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WhatsApp Image 2025 05 23 at 19.33.53 1Carlos Frederico Rocha

DIRETOR DO
INSTITUTO DE ECONOMIA
EX-REITOR
DA UFRJ

O recente bloqueio de um terço dos recursos das universidades federais reacendeu um debate urgente, porém frequentemente malconduzido, sobre o financiamento e o funcionamento dessas instituições. Não é à toa que Conselhos Universitários, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) se manifestaram, alertando para o risco real de paralisação das atividades e para o contínuo processo de sucateamento das universidades — pilares do desenvolvimento científico, tecnológico e social do país.
No entanto, o debate público parece ignorar questões fundamentais. É o que ficou evidente no editorial da Folha de S. Paulo, intitulado “Não Há Dinheiro que Baste para as Universidades Públicas”, que, mais uma vez, recorre a argumentos frágeis, como a alegação de que a maior parte do orçamento universitário está comprometida com despesas de pessoal, sugerindo, portanto, que há má gestão, falta de flexibilidade orçamentária e necessidade de fontes alternativas, como a cobrança de mensalidades.

O Mito dos Gastos com Pessoal
Tomemos como exemplo a UFRJ. Seu orçamento anual gira em torno de R$ 4 bilhões, dos quais apenas R$ 400 milhões são discricionários — ou seja, destinados a despesas operacionais como água, luz, segurança, insumos de laboratório e manutenção. A esmagadora maioria, cerca de R$ 3,5 bilhões, destina-se à folha de pagamento. Mas convém lembrar: desse total, quase R$ 1,5 bilhão refere-se a aposentadorias e pensões, um passivo previdenciário que não tem relação direta com as atividades atuais da universidade.
Mais grave do que a má interpretação dos números é o desconhecimento da dinâmica do setor. Ao contrário do que sugere o editorial, a política de pessoal das universidades sofreu alterações constantes, realizadas pelo poder central, sem consulta e sem discussão com os gestores universitários. Nas últimas décadas, diversas funções antes exercidas por servidores públicos — segurança, manutenção, carpintaria, eletricidade, entre outras — foram terceirizadas. Esse enxugamento, no entanto, não veio acompanhado do necessário reforço nos recursos discricionários, que, ao contrário, vêm sofrendo cortes sucessivos.

Mensalidades: Solução ou Equívoco?
Outro ponto recorrente no debate — e igualmente problemático — é a defesa da cobrança de mensalidades como solução para a crise financeira. Trata-se, mais uma vez, de um argumento que ignora a realidade das universidades federais.
Em primeiro lugar, o perfil socioeconômico dos estudantes não corresponde à elite econômica. Uma cobrança ampla penalizaria justamente a classe média em processo de empobrecimento, ou então teria impacto financeiro irrelevante ao atingir uma minoria.
Em segundo lugar, é um equívoco grave tratar o ensino como o único ou principal custo das universidades. Grande parte dos investimentos e dos custos operacionais está vinculada à pesquisa — atividade que, paradoxalmente, é celebrada pela mesma imprensa que critica os gastos universitários.
E há uma barreira fundamental: mesmo quando as universidades geram recursos próprios — por meio de cessão de imóveis, projetos, convênios ou prestação de serviços —, a legislação impõe severos tetos de gasto. Na UFRJ, por exemplo, a receita própria prevista para 2025 não foi totalmente autorizada pela União para ser utilizada no orçamento. Como consequência, não há estímulo à geração de receitas próprias para o uso na manutenção predial ou nos custos básicos de funcionamento.

Crítica Sim, Desinformação Não
As universidades públicas precisam, sim, ser objeto de crítica, de aperfeiçoamento e de autocrítica. O debate sobre sua sustentabilidade financeira é legítimo, urgente e necessário. No entanto, esse debate deve se basear em informações corretas e em compreensão mínima da complexidade que envolve essas instituições.
Apontar soluções simplistas, ignorando as amarras legais e orçamentárias impostas pelo próprio Estado, não apenas é injusto com as universidades, como também não contribui em nada para resolver os desafios que elas enfrentam. O Brasil precisa decidir se deseja, de fato, manter e fortalecer suas universidades públicas como instrumentos de desenvolvimento, inclusão e soberania científica — ou se continuará refém de discursos rasos que apenas agravam a crise.

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