Accessibility Tools

facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

WhatsApp Image 2022 01 28 at 18.07.50Estela Magalhães

De todos os estudantes que ingressaram na graduação da UFRJ no início de 2014, 32% abandonaram o curso até o sexto período. Este é o resultado de um estudo inédito da doutoranda em Educação pela UFRJ Melina Klitzke, com base em dados oficiais da pró-reitoria de Graduação. Dentre os fatores associados à evasão encontrados pelo estudo, a integração acadêmica é um dos principais. Esse fator foi medido pelo desempenho acadêmico dos estudantes: aqueles com coeficiente de rendimento mais baixo têm maior risco de evasão. No universo estudado, 64% dos alunos no grupo com menor CR evadiram até o sexto período. Por outro lado, estudantes integrados a grupos de pesquisa e monitorias têm maior permanência: “De todos os estudantes que receberam algum tipo de auxílio, seja de alimentação, moradia, iniciação científica ou monitoria, nenhum evadiu do curso”, aponta Melina.
A pesquisadora constatou dois momentos em que o risco de evasão foi maior. Um deles ocorreu no primeiro ano de curso, e esse pico tem relação com o acesso à universidade: “Ele mudou de curso, mudou de instituição, passou na sua segunda opção ou retornou para a sua primeira. Conseguiu mudar de curso por algum motivo”, diz Melina. O outro momento de maior risco ocorreu no quinto período. A pesquisadora suspeita que este pico esteja relacionado a um processo institucional de cancelamento por abandono que aparece nesse período. Na UFRJ, a matrícula pode permanecer trancada por, no máximo, quatro períodos consecutivos, e a ultrapassagem desse período configura um abandono.

DESIGUALDADE
O estudo analisou os seis primeiros períodos dos estudantes que ingressaram em 2014, o primeiro ano em que a UFRJ implementou uma reserva de 50% das vagas para ações afirmativas. “É um retrato um pouco mais atual de uma geração que está entrando já pelas políticas de democratização de acesso: Enem, Sisu e ações afirmativas. O ano de 2014 seria o mais recente que eu conseguiria olhar ao longo do tempo os mesmos indivíduos”, explica a pesquisadora.
Para Flávio Carvalhaes, professor do IFCS/UFRJ e coorientador da pesquisa, o debate sobre ensino superior e desigualdade no Brasil ainda é muito focado em acesso. “Mas não basta as pessoas entrarem no ensino superior. Elas têm que entrar e sair”, sustenta. Segundo ele, o estudo é importante porque acompanha os alunos ao longo do tempo dentro da UFRJ: “Assim, a gente sabe quando os alunos evadem em taxas mais ou menos intensas e descobre, por exemplo, que o início do percurso dos alunos é muito importante”.
Depois do acesso à UFRJ, o processo seletivo ainda presta um importante papel na permanência do estudante. Dentre os estudantes cuja escolha de curso foi influenciada pela nota de corte — ou seja, pela nota mínima do curso no Sisu —, 47% evadiram até o sexto período. Além disso, dentre os alunos que se matricularam na segunda opção de curso no Sisu, quase 47% também evadiram até o fim do intervalo analisado. “Esse é o primeiro estudo a destacar como a forma de seleção dos cursos importa na trajetória dos estudantes dentro da universidade. Com a adoção do Sisu e do Enem, passamos a selecionar nossos alunos de forma diferente, mas refletimos pouco sobre conteúdos curriculares”, completa Flávio.

DESEMPENHO
A hipótese de que alunos com notas mais baixas no Enem teriam mais dificuldades acadêmicas no curso e maior risco de evasão não se confirmou, segundo o estudo. “Quem tem a nota mais baixa é que permanece. Quem tem bastante risco são aqueles que têm desempenhos médios”, ressalta Melina. Dentre os alunos com desempenho mediano no exame, 37% evadiram, ao passo que os polos extremos, os grupos com as notas mais altas e os com notas mais baixas, apresentaram evasão de 22% e 30%, respectivamente. “Quem tirou uma nota baixa no Enem e passou, valoriza muito estar na UFRJ, e continua com sua vaga”, completa Melina.
O estudo ainda está em progresso. Uma análise que se inicia é sobre a diferença da evasão entre os cursos da UFRJ. “Numa ponta temos a Medicina, que tem uma baixa evasão precoce. Do outro lado, por exemplo, a Licenciatura em Matemática, com alta evasão precoce”, revela a pesquisadora. Segundo a professora Nedir do Espírito Santo, do Instituto de Matemática e diretora da AdUFRJ, alguns possíveis motivos de evasão no curso de Licenciatura em Matemática têm relação com a falta de informação sobre o curso e com a influência da nota de corte sobre a escolha do estudante no Sisu. “O aluno que quer fazer Computação ou Engenharia às vezes entra na Licenciatura em Matemática com interesse em outra área, porque não conseguiu pontuação para o curso mais concorrido”, explica a professora.

