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WhatsApp Image 2024 03 19 at 07.51.203O ano letivo da UFRJ começou com números preocupantes para a instituição. Levantamento exclusivo do Jornal da AdUFRJ mostra que 43,1% dos aprovados na chamada regular do Sistema de Seleção Unificada (SISU) decidiram não se matricular na universidade. O percentual equivale a 3.983 candidatos admitidos dentro das 9.240 vagas ofertadas para todo o ano de 2024. O levantamento considera todos aqueles que não responderam à pré-matrícula, que é a primeira etapa para se tornar um estudante da maior federal do país.

Os dados foram obtidos a partir do cruzamento do Edital SISU/2024 com o Edital de vagas remanescentes divulgado para a primeira lista de espera do exame. Apenas quatro cursos conseguiram preencher 80% ou mais de sua oferta inicial: Conservação e Restauração, Expressão Gráfica, Letras - Português/Italiano (Bacharelado) e Serviço Social.
A universidade oferece regularmente 149 cursos presenciais, entre bacharelados e licenciaturas, nos turnos integral, vespertino e noturno, em todos os campi do Rio, Caxias e Macaé. Desse total, 55, ou 36,9%, preencheram 50% ou menos das vagas ofertadas na chamada regular. O campeão da desistência na largada é Astronomia, com incríveis 90% de não atendimento à pré-matrícula. Das 30 vagas ofertadas no Observatório do Valongo, apenas três foram preenchidas.

Entre os aprovados em Astronomia que desistiram da UFRJ, está Gabriella Ratund. A jovem de 18 anos, natural de Nova Brasilândia D’Oeste, em Rondônia, precisou abrir mão do sonho de estudar na UFRJ. A estudante buscou informações com os veteranos sobre o curso e o custo de vida no Rio. Logo percebeu que a realidade da família de agricultores não daria conta das demandas. “O preço do aluguel de um quarto, mais o deslocamento e os gastos do dia a dia me assustaram”, lamenta a jovem. A violência da cidade também foi determinante. A jovem mora numa cidade de apenas 15 mil habitantes. “A imagem do Rio de Janeiro é muito violenta na mídia”.

A frustração mexeu com a jovem estudante. “Quando fui aprovada foi uma festa. Até me pintei de caloura. Quando percebi que não iria, preferia nem ter passado”, diz, com voz embargada. O sonho interrompido deu lugar à esperança de uma graduação em outra área, mais perto de casa. Ela foi aprovada para Direito na Universidade Estadual de Rondônia e será a primeira universitária da família. “Meu sonho era realmente Astronomia na UFRJ. Hoje não posso realizar esse sonho. Quem sabe um dia?”, questiona.

É PRECISO INVESTIGARWhatsApp Image 2024 03 19 at 07.51.233
Os dados também mostram quais cursos têm mais desistência de candidatos cotistas e em quais se acentua a renúncia de candidatos da ampla concorrência, em relação aototal de vagas não preenchidas. Hebraico e Japonês figuram no topo da lista dos cursos com mais desistência de cotistas. Todos os aprovados que não realizaram pré-matrícula são oriundos das cotas. Já entre aprovados na ampla concorrência, o padrão indica que eles desistem mais de cursos fora do Rio e de graduações noturnas. Veja ao lado.

A frieza dos números não permite precisar o que determina a desistência de um jovem calouro. Mas há pistas que precisam ser investigadas, como analisa o professor Marcelo de Pádula, ex-pró-reitor de Graduação. “Desde a pandemia a gente percebe uma busca menor no acesso à graduação, isso acontece em todas as universidades públicas. A UFRJ já tinha uma média histórica de 25% de não efetivação de matrícula. Passou a girar em torno de 30% na chamada regular”.

WhatsApp Image 2024 03 19 at 07.51.234A média atual é 13 pontos percentuais superior. “Preocupa a todos nós e interfere na atividade-fim da universidade. São estudantes que obtiveram as maiores notas e não estão vindo para a UFRJ. É preciso saber o motivo”, acredita.

