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WhatsApp Image 2021 07 30 at 21.03.44Lucas Abreu e Silvana Sá

A Olimpíada é a maior expressão do esporte mundial. Os Jogos reúnem histórias de homens e mulheres que superam obstáculos físicos, rompem muralhas sociais e culturais, se entregam, semeiam exemplos e encantam torcidas. Num tempo de enorme desesperança mundial, com pandemia e horrores políticos, as Olimpíadas de Tóquio, sem torcida e com muita emoção, aceleram corações por todo o globo. No Brasil, as manhãs e madrugadas estão mais alegres com nossos heróis olímpicos nos presenteando com performances e biografias impressionantes.
O filho de pescador, dono do ouro, que surfava numa tampa de isopor; a fada do skate que conquista sua primeira medalha aos 13 anos; a mulher negra que encantou uma arena ao som de “Baile de Favela” e nos trouxe a primeira medalha da história no individual geral da ginástica olímpica. Estes são alguns exemplos de como esporte e emoção andam juntos. Mas não só.
Ao longo das últimas décadas, cresceu também a participação da ciência e da tecnologia para melhoria do rendimento dos atletas de ponta e também aumentou o controle para evitar disputas desleais, como o uso de substâncias proibidas que melhoram químicamente o desempenho do corpo.
“Estamos falando da preservação de valores éticos na nossa sociedade”, pontua o professor Henrique Marcelo Gualberto Pereira, do Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD), que está em Tóquio e nos concedeu uma entrevista exclusiva. O Jornal da AdUFRJ foi em busca dele e de outros especialistas que nos ajudam a mostrar como a UFRJ, a ciência e a tecnologia atuam para tornar o espetáculo cada vez mais perfeito.

“Não dá para realizar treinamento de atleta sem tecnologia e pesquisa científica”

Silvana Sá

Imagine repetir um movimento tantas vezes e por tantas horas até que seja impossível errar qualquer milímetro. Esse era basicamente o princípio de treinamento dos atletas de alto rendimento no Brasil e no mundo até bem pouco tempo atrás. A ideia era reproduzir o que acontecia nas competições como meio de aperfeiçoar as equipes de qualquer modalidade esportiva. Mas, com o avanço da ciência do esporte, treinamentos exaustivos e repetitivos estão dando lugar a treinos focados e que buscam otimizar o rendimento do indivíduo, ao invés de cansá-lo. Além de melhorar o desempenho, as técnicas minimizam os riscos de lesões por esforços prolongados. “Não dá para realizar treinamento em atleta sem ciência e tecnologia”, enfatiza o professor Alexandre Palma, vice-diretor da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ.
A UFRJ tem uma longa tradição no mundo dos esportes. A então Escola Nacional de Educação Física da Universidade do Brasil foi fundada em 1939 por ninguém menos que a professora – e maior nadadora da nossa história – Maria Lenk. A docente também foi a primeira mulher a dirigir a unidade. O passado glorioso inspira o presente. “Estudamos efeito de cargas de treinamento, aspectos fisiológicos. A gente está antenado com tudo isso”, revela Alexandre Palma. “Estudos sobre genética, também feitos na universidade, tentam associar determinados treinamentos com polimorfismos genéticos”, aponta o pesquisador. Outras linhas de pesquisa investigam enzimas que estão associadas com o perfil de mais força ou mais aeróbico de um atleta. “Com conhecimento mais seguro sobre isso, é possível influenciar na escolhas de atletas de alta performance para determinadas modalidades”, sugere. “A ciência vai alimentando a intervenção dos treinadores”.
“Somos uma das universidades mais evoluídas no conceito de ciência do esporte”, completa o professor Renato Alvarenga, do Departamento de Biociências da EEFD. “A Escola é uma das primeiras da América Latina nessa área”, orgulha-se. “A gente contribuiu muito para mudar o conceito da educação física, em função das pesquisas que desenvolvemos nas últimas décadas”, revela o pesquisador.
Para o docente, um dos principais aspectos que geraram o salto qualitativo dos últimos anos é a ciência do movimento. “A biomecânica, muito mais computadorizada, permite avaliar cada giro, cada movimento, cada salto do atleta para melhorar sua performance, para que tudo seja otimizado de forma que ele não faça nada que seja desnecessário ou que vá machucá-lo”, detalha. Tamanha precisão de dados gera treinamentos mais específicos e elaborados por modalidade.
Equipamentos capazes de medir enzimas como a CK, que surge na circulação sanguínea sempre que a musculatura de um atleta apresenta fadiga, permitem controlar o treino e evitar lesões. “Hoje também temos câmeras termográficas que observam como está o músculo do jogador. A cor mais avermelhada permite verificar se o músculo tem, por exemplo, micro lesões e em que lugares estão, o que também contribui para a recuperação desse indivíduo”.

