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Por Renan Fernandes

 

Felipe da Rocha é o Tio dos Doces, um dos personagens icônicos do Centro de Ciências da Saúde. Ele está ali desde 2005, quando fugiu do desemprego e assumiu a gestão de um pequeno quiosque de guloseimas no Fundão. Naquele momento, Felipe não tinha a dimensão da relação de carinho que construiria com a comunidade acadêmica. Quase duas décadas depois, o Tio dos Doces acumula agradecimentos em TCCs, dissertações e teses e um punhado de convites para defesas e festas de formaturas.

“Saio de casa às cinco da manhã e compro produtos para abastecer a loja. Abro às oito e sou o último a fechar, às 21h. Não deixo ninguém na mão”, conta Felipe, pai de quatro filhos, todos sustentados pelo quiosque, única fonte de renda da família. “Sempre tivemos uma ótima relação com a universidade. Nos ofereceram cursos de gestão de empreendimentos gastronômicos, de manipulação de alimentos. Isso melhorou muito o serviço”, completa.

No começo de fevereiro, o que Felipe chama de “ótima relação” começou a ruir. Na segunda-feira, 2, todos os donos de quiosques do CCS foram convocados para uma reunião com a Decania na qual foram informados de que terão que fechar seus pequenos estabelecimentos.

Por ordem da Controladoria-Geral da União (CGU), do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público Federal (MPF), a universidade terá que substituir as ocupações precárias da unidade por contratos decorrentes de licitação. A medida começa pelo CCS, mas, em breve, alcançará todos as unidades de todos os campi.

A notícia chocou os comerciantes e já resultou em perdas de empregos. Sem garantias sobre o futuro de sua loja, Felipe dispensou a funcionária que o acompanhava há 15 anos para cortar gastos. O comerciante afirma dormir com a ajuda de remédios e ter perdido três quilos desde a reunião no começo de fevereiro.

Os permissionários foram separados em três blocos que serão licitados em etapas sucessivas. O objetivo da divisão é evitar que a comunidade acadêmica fique sem a oferta de serviços considerados fundamentais, como restaurantes e copiadoras. O edital da licitação está em desenvolvimento e a devolução do espaço dos estabelecimentos será solicitada apenas quando o documento estiver pronto para ser publicado.

AUDITORIAS

As ocupações de áreas da UFRJ foram alvo de auditorias e fiscalizações externas da CGU, do TCU e do Ministério Público Federal (MPF). A situação do CCS recebeu atenção especial nos pareceres da CGU e do TCU. Em 2019, um acórdão do Tribunal recomendou a regularização da situação dos ocupantes de bens imóveis da unidade.

A PR-6, responsável na reitoria pela gestão de contratos, criou a Superintendência-Geral de Patrimônio e a Divisão de Gestão de Cessão de Uso em 2018 para atender às demandas dos órgãos de controle. Foi instaurada uma sindicância, os ocupantes foram recadastrados e foram emitidas portarias de permissão de uso precário para formalizar a relação entre os comerciantes e a universidade. O passo seguinte, o processo de licitação, foi postergado pela pandemia e retomado a partir de 2022.

ESTUDANTES

O clima soturno entre os comerciantes após a reunião chamou a atenção da comunidade acadêmica e provocou reação imediata. Integrantes dos centros acadêmicos de cursos do CCS levaram o assunto ao decano Luiz Eurico Nasciutti.

Yuri Ramos, estudante do 11º período de Biomedicina e representante discente do curso, mostrou preocupação com o processo de licitação. “Esses comerciantes estão integrados à comunidade, estão aqui há décadas. Eles são amigos, nos entendem e praticam preços que podemos pagar. A licitação pode trazer grupos interessados apenas no lucro”, pondera Yuri.

SUPERINTENDENTE

Robson Chaves, superintendente-geral de Patrimônio, garantiu que existe o cuidado em manter a prática de preços razoáveis. Chaves também explicou a relação existente entre os comerciantes e a universidade. “Desde que foram emitidas as portarias de permissão de uso, cada permissionário tomou ciência de que a relação pode ser interrompida a qualquer tempo. Essa relação é assim devido à precariedade do instituto da permissão de uso e não porque a UFRJ gostaria que fosse”, explica o superintendente.

ANGÚSTIA

Os comerciantes reclamam do pouco tempo para se preparem para participar do processo licitatório “Convocaram uma reunião na qual não tivemos voz, apenas fomos informados da decisão. As pessoas estão desesperadas”, lamenta Felipe. “Não queremos privilégios, desejamos apenas um tratamento com humanidade, com reconhecimento pelos serviços prestados. Não estamos preparados porque a pandemia nos adoeceu e endividou”, aponta o doceiro.

Tuylla Esperança traz no sobrenome a expectativa por um final feliz nessa história. Em 2019, a fisioterapeuta precisou deixar o trabalho para assumir o comando do quiosque Mate Mania para poupar o pai, doente. “Meu pai abriu esse quiosque em 2002. Trabalhou de segunda a sexta, em pé da manhã até a noite. Isso foi um agravante para o desenvolvimento dessa artrose. Trabalhando aqui ele também pegou Chikungunya e tem sequelas até hoje”, lamenta Esperança. “Daqui tiramos o nosso sustento. E nossos cinco funcionários também. Todos com carteira assinada. Se fecharmos hoje, só aqui serão cinco famílias sem sustento”, afirma a comerciante.

Sobre o futuro, Tuylla tem na fé a esperança de dias melhores. “É orar e confiar que Deus tem algo melhor guardado para a gente, aqui ou em outro lugar”, disse confiante.

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