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Ao chegar ao imponente edifício situado na Praia de Botafogo, para e pensa: “Esse lugar não é para mim”, e nunca mais volta naquela instituição. Sérgio e Lucas são dois professores negros de matemática do ensino médio. Ambos pretendem fazer mestrado e doutorado. “Nós temos um programa de pós-graduação em ensino de matemática na UFRJ”, falo de forma convidativa. “UFRJ? Não é para mim”, respondem. Os nomes são fictícios, mas as histórias são reais. O racismo de nossa sociedade é dito estrutural e estruturante: homens brancos com os melhores salários e posições de maior prestígio, seguidos pelas mulheres brancas. Bem abaixo vêm os homens negros, e por último, as mulheres negras. Os sentimentos de não pertencimento de Maria, Sérgio e Lucas são consequências deste racismo. O título provocativo deste texto, “Mas você é professor? Substituto, né?”, também está relacionado com fatos reais e ao caráter descritivo e prescritivo do racismo. Afinal, não se veem docentes negros com frequência na UFRJ. 

Lembro-me de meu primeiro ano de doutorado na PUC-Rio na primeira metade da década de 90. Um funcionário negro me fez a seguinte declaração: “Você é um de nós, no meio dos bacanas”. Foi naquele momento que compreendi a importância da representatividade.

A estratificação racial e de gênero de nossa sociedade é o resultado das contribuições de vários fatores que põem os(as) negros(as) em posição de desvantagem social. Um exemplo é a exclusão das redes de relacionamento com indivíduos que detêm o controle das oportunidades profissionais. Não raro encontramos alunos e docentes com algum grau de parentesco com docentes ou ex-docentes. Isso nada mais é do que um reflexo do capital social, ou seja, os recursos relacionais disponíveis aos brancos, mas raramente aos negros.

A desvantagem dos negros não é um resultado somente de discriminação voluntária. Decorre ainda da preferência subliminar de indivíduos do estrato dominante por seus pares. Os estereótipos negativos sobre negros resultam num racismo muitas vezes não percebido pelos praticantes. Não raro, os próprios negros absorvem esses estereótipos e passam a enxergar a si próprios a partir deles, gerando uma carga emocional significativa, tornando as interações diárias em fonte de estresse emocional. Como nos exemplos de Maria, Sérgio e Lucas, as motivações individuais em alcançar objetivos profissionais podem ser perdidas em função da prescrição social do lugar que os indivíduos podem ocupar.

Muitos ainda creem, apesar dos dados apontarem o contrário, que a discriminação racial não é um problema, o marcador seria a classe social. Porém, comparando brancos e negros com o mesmo nível socioeconômico, as desigualdades perduram.

Alberto Carlos Almeida [1], utilizando metodologia quantitativa de pesquisa, mostra claramente que a imagem do negro está associada à desonestidade e ao crime. Contrariando o senso comum de que ocupar profissões de maior status “embranquecem” o indivíduo, os dados mostram ainda que o contexto não muda a maneira como o negro é visto na sociedade. Dando um exemplo pessoal, quando eu ainda tinha um carro importado, era confundido com motorista particular. Ou, quando estou de terno, sou confundido com segurança ou líder religioso.

Com base no relatado acima, foram implantadas ações afirmativas no seio da sociedade brasileira. Desde a implantação da lei de cotas, os números de alunos e docentes negros vêm crescendo no Brasil, mas ainda estão sub-representados. Recentemente, o IBGE divulgou que, pela primeira vez, os negros são maioria entre os estudantes nas universidades. Eu olho com cautela para esses dados. O número de fraudes nas autodeclarações ainda é muito grande. Aliás, quantos docentes negros há na UFRJ?


[1] Alberto Carlos Almeida, A Cabeça do Brasleiro, 8ªEdição, Editora Record, Rio de Janeiro (2015).

Antonio Carlos Fontes dos Santos
Professor Associado e vice-diretor do Instituto de Física

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