Teoria e prática
Uma das pesquisas em andamento na EEFD envolve o time de vôlei feminino Sesc RJ Flamengo. A investigação, coordenada pelo professor Eduardo Portugal, do Departamento de Jogos da Escola, utiliza a tecnologia Vert, capaz de mensurar todos os deslocamentos e alturas de saltos de cada atleta. “Isso permite chegar para uma atleta e orientar que ela salte menos, porque na semana anterior ela saltou muitas vezes e isso pode comprometer ligamentos, pode resultar numa lesão desnecessária”, explica. “É uma ferramenta incrível. Não é mais só o que o técnico acha. Ele recebe uma série de informações e vai trabalhando em cima delas”, afirma o pesquisador.
A mesma tecnologia também está sendo aplicada no futebol. “Estamos fazendo estudo parecido com jogadores de futebol, medindo a velocidade do atleta e as distâncias percorridas. Dá para fazer isso de forma individualizada, mesmo o esporte sendo coletivo. É uma revolução! Até pouco tempo atrás isso não existia”, conta Portugal.
Também com investigações na área esportiva – mas não só – o Laboratório de Biomecânica, do Programa de Engenharia Biomédica da Coppe, pesquisa o desenvolvimento de um calçado que seja capaz de reduzir o desgaste do usuário para longas caminhadas. “O sujeito tem que fazer uma marcha de 10 quilômetros com uma mochila de 15kg, como fazer com que essa pessoa se desgaste menos com o calçado, que tenha menos lesão, gaste menos energia? Como o calçado pode devolver uma parte da energia para o usuário?”, indaga o professor Luciano Menegaldo, coordenador do laboratório.

Investimento necessário
Tanta tecnologia tem um alto custo financeiro e coloca na frente da corrida os países mais ricos. Uma das consequências mais evidentes, nas Olimpíadas, é o número de premiações de cada país. “Os países desenvolvidos, consequentemente, têm ampla vantagem no quadro de medalhas. Muitas vezes, não se trata só de ser um país que investe em esporte, mas uma consequência do investimento em ciência e tecnologia”, afirma o professor Alexandre Palma. “Quem investe menos vai ficando para trás”.
Outra face da falta de investimentos é o abandono de equipamentos esportivos. Os Jogos do Rio, em 2016, geraram uma série de instalações que hoje estão degradadas pela falta de manutenção e recursos.  “Viraram elefantes brancos”, observa o professor, que cita entre seus exemplos os campos de hóquei e rugby, na Cidade Universitária. “Esses espaços se deterioraram, por falta de recursos. Estamos fazendo um processo de recuperação da piscina e também das áreas externas, mas tropeçamos no orçamento”, lamenta o vice-diretor. “Estamos numa área com muitas crianças no entorno. Seria uma oportunidade de potencializar a utilização dos equipamentos para a sociedade”, critica. “Quando a gente pensa no esporte não pode ter em mente só a formação de atletas”.
Eduardo Portugal concorda. “O esporte tem uma vertente mais importante, como meio de inclusão social, como manifestação cultural, como lazer, como saúde. É dever do Estado fomentar a prática esportiva dentro dessas vertentes. É um ponto chave para o desenvolvimento da nossa sociedade”. (Silvana Sá)

Tóquio faz história

O torneio de Tóquio já entrou para a história como o mais diverso desde a invenção das Olimpíadas. É a primeira vez que a competição tem 49% de atletas femininas. O maior percentual de mulheres competindo numa Olimpíada havia sido registrado no Rio, em 2016, com 45% de participação. Também é a primeira vez que uma atleta transgênero integra a equipe de um país. Laurel Hubbard, do levantamento de peso da Nova Zelândia, obteve o direito depois de cumprir rígidas normas e provar que seus índices de testosterona estavam abaixo do estabelecido pelo Comitê Olímpico Internacional. Estreantes nos Jogos,  surf e skate ganharam projeção e trouxeram medalhas para o Brasil. As Olimpíadas 2020 também bateram recorde no número de atletas declaradamente LGBTQIA+: ao menos 166. Em 2016 eles eram 56 e, em 2012, apenas 23.
Tanta diversidade colocou na pauta dos Jogos de Tóquio debates absolutamente contemporâneos e coube às mulheres o protagonismo: elas saltaram com macacão para protestar contra a sexualização de seus corpos na ginástica artística; entraram em campo com braçadeira de capitã com as cores do arco-íris; se ajoelharam em protesto contra o racismo e o assassinato sistemático de pessoas negras no mundo; abandonaram a competição para presevar a saúde mental.
Especialista em Psicofisiologia do Exercício, o professor Eduardo Portugal, da EEFD, estuda a relação entre corpo e mente e como as emoções podem interferir no desempenho esportivo – para o bem e para o mal. “A pressão que um atleta desse nível recebe para se manter no topo é enorme”, opina. “Eu consigo mensurar quando o atleta teve mais sucesso e o que afetou sua performance. É um olhar holístico para o desempenho, estamos vendo o indivíduo como um todo, para focar em cada pessoa”, explica. “É uma tentativa de humanizar as estratégias de treinos”.