As mudanças no SISU a partir deste ano e os problemas na liberação das listas de aprovados podem ter contribuído para a elevação das desistências. “Listagens erradas podem ter levado os estudantes a fazerem uma opção ‘mais segura’ em relação às incertezas das listas e datas”, avalia. “O SISU do segundo semestre também não existe mais esse ano. Esses, a meu ver, são os fatores novos em relação aos anos anteriores”, aponta.

O depoimento de Fernanda Belgoni Meirelles, que passou em Engenharia de Petróleo na UFRJ, mas preferiu cursar Engenharia Civil na UERJ, corrobora uma das suspeitas do professor Pádula. “Demorei a ter a confirmação de que havia passado na UFRJ e como a questão da matrícula na UERJ se resolveu antes, optei por ela”, diz a estudante.
A UERJ divulgou sua lista de classificação em 11 de janeiro. Na UFRJ, a chamada regular do SISU foi publicada apenas no dia 1º de fevereiro, mas cancelada por erros na convocação de cotistas. A lista foi corrigida e divulgada dois dias depois.

Além do atraso no anúncio dos aprovados, a comodidade no deslocamento pesou na decisão da futura engenheira. “Moro mais perto da UERJ, é muito mais fácil para mim. Não precisar passar pela Linha Vermelha todo os dias influenciou minha escolha”, conclui.

PR-1 ESTUDA DADOS
Superintendente de Acesso e Registro da Pró-reitoria de Graduação, Ricardo Anaya está ciente da menor procura de estudantes na chamada regular do SISU. “Até 2020.1 a abstenção média girava em torno de 25%, que são os candidatos que melhor performaram no vestibular. Durante a pandemia, a gente percebeu um incremento nesse número. Nos gerou um alerta sobretudo em cursos tradicionais, como a Medicina, com abstenção de quase 60%. Foi algo realmente muito preocupante”, conta. O dado foi de 2021, segundo o superintendente. Este ano, Medicina do Rio está com abstenção de 28,5% e Medicina de Macaé, com 30%.

Segundo Anaya, está em andamento um estudo na PR-1 para tentar entender os fatores que influenciam no aumento da desistência da UFRJ. “O grande questionamento é: por que tantos candidatos da chamada regular não estão escolhendo a UFRJ? Será que ele conseguiu uma universidade mais próxima? Passou para um curso que não queria? Ou, pior, será que é uma fuga do ensino superior por questão de renda?”, questiona.

Ele acredita que um dos fatores é a nota de corte, que oscila durante a janela de inscrição. “No último dia, muitos candidatos acabam marcando opções para serem aprovados que se mostram inviáveis”. Outro fator, para o superintendente, é o caráter nacional da seleção. “Candidatos de outros estados têm mais demanda por assistência estudantil e, infelizmente, não há garantias de que a universidade conseguirá fornecer essas condições (de permanência) para todos”, analisa.

Ele aponta, ainda, que percentuais altos em determinadas carreiras podem indicar tendências sobre percepção do mercado de trabalho ou da formação na UFRJ. “Mas tudo isso são impressões. Precisamos nos debruçar com atenção. Conseguindo identificar as causas exatas dessa abstenção, poderemos atuar para tentar minimizar esse problema”.

A vice-reitora Cássia Turci destaca a necessidade de investir mais em assistência estudantil. “É um exame nacional e muitos aprovados são de fora do Rio, que é uma cidade turística, com custo de vida muito elevado”, avalia. Ela concorda, ainda, que a universidade precisa rever suas bases acadêmicas. “A gente precisa repensar nossos cursos de graduação. Além da evasão, a retenção é um problema ainda maior”, afirma. “É muito importante que a gente faça essa discussão na UFRJ. Todos os nossos cursos sofreram uma queda muito grande de inscrições e isso é um alerta para que a gente repense nossos cursos, nossa assistência estudantil e nossas condições de trabalho”.
(Colaborou Renan Fernandes)

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