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Elisa Monteiro
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Promovido pelo Observatório do Conhecimento na última terça-feira (23), o debate "Economistas Pensam a Universidade" reuniu visões diferentes que convergem na necessidade de fortalecer o sistema científico brasileiro em um cenário radical de retirada de direitos e de ataques às políticas públicas. Monica de Bolle (Peterson Institute/John Hopkins), Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central), André Lara Resende (ex-presidente do BNDES) e as professoras Laura Carvalho (USP) e Esther Dewck (UFRJ) trocaram análises pouco otimistas sobre o futuro do país.  

O cientista político e diretor da AdUFRJ, Josué Medeiros, mediou o encontro virtual e avaliou a iniciativa como “um excelente debate”: “É uma prova de que podemos articular amplos setores em defesa do conhecimento e da Ciência. Quanto mais gente a favor das nossas pautas, mesmo que pensem diferente em outros temas, mais chances temos de resistir ao governo Bolsonaro”, resumiu.

Em poucas horas, o vídeo alcançou mais de três mil visualizações. O debate rompeu a bolha da esquerda tradicional e incomodou conservadores, como o economista e polemista Rodrigo Constantino que, desde a véspera do encontro, já criticava o elenco de debatedores, alegando – surpreendentemente e equivocadamente – que todos eram de esquerda.

“Infelizmente, estamos em uma situação em que o relatório de uma Proposta de Emenda Constitucional é apresentado na terça-feira para ser votado na quinta-feira ou na próxima semana, porque o governo tem maioria no Congresso”, advertiu a docente do Instituto de Economia, Esther Dewck. “O tempo médio de aprovação de uma PEC era um ano e meio, depois de debates, audiências públicas com discussão e análise de impacto”, ela acrescenta.

O mais recente presente de grego da articulação política do governo Bolsonaro no Congresso, a Proposta de Emenda à Constituição n° 186 — que condiciona o financiamento do auxílio emergencial à eliminação dos mínimos constitucionais estabelecidos para a Educação e Saúde — foi relacionado à política de austeridade adotada no país desde 2016.

“O teto de gastos criou uma situação que coloca uns contra os outros. Alguns, com poder de influência, conseguem manter suas fatias nesse bolo cada vez menor, enquanto outros perdem recursos”, frisou a docente da Universidade de São Paulo, Laura Carvalho. E exemplificou: “Com uma flexibilidade cada vez menor, você joga a universidade contra a Saúde, a Saúde contra a Cultura, a Cultura contra a Ciência e Tecnologia, a Ciência e Tecnologia contra o sistema social. De alguma forma, ao invés de alocar os recursos de forma mais eficiente, como era vendido, o teto coloca setores prioritários uns contra os outros”.

A crise econômica e sanitária permeou a troca de avaliações. Para a economista Monica de Bolle, o Brasil está atrasado no debate global. “Nós não vemos uma discussão de orçamento que contemple a questão da pandemia”, criticou. Atualmente residente nos Estados Unidos, a pesquisadora vê na pandemia uma pá de cal sobre políticas fiscais de austeridade.

Já André Lara Resende falou sobre a responsabilidade dos macroeconomistas no impasse atual. Segundo ele, os intelectuais “encamparam a percepção laissez-fairista de que existe progresso, desenvolvimento e avanço com o estado tendo as mãos completamente atadas. Ou seja, quanto mais restringir o estado, mais a iniciativa privada será capaz de resolver as questões e esse mito ideológico foi dominante nos últimos anos”, disse.

Sobre as universidades, Armínio Fraga pontuou mudanças de paradigmas na produção do conhecimento: “Não podemos ficar parados no tempo. Concordo com a Monica de Bolle em relação à importância de explorar espaços multidisciplinares. As coisas estão evoluindo rapidamente e novas áreas vão surgindo. É fundamental que as universidades federais tenham  flexibilidade para abrir esses campos que interessam aos alunos, com temas que vão do meio ambiente à desigualdade”.

O ex-presidente do Banco Central também argumentou por uma maior aproximação das instituições da iniciativa privada. “Não só em função das dificuldades orçamentárias, mas em função da riqueza que isso traz . Entendo que o  tema é polêmico nas federais, mas acho que cabe explorar e aprender com universidade públicas de grande sucesso, pelo mundo afora, a importância e as vantagens em se desenhar bem parcerias com o setor privado. Isso na área da Ciência tem funcionado muito bem”, defendeu.

 

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MONICA DE BOLLE
Peterson Institute / John Hopkins

"Ainda que a gente esteja no início das campanhas de vacinação e tenhamos boas vacinas, a gente sabe como esse processo está difícil até nos países que têm doses suficientes, para não falar do Brasil, onde esse processo está muito difícil. O panorama que a gente tem pela frente ainda é pandêmico por algum tempo. Então os temas que estão colocados serão mais ou menos os mesmos com alguma evolução para melhor, a gente espera, ao longo do tempo. Mas, em termos de entendimento desse momento inédito, nunca foi tão importante que cientistas e pesquisadores de diferentes áreas se unissem para tentar pensar juntos no que tudo isso significa em termos de impacto para a sociedade, impacto nas nossas vidas, impacto em como o mercado de trabalho vai se organizar ou não se organizar. Impacto sobre como a gente vai pensar política econômica, a política de saúde pública, a política de meio ambiente. Enfim, todas as políticas públicas, de uma forma geral, estão sob questionamento nesse momento. E essa junção de pesquisadores de diversas áreas tem sido muito rica. Aqui em Washington eu me juntei a algumas dessas redes e você percebe muito nitidamente a importância do financiamento.”


