Pretos e pardos são a maioria da população brasileira. Eles correspondem a 55% dos brasileiros. No estado do Rio, o percentual alcança 58%, ficando atrás apenas da Bahia. Esses números, no entanto, não se traduzem em “democracia racial” ou igualdade de condições de vida e de oportunidades. A população carcerária brasileira corresponde a mais de 400 mil pessoas e é formada em 70% por pessoas negras.
Também entre negros estão os índices mais baixos de educação formal. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PND) do IBGE, publicada em julho, revelou que 63,4% das pessoas brancas do país tinham completado a educação básica até 2024. Entre pessoas negras, o percentual era de 50%. Também são pessoas negras as que mais sofrem com o analfabetismo. A taxa, entre pretos e pardos, é de 7,1% de analfabetos, e de 3,2% entre pessoas brancas.
A violência é outra faceta cruel do racismo estrutural brasileiro. Pessoas negras morrem mais por homicídio. A taxa de óbitos por morte violenta é de 76%. A juventude negra é a mais vulnerável. A maioria das vítimas são homens jovens, entre 15 e 29 anos. Segundo o Atlas da Violência, o risco de uma criança ou adolescente negra ser assassinada é 3,3 vezes maior do que de crianças e adolescentes brancas.
Graças a políticas de ações afirmativas, como a lei de cotas, as universidades federais já possuem 51% do seu quadro estudantil formado por pretos e pardos. Para Denise Góes, da Superintendência-Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade da UFRJ (SGAADA), a conquista é um marco importante, mas não é suficiente. “Dar o acesso é fundamental, mas é tão importante quanto manter esse estudante na universidade. São realidades atravessadas não só pelo racismo, mas por muitas outras questões estruturais que podem fazer com que ele desista da graduação”, aponta.
Necessidade de ajudar no sustento familiar, violência urbana, lacunas acadêmicas e falta de suporte emocional e acadêmico estão entre os principais fatores que podem contribuir para a evasão, analisa a superintendente. “Essa vulnerabilidade vem de um processo de não-escolarização, por conta da escravização o que, consequentemente, implicou na negação do acesso ao ensino superior”, pontua. “É uma dívida histórica muito longe de ser liquidada”.
O professor Papa Matar Ndiaye, da Escola de Química, concorda. “A política de permanência apresentou melhorias, mas continua insuficiente. Precisamos dos meios adequados para garantir a formação desses estudantes negros”, afirma. “O processo de formação e elitização da sociedade levam ao quadro de sub-representação de pessoas negras, que não é uma questão só da universidade, mas da sociedade brasileira”.
CARREIRA DOCENTE DESIGUAL
No caso do acesso à carreira docente, pessoas negras enfrentam ainda mais barreiras. Na UFRJ, por exemplo, dos 3.959 docentes do Magistério Superior, apenas 129 (3,26%) se autodeclaram pretos e 523 (13,21%), pardos. Mais de 80% de autodeclaram brancos e 1,74% não informou sua origem étnica. Já entre os 92 professores efetivos do EBTT, 76% se autodeclaram brancos, 4,35% pretos e 17,39% pardos. Os dados são do Painel Estatístico da PR-4.
As cotas na pós são realidade recente na academia e ainda reverberam pouco nos concursos, como avalia a pró-reitora de Pessoal, Neuza Luzia Pinto. “As políticas de ações afirmativas para a população negra aconteceram neste século, cerca de uma década atrás, para acesso aos concursos públicos”, aponta. Um marco muito recente, se comparado aos séculos de escravidão aos quais essa população foi submetida. “Eu vejo que o quadro começará a mudar a médio prazo, na medida em que mais negros acessam a graduação, a pós-graduação. Essa formação mais completa aumenta a possibilidade de mais negras e negros entrarem em nossos quadros de docência”, analisa.
Além disso, as vagas ofertadas muitas vezes não alcançam o que estipula a lei. No caso da UFRJ, ocorreu uma mudança significativa a partir de 2022. “A UFRJ ainda tem muito o que avançar na aprovaçãoem seus concursos. Entre 2014 e 2021, houve uma sub-oferta das vagas para cotistas, fato que é compartilhado por praticamente toda a rede de Universidades Federais”, avalia o professor Alexandre Brasil, Titular do Instituto Nutes e diretor da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação.
O docente era pró-reitor da UFRJ, quando ocorreu o primeiro concurso docente após a aprovação da Resolução 15/2020, do Consuni. “Tive o privilégio de estar à frente da PR-4 nos concursos retomados em 2022. Como resultado, 23,6% dos novos docentes que ingressaram em 2022 se declararam de cor preta ou parda”, conta o docente. “Até a aprovação da lei, em 2014, esse percentual era de 13%. Já entre 2015 e 2021 chegou a 18,8%, ainda abaixo dos 20% previstos na lei de cotas, sendo que a maioria destes não ingressaram por meio das vagas reservadas”, afirma Brasil.
O ex-pró-reitor revela que a universidade possui um déficit de 129 vagas que deveriam ter sido ofertadas para docentes cotistas nos concursos entre 2014 e 2021. Vagas que não foram oferecidas por uma leitura mais restritiva da lei de cotas. “Seis universidades adotaram, a partir de 2024, percentuais maiores, de 30% a 40%, de vagas reservadas visando a reposição da quantidade não ofertada. conta o docente. “Ter uma universidade com a maior presença de docentes negros precisa ser um objetivo assumido por todos”.





