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01 11 2025 A ciência por uma segurança pública sem barbárie 358Foto: Alessandro CostaRenomados cientistas que atuam no estado do Rio de Janeiro se reuniram no último sábado, 1º de novembro, na UFRJ, para formar uma rede de pesquisadores contra a violência. A tese dos estudiosos é que a crise de segurança que assola o Rio de Janeiro não é um problema isolado e só poderá ser resolvida com políticas baseadas em evidências científicas.
O encontro foi organizado em resposta à chacina que vitimou pelo menos 121 pessoas no final de outubro. O plano de ação inclui, ainda, pressionar instituições financiadoras, como Capes, CNPq e BNDES, a abrirem editais de fomento específicos para pesquisas que discutam e proponham soluções para a segurança pública.
Mais de 80 pesquisadores de diferentes instituições do Rio de Janeiro, além de parlamentares e lideranças comunitárias, participaram do encontro. A ADUFRJ foi uma das organizadoras. “A ideia é que tenhamos recursos para que essa rede tenha condições de se estabelecer”, explicou a presidenta do sindicato, professora Ligia Bahia. “Nós precisamos intervir no debate público sobre segurança, mas também atuar na defesa dos direitos sociais”, resumiu.
Michel Gherman, 2º vice-presidente do sindicato, defendeu a importância de articular teoria e prática para combater a barbárie. “Nossa intenção é constituir um fórum de pesquisa, de política e de ação”, complementou.
Considerado um dos maiores especialistas em segurança pública do país, o antropólogo Luiz Eduardo Soares criticou duramente a operação realizada nos complexos do Alemão e da Penha. “Não é crível, não é verossímel, que alguém responsável possa acreditar que uma operação dessas tenha algum impacto além das mortes”, disse. “Portanto, trata-se de uma mudança de agenda pública. A soberania nacional estava ganhando cada vez mais espaço e, mais uma vez, o ‘coelho na cartola’ foi a carnificina, o banho de sangue”, concluiu.

EXTERMÍNIO
O sociólogo Ignácio Cano, professor do Instituto de Ciências Sociais da Uerj, apresentou indicadores de uma pesquisa realizada por seu grupo de estudo, que analisa o uso da força letal policial em nove países da América Latina. Um desses indicadores mede o número de mortos e o número de feridos numa ação. “Normalmente, em qualquer ação de conflito armado há um número maior de feridos do que de mortos, 1x3, 1x4”, disse. “Quando você tem mais mortos do que feridos, isso indica abuso da força letal e intenção de matar”, explicou. “Nesse massacre, eu não encontrei um suspeito ferido que sobreviveu. Temos 117 mortes de um lado e zero feridos. É muito exemplificador do grau de extermínio desse massacre”.
Para o professor João Trajano, do Instituto de Ciências Sociais da Uerj, a defesa da ciência tem relação direta com a defesa da democracia. “Eu tenho a impressão de que temos um Estado Democrático de Direito circunscrito a determinados espaços da cidade e um Estado de Exceção permanente (nos territórios de favela). É isso que estamos vivendo e eu não sei como a gente sai disso”, desabafou o professor. “Do ponto de vista da comunicação, nós estamos perdendo essa disputa”.

REAÇÃO CONJUNTA
Além da ADUFRJ, outras instituições fizeram parte da organização do encontro, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Ana Tereza Vasconcelos, diretora da SBPC, leu trecho da nota assinada pelas direções da SBPC e ABC (Academia Brasileira de Ciências). “É urgente a revisão da política de segurança pública, substituindo a lógica de guerra pela da prevenção e da cidadania, bem como o acesso público a informações e pesquisas sobre a letalidade policial, condição essencial para um debate democrático e para a formulação de políticas baseadas em evidências”.
João Paulo Sinnecker, vice-diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), outra instituição organizadora do encontro, considera que o grande desafio é o diálogo constante entre a academia e a sociedade. “Como estabelecer esse diálogo, de forma a trazer evidências científicas concretas dos caminhos que a gente pode seguir?”, questionou. “O CBPF se coloca à disposição para contribuir para dialogar com a sociedade e com quem está do lado oposto a nós”.
Alessandro Jatobá, coordenador adjunto do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, entidade também organizadora do evento, alertou para o impacto do negacionismo científico na formulação de políticas de segurança. “Esse cenário é especialmente estarrecedor, mas não surpreendente. As evidências científicas são constantemente ignoradas na formulação de políticas públicas e há enormes críticas à atuação dos cientistas, como se a ciência não detivesse os métodos para compreender as realidades das comunidades brasileiras”, disse. “Precisamos combater de forma consistente esse discurso negacionista sobre o papel da ciência no desenvolvimento de políticas públicas”.
Diretor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, o professor Marcelo Burgos comentou a pesquisa de opinião que revelou que 90% dos moradores de favelas são a favor de operações policiais. “Vai nos dando uma sensação de impotência, mas preciso lembrar que num país moldado pela escravidão, o que é novo é a luta por direitos. A necropolítica tem raízes fundas nesse país”, disse.
Veja abaixo o documento síntese do encontro. Uma reunião da rede está programada para o dia 17 de novembro, no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ.

