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WhatsApp Image 2023 03 30 at 20.18.47 8Kelvin Melo e Francisco Procópio

Nos últimos 21 anos, 23 escolas sofreram ataques de alunos ou ex-alunos no Brasil. Os números, apurados em uma pesquisa da Unicamp — e detalhados na página ao lado —, apresentam uma tendência preocupante: mais de um terço das tragédias ocorreu apenas do segundo semestre de 2022 para cá. Na mais recente delas, a professora Elizabeth Tenreiro foi assassinada a facadas esta semana, em São Paulo. Ainda devastados pela perda da colega, especialistas e representantes sindicais ouvidos pelo Jornal da AdUFRJ buscam compreender as raízes da crescente violência em ambiente escolar.
“A explicação não pode ficar limitada a um indivíduo. É uma questão social. O assassino tem 13 anos. Isso é inusitado. Não podemos naturalizar essa violência”, afirma a professora Carmen Teresa Gabriel, titular da Faculdade de Educação da UFRJ. “Chegamos a uma sociedade tão guiada pelo ódio que estamos vendo coisas que seriam impensáveis há alguns anos”.
A pandemia, que afastou os alunos dos bancos escolares e do convívio com o outro por mais de dois anos, pode ter contribuído para o crescimento da cultura de ódio. “Ninguém nasce aluno. Você aprende a ser aluno em um processo de socialização, indo para a escola”, explica Carmen, que é coordenadora do Complexo de Formação de Professores da universidade. “Uma das grandes dificuldades do retorno às aulas foi esta criação do vínculo com a escola como uma instituição de acolhimento. Quando você fica dois anos fora desse processo, aparecem as sequelas. Este é um elemento importante”.
Sequelas que podem crescer, se o caminho da repressão apontado por algumas autoridades ganhar espaço. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Podemos), defendeu um programa para colocar policiais nas unidades de ensino de forma permanente. “Lugar de polícia não é na escola. A escola não está numa redoma de vidro, onde a violência não está presente. Mas ela precisa lutar contra a violência por um trabalho pedagógico”, conclui Carmen.
Também professora titular da Faculdade de Educação, Libânia Xavier chama a atenção para a sobrecarga dos profissionais de ensino e para a importância de haver um protocolo para lidar com casos semelhantes ao do jovem de São Paulo. “É tanto trabalho e é um trabalho tão intenso que os profissionais demoram a perceber a gravidade de algumas situações. Isso resulta em tragédia, às vezes”, observa. “Não sabemos exatamente como foi em São Paulo. Acho que a escola estava alerta, mas, provavelmente, o garoto precipitou o ataque”, completa.
Libânia fala com a experiência de quem, desde 2012, estuda professoras que trabalham em áreas conflagradas no Rio. “A violência não está só dentro da escola. Mas também no seu entorno. Muitas vezes, vem dos próprios agentes do Estado”, diz, em referência às ações policiais próximas às escolas. “A notícia é um alerta muito triste que exige atenção dos poderes públicos. Existe pouco apoio das outras instituições. Faltam políticas públicas articuladas”.
As políticas que faltam podem ser formuladas na universidade. Em nome da diretoria da AdUFRJ, a professora Nedir do Espirito Santo manifestou seu pesar pelo assassinato da colega e defendeu o engajamento dos cursos da instituição neste debate. “Sentimos muito o ocorrido e nos solidarizamos com a dor do corpo docente da escola e de todos os alunos”, diz Nedir, que atua na Licenciatura em Matemática.
“Como o adolescente chega a tal ponto de violência? Quais foram os sinais dados pelo jovem? O que a escola poderia ter feito? Estamos muito longe de responder a essas perguntas e vemos poucas medidas públicas nessa direção”, diz Nedir. “Os cursos de licenciatura devem conter em seus currículos espaços para abordagem dos problemas que estão enfrentando os adolescentes dessa geração e de que forma suas emoções estão se apresentando”.

GOVERNO DE EXTREMA-DIREITA ESTIMULOU DESCONFIANÇA CONTRA PROFESSORES

Para as entidades sindicais, a tragédia de São Paulo guarda estreita relação com o discurso de ódio fomentado no governo Bolsonaro. “Quando você estimula que se grave seu professor, ou que denuncie seu professor porque está falando isso ou aquilo, você está estimulando uma relação de desconfiança e de controle do aluno sobre o professor. Não é mais sobre alguém que está ali para educá-lo”, avalia a professora Duda Quiroga, coordenadora-geral do SEPE (Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio). “Quando o controle não acontece e o jovem não aprendeu a lidar com frustrações, a tendência é eclodir este tipo de situação (de conflito)”, completa.
A dirigente cobra a necessidade de ampliação do vínculo entre alunos e escolas com a oferta de atividades culturais no contraturno. “Nós precisamos de outras políticas públicas para que esses jovens não fiquem só na aula e nos períodos de pátio, naqueles 30 minutos de recreio”. A demanda exige investimento das autoridades. “Precisa de mobilidade urbana, para que você possa levar um estudante de uma ponta da cidade a outra para ir ao museu”, exemplifica.
Nas escolas privadas, a sensação não é diferente. “Esse governo fascista que nós tivemos do Bolsonaro estimulou que as pessoas se armassem para poder resolver os seus problemas de relação com o outro”, afirma o professor Elson Paiva, presidente do Sinpro-Rio, Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região.
Elson também contestou a proposta do governador paulista Tarcísio de Freitas de colocar policiais armados dentro das escolas. “Como é que vai resolver o problema da violência com mais violência?”, questiona.
Neste cenário de violência crescente, Elson classifica a docência como uma profissão de risco. “Nós da educação e da área da saúde, e os profissionais da segurança, somos os que estamos mais na linha de frente. Estamos muito mais expostos do que do que outras categorias de trabalhadores”, alerta.
Coordenador-geral do Sinasefe (Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica), o professor David Lobão concorda que os ataques podem ser relacionados com a ação destruidora do governo Bolsonaro. “Você tinha um governo neofascista que não valorizava a educação”, critica.
As consequências do desprezo pela educação ainda se refletem em conflito nas salas de aula, mesmo após o fim daquele governo. “Aqui no Instituto Federal onde eu trabalho, na Paraíba, uma professora foi chamar a atenção de um aluno e agora está afastada, porque o estudante se achou no direito de ameaçá-la”, afirma.
Apesar dos obstáculos, Lobão não se rende. “Meu amigo Paulo Freire dizia que a educação não muda o mundo. A educação muda as pessoas e as pessoas mudam o mundo”.

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