facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

Ordem do Merito CientificoO governo Bolsonaro fez mais um ataque à Ciência brasileira, e recebeu uma resposta à altura da comunidade científica. Depois de o governo voltar atrás na nomeação dos pesquisadores Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda para a Ordem Nacional do Mérito Científico, cientistas de todo o país se reuniram para condenar publicamente os expurgos. Na UFRJ, o movimento foi organizado pelos professores eméritos, que publicaram uma carta (ao lado, na íntegra) em repúdio à exclusão dos dois pesquisadores da lista de agraciados.
Adele Benzaken era diretora do Departamento de Vigilância Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde, e foi desligada em janeiro de 2019, por ter sido a responsável pela elaboração de uma cartilha destinada a pessoas trans. Marcus Lacerda foi um dos primeiros brasileiros a pesquisar o uso de cloroquina contra a covid-19, e suspendeu o estudo depois de verificar que o medicamento aumentava o risco de problemas cardíacos. A comunidade científica acredita que essas são as razões para o governo ter recuado na honraria aos dois pesquisadores.
Professor emérito da UFRJ e diretor da AdUFRJ, Ricardo Medronho disse que a carta é um reflexo da revolta da comunidade científica. Assinada até o fechamento desta edição por 57 professores eméritos, a carta é dura ao afirmar que a atitude de Bolsonaro, tratada como indigna, é “marca de governos autoritários, condizente com o negacionismo do atual governo”. Para Medronho, a revolta da comunidade científica é justa. “Estes pesquisadores foram excluídos meramente por perseguição política, porque suas pesquisas não estão em acordo com o pensamento do atual presidente da República”, defendeu ele na reunião do Consuni de quinta-feira (11). O conselho aprovou uma moção de solidariedade aos pesquisadores excluídos, apresentada por Medronho.
A Ordem Nacional do Mérito Científico, fundada em 1993, tem como finalidade homenagear personalidades que “se distinguiram por suas relevantes contribuições prestadas à Ciência, à Tecnologia e à Inovação”. A indicação dos membros é feita por uma comissão formada por três membros do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação, três indicados pela Academia Brasileira de Ciências e três integrantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A admissão na ordem é prerrogativa do presidente da República.
“O trabalho que a comissão faz é técnico, e garante que os agraciados são escolhidos pelo mérito científico deles”, explicou o professor Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências e professor emérito da UFRJ. “Não podemos dizer que os dois cientistas se opuseram ao governo, eles foram excluídos da lista porque fizeram Ciência. Então certamente foi uma atitude autoritária”, defendeu o professor.
Signatário da carta dos professores da UFRJ, Davidovich defende que a comunidade científica deve se manifestar com vigor. “Reagir contra isso é importante e necessário. É preciso cortar essa escalada autoritária antes que seja tarde demais”, salientou.

INDICADOS RECUSAM PRÊMIO
Um grupo de 21 cientistas indicados para receber a comenda também se manifestou publicamente, recusando o prêmio e publicando uma carta. “Não compactuamos com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para a Ciência e Tecnologia têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade científica brasileira nas últimas décadas”, diz um dos trechos da carta. “Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação”, diz outro trecho.
Dois pesquisadores da UFRJ foram indicados para receber a honraria, ambos do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF): Fernando Garcia de Mello e Patricia Rieken Macedo Rocco. Fernando se juntou aos demais cientistas que recusaram a honraria.

PERSEGUIÇÃO
Para o pesquisador Marcus Lacerda, o movimento dos cientistas é uma tentativa importante de se contrapor diretamente à política do governo. “É triste como intervenções políticas no mérito estão gerando problemas. Não só na Ciência, mas na Saúde, como na pandemia, e na Educação. Isso mostra claramente que a política está se colocando acima do mérito em todas as áreas”, avaliou o professor. “É um absurdo que no momento em que o país está em crise e precisa mais de conhecimento estratégico, a Ciência seja apagada como tem sido”.
Não foi o primeiro ataque pessoal que Lacerda sofreu. Quando seu estudo sobre a cloroquina foi publicado, no ano passado, ele recebeu ameaças de morte de seguidores de Bolsonaro na internet. “Algumas pessoas acreditaram nessa grande fake news e que eu tinha matado pessoas de propósito com altas doses de cloroquina. Recebi uma avalanche de ameaças de morte, e esses ataques aconteceram imediatamente após a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro de que o estudo precisava ser investigado, que tinha matado pessoas”, relatou o cientista, que chegou a precisar de escolta armada da Polícia Militar do Amazonas por dez dias.