ENTREVISTA I Henrique Marcelo Gualberto Pereira
Coordenador do Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem da UFRJ

“Estamos falando da preservação de valores éticos na nossa sociedade”

Lucas Abreu

WhatsApp Image 2021 07 31 at 10.19.54Em 2016, o Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD), ligado ao Instituto de Química da UFRJ, foi responsável por fazer os testes antidoping dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Agora, a universidade leva a sua excelência para Tóquio. O professor Henrique Marcelo Gualberto Pereira, coordenador do LBCD, comanda o time de pesquisadores que foram representar o laboratório da UFRJ no centro de testagem antidoping, coordenado pela Agência Internacional de Testes. Diretamente do Japão, onde está desde o dia 23 de julho, o professor Henrique contou sobre o trabalho que está sendo feito durante os jogos.

Jornal da AdUFRJ - Há quanto tempo o senhor atua nessa área de testes antidoping? Como começou esse trabalho?
Henrique Marcelo Gualberto Pereira - Iniciei na área da Ciência Antidopagem como aluno do mestrado do Instituto de Química da UFRJ, em 1997. Tenho a felicidade de completar, em 2021, 24 anos no que hoje é conhecido como Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem.

Qual o maior desafio de trabalhar na área da ciência antidoping?
O maior desafio é a necessidade constante de evolução metodológica, o que requer grande investimento em pesquisa, mão de obra ultra qualificada e equipamentos modernos. Para se manter em pé de igualdade em relação aos laboratórios de países economicamente mais desenvolvidos, existe a necessidade de investimentos constantes.

Foi a sua experiência à frente do LBCD na Rio 2016 que fez o senhor ser convidado para Tóquio 2020?
Sim. Tive a honra de ser convidado para trabalhar como especialista internacional nos Jogos de Tóquio, compondo um painel de diretores de laboratórios acreditados pela Agência Mundial Antidopagem (WADA). Hoje existem apenas 30 laboratórios acreditados na WADA no mundo. O LBCD é o único na América do Sul. No total, cinco membros do LBCD participam das análises antidopagem nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio. Além de mim, estão incluídos no projeto Gustavo Cavalcante, especialista na análise de esteroides anabolizantes, Gustavo Ramalho, especialista na análise de peptídeos e proteínas por espectrometria de massas, Fábio Azamor, especialista na análise de esteroides por IRMS (sigla em inglês de Espectrometria de Massa de Razão Isotópica), e Rachel Santos Levy, especialista na análise de eritropoietina.

Em 2016, o LBCD foi o responsável pelos testes antidoping nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Qual o papel do laboratório nas Olimpíadas de Tóquio? O que o Brasil leva de expertise para o Japão?
O número de amostras analisadas nos Jogos Olímpicos é extraordinariamente grande. Um complicador é a necessidade de liberação de resultados em até 24 horas. Nenhum laboratório acreditado pela WADA reúne condições de realizar tal tarefa sem o apoio de especialistas internacionais de outros laboratórios. Instituiu-se assim a tradição de apoio técnico-científico ao laboratório anfitrião. Como o LBCD foi o responsável pelas análises nos últimos Jogos Olímpicos, houve grande interação entre o LBCD e o Laboratório Olímpico do Japão. Essa interação muito nos honra, sendo um bom parâmetro do nível de inserção internacional alcançado pelo LBCD.

Quantos testes antidoping serão feitos, aproximadamente, ao longo dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio?
No pico da competição, esse número possivelmente chegará a 450 amostras por dia. O número total pode chegar a seis mil amostras, ou até mais. Tudo depende do planejamento da Autoridade de Controle de Dopagem, que coordena as atividades de coleta e inteligência.

Enfrentar o doping exige pesquisas permanentes e trabalho contínuo de aperfeiçoamento, já que os artifícios utilizados para burlar os testes sempre avançam rápido. Como manter essa preparação?
Para trabalhar na área antidopagem é interessante ter a percepção da importância que o esporte tem na saúde do indivíduo e na construção de uma sociedade com padrões éticos elevados. Assim, o surgimento de novas estratégias de dopagem serve, na verdade, como motivação, pois estamos falando da preservação de valores éticos na nossa sociedade.

E como os laboratórios se preparam para lidar com estes avanços?
Investimento em pesquisa é absolutamente fundamental para a evolução dos métodos e estratégias de detecção de agentes dopantes. Sem dúvida, esse é o caminho para que seja possível antecipar as estratégias de dopagem, que costumam estar um passo à frente da antidopagem.

Do ponto de vista pessoal, como é fazer parte de uma Olimpíada? Afinal, estamos falando de um evento que preza pela união e a competição justa, e seu trabalho é ser um dos mantenedores dessa justiça.
Fazer parte de um evento desta magnitude é um prazer, uma honra, mas também uma grande responsabilidade. O princípio do Olimpismo, dentro de uma perspectiva histórica, é algo realmente singular. Apesar de não ser um atleta, gosto de pensar que eu, bem como os demais colegas do LBCD, represento o Brasil aqui em Tóquio. Somos um país com um potencial extraordinário, e a capacidade intelectual do brasileiro não deve nada a nenhum povo do mundo. Quando despertarmos como sociedade para o fato de que os países mais desenvolvidos só o são pelo investimento pesado em educação e ciência, o Brasil não conhecerá limites para suas realizações.

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