhadas à sua política de desmonte da educação pública, na lista tríplice enviada pelas instituições ao MEC. Isso quando não nomeia quem sequer participou do processo — caso da UFGD, por exemplo — ou designa um reitor pro tempore, como fez na UFS. Mas a última intervenção, ocorrida semana passada na Universidade Federal de Pelotas, seguiu outro script. Bolsonaro nomeou como reitora a segunda colocada da lista tríplice, Isabela Fernandes Andrade. Ele fez parte da chapa eleita pela comunidade, e seria pró-reitora da nova gestão. A universidade decidiu então que Isabela e o professor Paulo Roberto Ferreira Júnior, o mais votado na lista tríplice, farão a gestão compartilhada da reitoria. A partir dessa inovadora forma de resistência, o Jornal da AdUFRJ começa nesta edição uma série de reportagens sobre o cenário em algumas dessas instituições sob intervenção, mostrando como a autonomia universitária está sob ataque.

Pelotas inova com dupla na gestão compartilhada

A chapa UFPel Diversa, que tinha o professor Paulo Roberto Ferreira Júnior como candidato a reitor, teve 56% dos votos na consulta pública. Diante do risco de ter a universidade sob o controle do governo, o Conselho Universitário e os concorrentes no pleito concordaram que o colegiado votaria apenas em membros da chapa vencedora. Paulo teve 56 votos. A professora Isabela Fernandes de Andrade ficou em segundo lugar, com seis votos, e Eraldo Pinheiro, com dois. Isabela foi a escolhida pelo presidente Jair Bolsonaro. A comunidade acadêmica inovou na resposta a mais esse ataque à autonomia universitária e decidiu que a UFPel terá dois reitores: Isabela, a nomeada, e Paulo, o mais votado, vão compartilhar a gestão no período 2021-2025.
Oficialmente, Paulo Roberto Ferreira Júnior vai assumir a pró-reitoria de Planejamento, cargo que seria de Isabela, mas a intenção é que os dois trabalhem em conjunto à frente da universidade. Isabela como gestora oficial e Paulo como representante político da comunidade. “Não era a minha intenção assumir a reitoria da universidade”, explicou a professora em uma transmissão ao vivo realizada pela UFPel no último dia 7. “Lamento pela não nomeação do reitor eleito desta universidade. “A partir de amanhã, Paulo e eu estaremos juntos na reitoria da Universidade Federal de Pelotas em uma soma de reitora nomeada com reitor eleito, fazendo uma gestão a quatro mãos, colaborativa, compartilhada”, explicou.
A transmissão foi conduzida pelo então reitor da UFPel, Pedro Hallal, no último dia do seu mandato. Paulo Roberto Ferreira Júnior também participou do evento e começou a sua fala dizendo que a universidade foi golpeada pelo governo federal, mas clamou pela união da comunidade universitária. “O governo e seus asseclas tentam, com essa nomeação, gerar conflito, dúvida e desunião na nossa comunidade, não podemos permitir que isso aconteça.
Segundo o professor, é uma tradição da UFPel que a lista tríplice seja sempre composta por membros da chapa vencedora na consulta pública. “Sempre fomos precavidos quanto à nomeação de um reitor que fosse desalinhado com a proposta escolhida pela comunidade”, contou. Paulo ainda reforçou o seu compromisso com o programa eleito e com seu grupo. “Trabalhamos juntos e construímos esse projeto juntos. Somos um grupo que tem um reitor eleito e uma reitora nomeada, e temos um programa de gestão escolhido democraticamente pela comunidade”, afirmou Paulo, pedindo o apoio de toda a universidade.
Alguns setores da UFPel se insurgiram contra a intervenção, e não receberam bem a forma de resistência com dois reitores compartilhando a gestão. “Nós estamos rompendo com o princípio da autonomia universitária, estamos aceitando um interventor”, disse a presidente da ADUFPel, Celeste Pereira. “A professora Isabela não concorreu no processo eleitoral. Em que pese que ela seja uma pessoa do mesmo campo político do reitor eleito, ela está passando pelo mesmo processo, como interventora, que qualquer outro nome”, explicou a professora.
Para o sindicato, a nomeação de alguém que não venceu a eleição é uma intervenção por princípio. Mas Celeste sabe que a oposição a ser feita deve ser contra a intervenção, e não contra a professora nomeada. “Para nós, o papel das entidades de classe é defender princípios. A escolha de uma gestão compartilhada é da gestão, e as entidades não foram consultadas a esse respeito”, disse a professora. “Estamos em assembleia permanente, e o nosso debate é exatamente esse: a nossa oposição não é a Isabela, mas ao processo. Não queremos um interventor na universidade”. De acordo com a professora Celeste, o DCE e o sindicato dos técnicos da UFPel (ASUFPel) compartilham da mesma posição, e as três entidades vão trabalhar em conjunto para enfrentar a intervenção. “Estamos organizando algumas manifestações contra a intervenção, não contra a professora Isabela. É pela garantia do direito constitucional da autonomia da universidade pública e da democracia”, relatou.
A decisão de ter dois reitores é inédita. Segundo o professor de Direito Constitucional da UFRJ, Luigi Bonizzato, as universidades têm em suas estruturas administrativas pró-reitores justamente para que o trabalho do reitor seja dividido, e Paulo Roberto Ferreira Júnior assumir uma pró-reitoria o coloca na estrutura administrativa da UFPel. “Dentro da universidade, do corpo social, não podemos impedir que o professor Paulo também seja considerado um reitor”, explicou o professor. Para ele, a princípio, a separação clara entre as responsabilidades legais e políticas dos dois reitores não deve criar problemas legais, mas o ineditismo da situação não permite uma resposta contundente sobre a segurança jurídica do arranjo. “Evidentemente existem questões políticas e de direito que ora se entrelaçam, e ora se unem. E esse é um exemplo claro disso”, disse.

