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WhatsApp Image 2021 11 26 at 18.11.132MAYRA
GOULART
Vice-presidente da ADUFRJ, professora de Ciência Política e yoguini

Nesta coluna, trataremos de apresentar o Yoga através de seu texto seminal: os sutras de Patañjali. Por seminal, não entenderemos aqui uma questão meramente cronológica, até porque o debate sobre a data de publicação da obra e a vida do próprio Patañjali é intenso. Para termos uma ideia, a datação do texto varia de IV a.c a VI d.c, sendo o Yoga uma doutrina ora vista como influenciada pelo budismo –  cujo surgimento é situado no século IV a.c. – , ora vista como influenciadora do mesmo. Não obstante, se dermos um passo atrás, podemos observar na tradição védica, da qual surge também o hinduísmo, uma origem comum. Nesse sentido, sem a pretensão de adentrar nessa querela, até por que minha relação com o Yoga é menos intelectual, como seria a de uma historiadora dos conceitos, e mais a de uma praticante, assim como preconizado pelo próprio Patañjali, que vai ao encontro da premissa budista de uma doutrina prática, experimental e fenomenológica.
 Certamente, esse elemento é mais forte no budismo que tem sua própria doutrina baseada em uma experiência, a do Buda histórico, enquanto o Yoga incorpora elementos mitológicos e deístas de maneira mais proeminente, assim como a ideia abstrata de que existe uma individualidade (Atma), inequivocamente constitutiva do Yoga, porém questionada pelo budismo.WhatsApp Image 2021 11 26 at 18.11.133

Outro elemento comum entre ambas as tradições é a ideia de que o sofrimento (duhkha) pode ser evitado por meio de um processo de tomada de consciência voltado a conter a tendência natural da mente de oscilar, voltando-se ao passado ou ao futuro, aos objetos externos a ela através de sensações, aos sentimentos e padrões mentais como apego, desejo e aversão. Esse processo consiste basicamente na prática de um conjunto de diretrizes éticas e morais e de dinâmicas meditativas que, no caso do Yoga, são acompanhados de posturas físicas (asanas) e exercícios respiratórios (pránáyámas) voltados a estimular o controle (nirodha, melhor traduzido como recolhimento) sobre os sentidos, pensamentos e outras dispersões (vrttis) da mente (citta).

Uma vez contornado o debate histórico, iremos assumir os sutras de Patañjali  como uma compilação/sistematização de tudo o que havia sido produzido anteriormente sobre o Yoga. Nesse tocante, é crucial ressaltar esse direcionamento prático/experimental, indicado logo no seu primeiro aforisma (sutra 01) que pode ser traduzido por algo como: agora, portanto, instruções completas sobre Yoga.

A frase é interessante sob vários aspectos, primeiramente, pela forma como é introduzida, que denota um diálogo em andamento e nos permite especular que o Yoga é uma etapa de um processo que se inicia antes. À luz da minha parca experiência de praticante, fica claro que, na maioria das vezes, aquele que procura o Yoga já o faz como resultado de uma busca anterior, por algo que embora difícil de formular, revela um desconforto com o modo pelo qual somos socializados de forma desconectada com nosso corpo, nossas emoções e com o mundo que nos cerca. O objetivo do Yoga (termo que pode ser traduzido por união) é promover essa reconexão.

Neste primeiro sutra, o caráter prático experimental do Yoga é ressaltado, uma vez que o que está sendo anunciado são instruções (anu sanam) demarcando a ênfase não especulativa do conteúdo a ser enunciado. No entanto, há também a ideia de que a vivência do Yoga pressupõe um esforço prévio, na medida em que sua proposta contraria tendências naturais e estímulos culturais que nos são constitutivos. O que fica claro quando observamos o conteúdo do segundo sutra, o mais importante de todos e que define o objetivo doYoga: Yoga é o recolhimento dos meios de expressão (vrtti) da mente, ou dos seus padrões de consciência.

Os vrttis, que também podem ser descritos como oscilações tendem a nos afastar da consciência, do momento presente, reforçando a ilusão de separação entre sujeito e objeto, indivíduo e natureza, corpo e mente, sendo essa ilusão a causa do sofrimento criado pelo homem, ou seja, aquele que pode ser evitado. Quando recolhidas ou aquietadas essas oscilações, é possível perceber a união (Yoga). Essa é a proposta.

Antes de avançarmos, é preciso ressaltar que esse aquietamento, ou controle, é algo difícil que, para mortais como nós, surge como resultado de uma longa jornada de auto-entendimento acerca dos nosso padrões de consciência. Tal percurso pode ser tornado menos árduo quando trilhado junto com outros praticantes, que se dedicam a compreender e experimentar as intruções contidas nos sutras e em outros textos, sobre os quais nos debruçaremos nas próximas colunas do Jornal da AdUFRJ e por meio dos quais acredito ser possível reduzir, de maneira gradual e, por vezes errática, o montante de oscilações da mente. Essa tem sido a minha jornada e espero, através dessa coluna, convidá-los a trilhá-la comigo.

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