ARMÍNIO FRAGA
Ex-presidente do Banco Central

"O momento requer uma atitude de sobrevivência e resistência. E a academia é um espaço natural para isso. A academia tem como base a busca pelo conhecimento com rigor, com honestidade intelectual. A academia é um antídoto, é um filtro contra esse mundo de fakenews. E é, portanto, um espaço essencial. E também, por muitos, percebido como um inimigo. As universidades federais no Brasil vêm de muito tempo, a Faculdade de Medicina da Bahia, por exemplo, foi fundada em 1908. E elas têm demonstrado, portanto, capacidade de resiliência, e têm dado uma contribuição histórica. E é importante que elas continuem a dar. Elas têm, como todas as boas universidades do planeta, que zelar pela sua independência. Eu penso que é uma marca dos tempos muito bem-vinda uma crescente diversidade. As universidades públicas sempre foram gratuitas, mas isso, na prática, era um filtro que funcionava ao contrário, só conseguia passar no vestibular quem estudava em escola privada. Isso vem mudando, os ambientes vêm ficando mais plurais, e eu vejo isso como grande avanço. Uma marca que as universidades têm no Brasil é a importância para a pesquisa, elas são responsáveis por fatia muito elevada da pesquisa.”


ANDRÉ LARA RESENDE
Ex-presidente do BNDES

"No campo político, há evidentemente no Brasil um processo autoritário em curso. E não é um processo tímido, é um processo anunciado, explícito. E nós temos sido muito condescendentes com esse processo autoritário. Não temos sabido reagir a isso como deveríamos reagir. Na Economia, o que nós precisamos pensar é como fazer investimentos públicos e prestar serviços públicos de alta qualidade. Investimentos em infraestrutura, em energia limpa, em Saúde e em Educação, em pesquisa e desenvolvimento. E isso não se faz sem o apoio e sem a ação direta do Estado. E não se faz da noite para o dia. É preciso ter programa, é preciso pensar bem. É isso que define um projeto para o país nos próximos anos, na próxima década. Infelizmente, no Brasil, nós continuamos com as mãos atadas e completamente restritos por uma visão de que o Estado nada pode fazer porque estamos à beira de um abismo fiscal. E isso é rigorosamente falso. Quando você impede o investimento público, impede também o crescimento econômico e o progresso do país.”


LAURA CARVALHO
USP

"Estamos com corte de recursos justamente para as áreas que a sociedade mais demanda nesse momento. E a universidade é uma delas, tanto por seu papel no ensino — que enfrenta desafios enormes nessa pandemia para não perder o caráter democrático que ganhou graças à política de cotas — quanto na pesquisa. Os desafios são muitos e os recursos, cada vez mais escassos. Sobre a questão específica do teto de gastos da PEC colocada para fundir o piso de Saúde e Educação é preciso retomar que, no momento em que foi aprovada, em 2016, havia uma ideia de que a restrição teria como resultado natural uma melhor alocação dos recursos. Passados alguns anos, a dinâmica do teto de gastos é tal que as despesas com previdência, que vão crescendo independentemente da reforma, vão espremendo as demais despesas. No caso das universidades, isso é nítido. As despesas obrigatórias são mantidas sem reajustes para salário de servidores. Mas as despesas discricionárias, não obrigatórias, vão ficando cada vez menores. Assim como em outras áreas, os investimentos públicos vão sendo zerados. E, com isso, é interrompido o processo de expansão das universidades que a gente viu nos anos de 2000.”


ESTHER DWECK
UFRJ

"No cenário atual, as universidades brasileiras mostraram a importância que elas têm não só do ponto de vista da pesquisa básica, mas também da pesquisa aplicada no enfrentamento à pandemia. Veja a quantidade de soluções que foram criadas em um ano de grande dificuldade de se fazer pesquisa, não só pela ausência de orçamento, mas pela ausência do próprio laboratório que pudesse ser acessado de forma segura. Mesmo assim, as universidades  conseguiram enfrentar e trazer soluções importantes para localidades distintas, como fez em outras situações graves como no caso do enfrentamento da Zika. As universidades sempre estiveram ali para mostrar que estavam prontas para atuar se elas tiverem espaço, se elas tiverem orçamento. A universidade pública está sob ataque. Por isso o debate orçamentário é tão importante. Essa é uma forma de atacar a universidade na qual ela vai ter muita dificuldade em se reerguer. Muitas coisas que estão sendo mudadas são estruturais. São padrões e instrumentos que levaram mais de um século para serem formados e que, se forem destruídos, não se sabe quanto tempo será necessário para reconstruí-los”.

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