A CIÊNCIA POR UMA SEGURANÇA PÚBLICA SEM BARBÁRIE

Informe sobre reunião A Ciência por uma Segurança Pública sem Barbárie,
realizada no dia 01 de novembro de 2025, no Auditório Pedro Calmon, na UFRJ

1. A operação reitera a percepção de que a democracia no Brasil segue incompleta.

2. Os preceitos previstos na Constituição de 1988 não chegaram à segurança pública e aos membros das camadas pobres da população brasileira.

3. Os pesquisadores entendem que o apoio de parcelas da população a ações como a ocorrida expressa o sentimento de desamparo frente ao controle territorial armado de grupos criminosos e a sensação de inexistência de alternativas públicas que lhes garantam os direitos previstos numa ordem democrática.

4. Há consenso sobre a natureza política e não policial da barbárie, atestada pelo apoio acrítico à chacina, declarado por governadores de oposição ao governo federal e alinhados ideologicamente ao governador fluminense.

5. Há o entendimento de que a ação contra o CV deve ser posta na perspectiva da exploração econômica dos territórios, praticada também por outros grupos armados.

6. Os resultados da operação, mensurados pela proporção entre número de feridos x mortos (poucos feridos) e número de mortes de “suspeitos” x policiais (32/1), atestam inequivocamente o uso abusivo da força pelas corporações policiais.

7. Há a admissão de que políticas sociais são fundamentais e necessárias, mas não suficientes. É necessário reconstruir as bases de uma política de segurança pública que respeite os preceitos da Constituição em vigor. Para isso, entende-se que a ADPF 635 deve ser encarada como um ponto de partida importante, incluindo a exigência de que o Ministério Público desempenhe com rigor seu papel de fiscal externo das atividades policiais.

8. Houve indicação quanto à necessidade de se refletir (autocrítica) em relação às virtudes de experiências anteriores, como as UPP’s, alternativas à lógica das operações armadas e voltadas à redução da letalidade.

9. O carimbo “defensores de bandidos” aplicado às esquerdas é sim um problema. Pesquisadores não concordam com esse tipo de caracterização, enfatizando que, em geral, o campo da esquerda está preocupado com os direitos da população, frequentemente violados por operações policiais que não respeitam os moradores.

10. Os pesquisadores enfatizam sua preocupação com os policiais, que também são expostos por operações que, na prática, também os consideram “matáveis”.
11. Os pesquisadores rejeitam uso do termo “narcoterrorismo”, considerando-o completamente inadequado para definir organizações como o CV. Esse deslizamento semântico denota a clara intenção de criar um discurso favorável à internacionalização da segurança pública no Brasil, colocando-a no radar dos EUA.

12. Nesse momento parlamentares estão apoiando parentes das vítimas (possivelmente tal como as Mães de Acari, haverá desdobramentos).

13. Os parlamentares presentes no encontro manifestaram sua grande preocupação com a forma como está sendo feita a perícia dos corpos no IML, sem seguir protocolos técnicos, sem autonomia em face da polícia.

14. Reconheceu-se a importância de se investir em mais pesquisas, que qualifiquem os dados trazidos pelos grandes institutos, que tendem a sugerir um apoio sem crítica da população ao massacre realizado no Alemão.

15. As entidades organizadoras do encontro, e outras que o apoiaram, têm a intenção de captar recursos para financiar um fórum de estudos sobre segurança pública, a partir de uma compreensão de que ela precisa ser articulada com as pautas relacionadas à questão tributária, educação, saúde.

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