Intimidação é arma de interventor da UFPB

WhatsApp Image 2021 01 15 at 10.32.38O interventor da Universidade Federal da Paraíba não teve nenhum voto no colégio eleitoral, e mesmo assim foi nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro. Na consulta pública e no colegiado, a vencedora foi a professora Terezinha Martins, com 46% dos votos na consulta e 47 votos no colégio eleitoral. O interventor nomeado, Valdiney Veloso Gouveia, que passou em branco no colégio eleitoral, teve apenas 5% dos votos na consulta pública. Seu nome só constou na lista tríplice graças a uma decisão judicial, que está sendo contestada pela ADUFPB. Valdiney foi nomeado no começo de novembro passado e, desde então, vem tentando intimidar setores da universidade e atacar direitos de professores e servidores.

“Há muita insatisfação e indignação da comunidade universitária em todos os setores, de docentes, técnicos e estudantes”, contou o presidente da ADUFPB, Fernando Cunha. “Junto com sua equipe de assessores e o procurador da universidade, ele tentou intimidar o sindicato, para impedir uma atividade de paralisação”, lembrou Fernando. “O procurador disse que não recebeu a nossa notificação e disse que ia cortar nosso ponto. Mas era uma bravata”. O professor diz ainda que o procurador tentou intimidar um centro acadêmico e o movimento estudantil da universidade. A reitoria também tentou incriminar estudantes que ocuparam o acesso à reitoria em uma manifestação contra a intervenção.
A truculência do interventor é uma tentativa de calar a ruidosa oposição contra ele na UFPB. “Nós fizemos três atos públicos, cada um com mais de duas mil pessoas, fizemos uma vigília virtual contra a intervenção”, relatou Fernando Cunha. Mas o dirigente sindical reconhece que os atos aconteceram em outro momento da pandemia, quando o número de casos no estado era estável. “Esse é um enorme desafio. Estamos procurando outros caminhos de mobilização e organização”, disse o professor. “Nós vamos fazer uma assembleia no início de fevereiro e vamos nos reunir com outras lideranças da UFPB para pensar nessa estratégia”.
Valdiney tem um perfil alinhado ao governo federal de desmonte das universidades e adesão ao programa Future-se — iniciativa proposta pelo MEC, na gestão do funesto ministro Abraham Weintraub, para que as instituições federais de ensino busquem recursos privados para se manter. Uma das decisões tomadas pelo interventor foi emitir um boletim que desfazia progressões funcionais, desde 2015, de mais de 300 professores, sob pena de devolução de recursos pelos docentes. “Acionamos nossa assessoria jurídica e vamos à Justiça para brigar por esse direito”, contou Fernando Cunha. Para o dirigente sindical, a medida foi uma maneira de remanejar recursos com o corte de orçamento. “Assim, ele mantém a atividade e se sai bem com o governo federal”.
O interventor tentou reiniciar as aulas presenciais, passando por cima dos conselhos superiores da universidade, mas voltou atrás ao perceber que não teria força contra os colegiados. A relação de Valdiney com o Conselho Universitário é turbulenta. “Nós temos conseguido conter as decisões arbitrárias dele”, contou Clodoaldo Gomes, representante do sindicato dos técnicos no conselho. “Ele tem adotado uma postura de desqualificar os conselheiros, alegando que suas posturas são ideológicas. Como se ele fosse ideologicamente neutro, mas ele não é”, disse Clodoaldo.