OUTRAS MANIFESTAÇÕES
Mais de 270 cientistas e personalidades que já receberam a comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico também divulgaram uma carta de protesto. O professor Ildeu de Castro Moreira, ex-presidente da SBPC e um dos organizadores da carta, criticou a postura do governo. “Estamos voltando à censura ditatorial. O autoritarismo e o arbítrio não cabem no Brasil, e a comunidade científica está se manifestando contra isso”, explicou Ildeu, que ainda fez um alerta para os demais setores da sociedade civil. “O cerceamento acontece primeiro em setores que se pronunciam mais junto ao público, como cientistas, jornalistas e artistas, mas isso se espraia e passa a ser uma censura à sociedade inteira”.
Outra manifestação foi organizada por ex-reitores de universidades federais, que também criticaram o que chamaram de “ingerência presidencial na liberdade de cátedra”, o que afronta a Constituição. Um dos mais de 50 signatários da carta é Nelson Maculan, ex-reitor da UFRJ. “Acho que o país tem reagido muito pouco, é importante essa reação para fazer avançar essas discussões. Nós representamos a Ciência do país, temos responsabilidades e precisamos dar exemplo”, defendeu Maculan.

CARTA ABERTA DOS PROFESSORES EMÉRITOS DA UFRJ EM REPÚDIO À CASSAÇÃO DE HOMENAGEM A CIENTISTAS

Os Professores Eméritos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, abaixo assinados, vêm a público expressar a sua indignação e repudiar a injusta exclusão dos cientistas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda da lista de agraciados com a Ordem Nacional do Mérito Científico. Os seus nomes foram indicados por uma comissão paritária de membros do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), o que garante que sua escolha se dê em virtude de seu mérito científico, fora de toda e qualquer injunção política.
Em decreto de 3 de novembro de 2021, o atual ocupante do Palácio do Planalto publicou a lista dos agraciados com a honraria e, em 5 de novembro de 2021, o Presidente da República, surpreendentemente, fez publicar novo decreto excluindo os dois cientistas acima mencionados, por pura perseguição política.
Essa atitude indigna é marca de governos autoritários, condizente com o negacionismo do atual governo, que, durante a pandemia de Covid-19, se posicionou e agiu contra todas as recomendações científicas dos especialistas em saúde pública do país. Somado a isso, cortes financeiros abusivos vieram sufocar o financiamento de universidades e centros de pesquisa brasileiros, mostrando a sua total falta de visão e desprezo pela ciência e pelo próprio desenvolvimento do país.
Assim, prestamos nossa solidariedade aos cientistas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda, excluídos da lista de agraciados por motivos políticos, bem como aos 21 (vinte e um) cientistas que renunciaram coletivamente às suas indicações. Estes 21 colegas deixaram muito claro que não se troca honradez por honrarias.
Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2021

Adalberto Ramón Vieyra
Adelaide Maria de Souza Antunes
Andrea Viana Daher
Alda Judith Alves Mazzotti
Alice Rangel de Paiva Abreu
Ana Ivenicki
Anita Dolly Panek
Antônio Carlos Secchin
Antonio Flavio Barbosa Moreira
Antonio Giannella-Neto
Arthur Octavio de Ávila Kós
Basilio de Bragança Pereira
Cláudio Costa Neto
Dinah Maria Isensee Calou
Erasmo Madureira Ferreira
Francisco Antônio de Moraes Accioli Dória
Francisco Radler de Aquino Neto
Gilberto Barbosa Domont
Helio dos Santos Migon
Henrique Murad
Jayme Luiz Szwarcfiter
João Luiz Maurity Saboia
José Murilo de Carvalho
Jose Mauro Peralta
Krishnaswamy Rajagopal
Liu Hsu
Luiz Bevilacqua
Luis Felipe da Silva
Luiz Davidovich
Luiz Felipe Alvahydo de Ulhoa Canto
Luiz Pereira Caloba
Luiz Pinguelli Rosa
Marcello André Barcinski
Márcio Tavares d’Amaral
Maria Angela Dias
Maria Antonieta Rubio Tyrrell
Marieta de Moraes Ferreira
Mario Luiz Possas
Martin Schmal
Muniz Sodre Cabral
Nei Pereira Junior
Nelson Albuquerque de Souza e Silva
Nelson Maculan Filho
Nelson Spector
Nelson Velho de Castro Faria
Nizia Maria Souza Villaça
Nubia Verçosa Figueiredo
Otávio Guilherme Cardoso Alves Velho
Raquel Paiva de Araújo Soares
Ricardo de Andrade Medronho
Roberto Lent
Sandoval Carneiro Junior
Sergio Augusto Pereira Novis
Takeshi Kodama
Vivaldo Moura Neto
Walter Araujo Zin
Yvone Maggie de Leers Costa Ribeiro

Topo