PANDEMIA
A pandemia trouxe, no início de 2020, novos desafios no combate à evasão universitária. Embora a pesquisa de Melina Klitzke não alcance esse período — nem há dados disponíveis de 2020 em diante —, a pesquisadora levanta algumas hipóteses sobre a evasão durante a pandemia. Entre elas, as desigualdades de acesso à tecnologia e a dificuldade de trazer os estudos para dentro de casa, por falta de espaços próprios. “Outra medida muito importante é a integração social do estudante. Com a pandemia, não tem aquela rede de apoio, não tem aquele contato com o colega, e isso pode desanimar, o aluno pode acabar desistindo”, pondera a pesquisadora.
As taxas de evasão universitária na UFRJ dos anos de 2020 e 2021 ainda não foram publicadas, mas com base no Censo Universitário de 2019 e nos dados do Sistema Integrado de Gestão Acadêmica, a pró-reitoria de Graduação estima que não houve aumento da evasão no período pandêmico.

POLÍTICAS DE APOIO
Encarregada, entre outras funções, de assegurar a permanência dos alunos na universidade, a pró-reitoria de Políticas Estudantis (PR-7) da UFRJ tem se empenhado em dar apoio ao corpo discente para evitar a evasão. “Quando veio a pandemia, começamos a dar uma ênfase maior ao apoio psicológico. Criamos rodas de conversas, orientação pedagógica, fizemos um trabalho sobre orientação para aulas remotas. Isso ajuda na permanência”, explica Roberto Vieira, pró-reitor de Políticas Estudantis. Entre as iniciativas da PR-7 está o Grupo Vivências na Quarentena, um espaço de apoio dos estudantes durante o isolamento, com atendimentos pedagógicos online.
Um levantamento recente da PR-7 mostrou que os auxílios de moradia e alimentação são os mais importantes para os alunos. O pró-reitor destaca o valor dessa consulta: “Se o estudante diz que a questão da moradia é mais importante, eu não vou abrir mão da obra do Bloco B”. Desde o incêndio na Residência Estudantil em 2017, apenas o Bloco A está ativo, onde residem 245 estudantes. A reconstrução do Bloco B vai duplicar a quantidade de alunos atendidos, mas o orçamento do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) para a UFRJ foi reduzido em quase 20%.
Dos cerca de 15 mil estudantes da UFRJ em situação de vulnerabilidade socioeconômica, por volta de 5.200 recebem auxílio financeiro da PR-7. Há uma demanda reprimida de aproximadamente 65%. “Não tem sido fácil fazer a gestão da assistência estudantil sem o orçamento necessário, mas a PR-7 tem trabalhado para aumentar o número de estudantes assistidos, o que vai contribuir com a redução dos números de evasão na UFRJ”, explica o pró-reitor.

DEBATES
Preocupada com o agravamento da evasão durante a pandemia, Eliane Brígida Falcão, professora do instituto Nutes/UFRJ e integrante do GT Pós-pandemia, propôs um projeto para levantar questões relacionadas ao ensino de graduação e à evasão universitária na UFRJ, ouvindo estudantes e professores. A professora explica que os estudantes têm dúvidas sobre seus cursos e preocupações com seu futuro profissional. Ela considera que o fenômeno da evasão não é isolado e pode ser melhor compreendido se relacionado aos problemas do ensino de graduação. E destaca: “Um sistema objetivo de reconhecimento e valorização da atividade de ensinar nos cursos de graduação, à semelhança do que existe para a atividade de pesquisa, deveria ser estabelecido na UFRJ”.
Convidada pela professora Eliane, a professora Cristina Ayoub Riche, ex-ouvidora da UFRJ, participou das apresentações dos resultados do projeto no GT e em diferentes centros da universidade. Para ela, a escuta é um fator importante para que o problema da evasão seja mitigado: “O primeiro passo deve ser conhecer as circunstâncias e demandas do aluno, permitindo que as expressem a partir de sua própria voz”, explica.
A partir das apresentações das professoras Eliane Falcão e Cristina Riche, foram organizados dois eventos: o 1° Fórum de Ensino de Graduação do Centro de Ciências da Saúde (CCS) e o 1° Congresso de Graduação do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN), ambos no fim de 2021. A professora Érica Polycarpo, coordenadora do Bacharelado em Física da UFRJ, participa do grupo de trabalho sobre evasão universitária do CCMN: “São muitas as causas. Dificuldade de rendimento e dificuldade financeira são fatores muito importantes”, explica a coordenadora. Os debates entre professores e coordenadores no centro serão retomados em fevereiro.

Topo