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WhatsApp Image 2021 11 26 at 18.11.11Um dos maiores especialistas em violência urbana do país perdeu a conta de quantas chacinas já foi convocado para comentar ao longo de sua trajetória acadêmica. Michel Misse, professor do IFCS e coordenador do Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, não esconde a perplexidade ao acompanhar os relatos sobre o assassinato de nove pessoas no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no último final de semana. Os corpos foram abandonados no mangue e retirados pelas famílias, que relataram graves marcas de tortura.
Misse acredita que a chacina do domingo seja uma ação para vingar o sargento Leandro Rumbelsperger da Silva, de 38 anos, assassinado no sábado, dia 20. “Tem todos os indícios. Esse é o padrão de setores da polícia, tanto Militar quanto Civil, que já praticam esse tipo de retaliação e chacinas no Rio de Janeiro há décadas”, afirma o pesquisador.
Na quarta-feira, 24, saíram os laudos periciais realizados nos corpos resgatados. As análises indicam fraturas em crânio e tiros nos olhos, costas, braços e pernas. Uma das vítimas, Kauã Brenner Gonçalves Miranda, de 17 anos, foi executado com nove tiros: “um no peitoral esquerdo; um no peitoral direito; três na parte de cima da coxa direita; um na parte interna da coxa direita; um na parte de fora do terço inferior da perna direita”. Já o laudo de Igor da Costa Coutinho, de 24 anos, indica “face destruída e tiro no braço esquerdo” e aponta como causa da morte “traumatismo cranioencefálico”.
Das nove vítimas, apenas duas foram alvejadas com um único disparo: Igor e Douglas Vinícius Medeiros da Silva, de 27 anos. As outras sete foram atingidas com três tiros ou mais. Os laudos reforçam a tese de execução sumária e ação motivada por vingança. Em entrevista ao Jornal da AdUFRJ, o pesquisador analisa mais este massacre.

Jornal da AdUFRJ - A chacina do Complexo do Salgueiro foi retaliação pela morte do policial?
Michel Misse - Tem todos os indícios. Esse é o padrão de setores da polícia, tanto Militar quanto Civil, que já praticam esse tipo de retaliação e chacinas no Rio de Janeiro há décadas. Observa-se que há conexões com milícias, o que torna o ato ainda mais grave. E piora porque há a proibição do ministro (Edson) Fachin, do Supremo Tribunal Federal, de operações dessa natureza na pandemia, mas eles usam o critério de ordem pública, um critério que nunca foi regulado por ninguém, para justificar as ações. É com pesar que mais uma vez comento a mesma coisa há 50 anos, sem mudanças nesse panorama.

O senhor comentou sobre possível envolvimento de milícias.
Há notícias de que um dos líderes das milícias do Rio, cabo Ronny Peçanha de Oliveira, comemorou nas redes sociais a chacina, dando a entender que eles participaram também. Ele, que está preso, tem acesso às redes sociais. (Perfil no Twitter atribuído ao cabo comentou: “Fizemos uma ‘baguncinha’ no Salgueiro”. A polícia investiga)

As famílias relatam sinais graves de tortura, o IML chegou a orientar que a identificação de alguns corpos fosse realizada do tórax para baixo, por conta da desfiguração do rosto, mas a polícia nega que tenha cometido tais atos. Até quando ações dessa natureza serão permitidas no Rio de Janeiro?
Isso vai continuar enquanto as principais autoridades da área continuarem negando. Ao invés de as autoridades investigarem o que aconteceu, pedirem as armas dos policiais envolvidos e afastá-los, continuam negando a gravidade dos crimes cometidos. Enquanto esse procedimento continuar, elas estão incentivando, ainda que indiretamente, mesmo que sem a intenção, a continuidade dessas práticas

Os corpos foram jogados no mangue e retirados pelas famílias, diante da demora de o Estado fazer este trabalho. Com isso, cenas de crimes foram desfeitas. O senhor acha que será mais um caso em que os agentes não serão responsabilizados?
Tudo indica que sim. Vamos aguardar. O Ministério Público está assumindo a investigação junto com segmentos da Polícia Civil. Temos alguma esperança, como ainda mantemos em relação ao Jacarezinho, mas também naquele caso (em 6 de maio) ainda não houve conclusões. Infelizmente, o histórico nos indica uma expectativa nula de que haja esclarecimento.

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