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WhatsApp Image 2024 01 11 at 19.38.15 1Foto: Lula Marques/Agência BrasilUm ano depois das cenas de destruição na Praça dos Três Poderes, a sociedade brasileira ainda reflete sobre as causas e as consequências da frustrada tentativa de golpe de Estado que assombrou o país em 8 de janeiro de 2023. O longo processo de identificação, denúncia e julgamento dos responsáveis pelos ataques ao Palácio do Planalto, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal segue restrito aos civis que participaram diretamente das depredações, mantendo ainda impunes os financiadores, os planejadores e os militares. E há em curso em setores da extrema direita um movimento pela anistia aos envolvidos nos atos — um projeto nesse sentido, de autoria do senador Hamilton Mourão (Republicanos-RJ), tramita no Senado.
A punição dos responsáveis foi enfaticamente defendida pelo presidente Lula na segunda-feira (8), no ato “Democracia inabalada”, no Congresso Nacional. “Todos aqueles que financiaram, planejaram e executaram a tentativa de golpe devem ser exemplarmente punidos. Não há perdão para quem atenta contra a democracia, contra seu país e contra seu próprio povo. O perdão soaria como impunidade, e a impunidade como salvo-conduto para novos atos terroristas em nosso país. Salvamos a democracia, mas ela nunca está pronta. Precisa ser cuidada e construída todos os dias”, disse o presidente. WhatsApp Image 2024 01 11 at 19.40.09 1Foto: Antonio Solé
Para a cientista política e professora Mayra Goulart (IFCS-UFRJ), presidenta da AdUFRJ, a fala do presidente Lula reforça a postura que as instituições assumiram logo após os atos do 8 de janeiro. “Elas conseguiram passar o recado de que nessa sociedade há um compromisso com a democracia e com o Estado de Direito. E que tentativas de suprimir o Estado de Direito serão punidas. Isso causou um espanto para os envolvidos no 8 de janeiro porque eles não têm o perfil de quem geralmente sofre com o aparato punitivo do Estado. Eles achavam que aquilo não teria consequências”, avalia Mayra, que defende o avanço nas investigações.

DÚVIDAS
Por outro lado, a ausência ao ato do presidente da Câmara, Arthur Lira, dos governadores e dos políticos de oposição, deixa dúvidas quanto a uma ampla punição dos golpistas. “Fica claro que há uma parcela política importante, incluindo governadores, que não concorda com a ideia de que houve um golpe de Estado que foi derrotado. Só o fato de não reconhecerem a existência clara de um atentado tão brutal contra a democracia mostra que toda a temática que vem se construindo de conciliação, de virar a página, não é real. É importante que continuem as investigações contra os responsáveis, e não só punir a raia miúda que foi às ruas em Brasília depredar tudo, mas também aqueles que, por ações e inações, permitiram aquele atentado”, observa Francisco Carlos Teixeira, professor titular aposentado de História Moderna e Contemporânea da UFRJ e emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme). WhatsApp Image 2024 01 11 at 19.40.08Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Pesquisador na área militar, Francisco Teixeira avalia que alguns comandantes com participação nos atos de 8 de janeiro não foram sequer investigados. Até agora, apenas o coronel da reserva do Exército Adriano Testoni foi condenado a um mês e dezoito dias de detenção, em regime aberto, pelo crime de injúria na Justiça Militar. Ele apareceu em vídeo nas redes sociais xingando comandantes militares durante os ataques na Praça dos Três Poderes. Teixeira cita ao menos três militares de alta patente que seguem sem serem importunados.
“O comandante do Exército à época, general Júlio Cesar de Arruda, impediu a prisão dos golpistas no chamado acampamento patriótico na Praça dos Cristais. O comandante militar do Planalto no dia do ataque, general Gustavo Dutra, tinha todas as informações e não mexeu um dedo para evitar os atos. E o comandante do Batalhão da Guarda Presidencial, coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora, tinha 900 homens à sua disposição e os manteve na garagem do anexo enquanto as portas do Palácio do Planalto eram abertas para a destruição”, enumera o professor. O coronel Fernandes da Hora apareceu em vídeo discutindo com integrantes da Polícia Militar do DF que queriam prender os manifestantes dentro do Palácio do Planalto. Atualmente ele vive na Espanha, onde é instrutor de um curso para oficiais, a serviço do Exército Brasileiro, remunerado em dólar (um padrão para missões no exterior).

GRUPOS EXTREMISTAS
A punição aos responsáveis pelos atos do 8 de janeiro é fundamental, mas não encerra a discussão sobre a proliferação de grupos extremistas no país, alerta Daniel Capecchi Nunes, professor de Direito Constitucional e Administrativo da Faculdade Nacional de Direito. Em sua tese de doutorado — “Promessa constitucional e crise democrática: o populismo autoritário na Constituição de 1988” —, ele abordou aspectos do crescimento desses grupos a partir de insatisfações com a redemocratização do país, em meados da década de 1980.
“A punição aos responsáveis que tenham operado para desestabilizar o Estado Democrático de Direito, fardados ou não, é fundamental para a garantia da democracia, mas ela por si só não é suficiente. Precisamos nos perguntar o que deu errado. Por que um contingente tão grande da sociedade brasileira se engajou numa retórica golpista, com mais de 30 anos de vigência da Constituição de 1988 e da redemocratização do país?”, questiona o professor.
Daniel aponta duas frentes que devem ser levadas em conta no plano nacional para essa reflexão. “A primeira é o grau de concentração de renda e de desigualdade no país. A segunda é o nível de oligarquização do sistema político brasileiro, que é controlado por uma elite que não está voltada ao interesse público nacional e que direciona os recursos do Estado para atender seus interesses particulares. Esse grupo, materializado hoje no Centrão, combateu as reformas progressistas da Constituição de 1988 e hoje se mantém no controle da agenda política e econômica do país. Esses dois elementos ajudam a entender por que tantas pessoas se sentiram frustradas com as promessas da democracia e da Constituição de 1988 e aderiram a um discurso autoritário como o do bolsonarismo”, diz Daniel.
O professor da FND acredita que o aniversário de um ano do golpe frustrado é um bom momento para identificar os grupos extremistas. “Esse movimento populista autoritário é composto por duas camadas. De um lado, um contingente imenso que se frustrou com as promessas da Constituição e da democracia, e de outro um grupo que mobiliza esse contingente. São aqueles que nunca estiveram satisfeitos com a redemocratização e com a Constituição de 1988. Se não pararmos para refletir sobre as condições de reprodução desses grupos extremistas, nós não seremos capazes de dizer que a democracia brasileira está efetivamente garantida. Ela estará permanentemente sob ameaça”.

 

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