Conselho Universitário enfrenta ataques na UFRGS

WhatsApp Image 2021 01 15 at 10.36.43Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o reitor Rui Oppermann foi reeleito na consulta pública e no Conselho Universitário, onde recebeu 45 votos. Mesmo assim, o presidente Bolsonaro escolheu o professor Carlos Bulhões, o terceiro lugar da lista, que recebeu apenas três votos. Bulhões foi nomeado em setembro passado, e desde então vem tentando, de maneira arbitrária, implantar na universidade o projeto de destruição defendido pelo governo federal.
“Estamos observando uma desconstrução da administração da universidade. O interventor está tomando atitudes que são contrárias ao estatuto e promovendo mudanças que resultam em uma fragilização da UFRGS como universidade de ponta”, contou o reitor eleito Rui Oppermann. Uma das mudanças mais significativas que o interventor fez foi fundir as pró-reitorias de Graduação e Pós-Graduação. “A UFRGS tem uma pós-graduação muito forte, e que precisa da autonomia de uma pró-reitoria para a sua expansão. E agora a vemos transformada em um departamento sem nenhuma justificativa”, explicou o professor.
De acordo com Rui Oppermann, as mudanças na estrutura da UFRGS são feitas com a justificativa de “dinamizar a gestão”. “Eles ainda estão fazendo uma gestão por inércia, com base no que deixamos pronto. Mas agora eles terão que colocar as suas posições mais claramente”, explicou Rui, que defende que nesse momento o movimento de oposição à intervenção vai precisar agir.
E a oposição ao interventor está atenta. “Cabe ao sindicato encaminhar as nossas lutas, mantendo a nossa postura contrária à forma como ele foi nomeado, e defender a autonomia da universidade”, explicou o professor Lúcio Vieira, presidente da ADUFRGS. A pandemia obriga a se pensar em novas maneiras de fazer atos políticos. “A pandemia é um grande dificultador das mobilizações”, explicou o professor. “O que temos feito é manifestado nosso descontentamento às mudanças que estão sendo colocadas pelo interventor”, relatou. Para Lúcio, o Conselho Universitário tem sido uma instância importante de enfrentamento. “Nós temos um conselho muito identificado com a autonomia universitária”.
A professora Márcia Barbosa compõe o Conselho Universitário (Consun) da UFRGS e contou que, além de fundir as pró-reitorias de Graduação e Pós-Graduação, o interventor criou uma pró-reitoria de Inovação, e só depois convocou uma reunião do colegiado. “Ele não pode mudar a estrutura da universidade, essa estruturação é do Conselho Universitário”. Mas, de acordo com a conselheira, as reuniões virtuais do Consun não estão sendo um espaço para um debate amplo e democrático. “O interventor estabeleceu um limite de tempo para toda reunião. Como ele é presidente da mesa, começa com assuntos pouco importantes, uma enrolação”, relatou a professora. “Se fosse presencialmente, a pressão para não encerrar a reunião seria diferente, mas na reunião virtual ele simplesmente derruba a conexão quando dá a hora estipulada”. A estratégia do interventor impede que temas relevantes que o desagradem sejam votados. “Toda reunião é tensa e algumas discussões levam várias semanas”, desabafou.

INTERVENTÔMETRO

WhatsApp Image 2021 01 15 at 10.36.43 1A comunidade da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) respirou aliviada esta semana. Após acompanhar intervenções do governo em instituições coirmãs da capital do estado (UFRGS) e na vizinha Pelotas (UFPel), um decreto publicado nesta quinta-feira (14) trouxe a nomeação do professor Danilo Giroldo para a reitoria.
Giroldo foi o candidato a reitor mais votado no Colégio Eleitoral da FURG e integrou a chapa escolhida pela comunidade acadêmica, em consulta realizada no mês de outubro. O professor assume a gestão por quatro anos em solenidade que será marcada nos próximos dias.
Também esta semana, foi oficialmente encerrada uma intervenção no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN). O professor José Arnóbio de Araújo Filho, escolhido pela comunidade acadêmica, assumiu a reitoria do IFRN no lugar de um pro tempore indicado pelo MEC.
A nomeação atendeu a uma decisão da Justiça Federal. O MEC alegava que Arnóbio não poderia assumir o cargo por estar respondendo a um processo administrativo. O Ministério Público Federal discordou da pasta da Educação, mas o impasse durou oito meses até ser resolvido. (Kelvin Melo)

 

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