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WhatsApp Image 2025 12 18 at 09.54.49 2Foto: Fernando Souza"Meu pai estava na rede, no jardim de inverno, ouvindo ‘A hora do Brasil’ no rádio portátil, num dia de abril de 1969, e eis que ele ouve a notícia de que ele e minha mãe tinham sido aposentados da UFRJ pelo AI-5”, escreveu a professora Angela Leite Lopes, da Escola de Belas Artes, no livro “A vida em outro lugar: crônica do exílio”.
Na obra, recém-lançada pela Editora UFRJ, Angela relata como foi acompanhar o pai, o físico José Leite Lopes, e a mãe, a matemática Maria Laura Lopes ao exterior, fugindo dos horrores do autoritarismo.
“Uma coisa é a notícia do cientista, do militante, do guerrilheiro, mas o que acontece com aquela família? Tem esse outro lado que acaba criando uma visão diferenciada da notícia do jornal e do arquivo”, afirmou Angela durante o lançamento do livro, na Casa da Ciência, no último dia 4.
São os livros lidos, os filmes vistos, os amigos com quem brincou que integram a narrativa. É a descrição do dia na escola em solo estrangeiro e a troca de cartas com os familiares que ficaram no Brasil ou com o próprio pai, quando estavam em países diferentes. “Procurei me ater ao exílio visto pela criança”, completou a autora.
O livro conta a história de dois exílios: o primeiro, a partir de 1964, quando o golpe militar é deflagrado. Angela tinha apenas seis anos. José Leite Lopes aceitou um convite para lecionar na Faculdade de Ciências de Orsay, em Paris. Mas a jornada é precedida de um susto: quando foi ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) para tirar o passaporte, acharam que estava tentando fugir do país e o prenderam.
Não ficou nem uma noite inteira na cadeia. Foi solto graças à intervenção de um general, também professor do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que Leite Lopes ajudou a fundar). O físico conseguiu viajar meses depois para a França e só retornou ao Brasil em 1967, quando reassumiu suas funções na universidade e no próprio CBPF.
O trecho do livro falando da “Hora do Brasil” marca o início do segundo exílio, bem mais difícil, para os Estados Unidos. “As passagens foram compradas em nome do adido científico (do consulado americano) e ele ainda aconselhou meu pai a não contar para ninguém que estava indo embora”, diz outra passagem da publicação.
Com a experiência de ter acompanhado as dificuldades dos pais em tempos tão duros, Angela explicou que a defesa da democracia nos dias atuais foi uma das principais razões para escrever as memórias de sessenta anos atrás (veja mais na entrevista abaixo). “Importante falar sobre isso para que vejam que não são, assim, terroristas ou não sei o quê. São pessoas, né? Com suas famílias, com seus afetos. Esse livro também é por conta disso”.

LEMBRAR PARA NÃO ESQUECER
Uma das pessoas que estimularam Angela a escrever o livro foi Eurídice Figueiredo, sua professora em 1976, na Aliança Francesa, e hoje integrante do Programa de Pós-Graduação em Letras - Estudos de Literatura, da Universidade Federal Fluminense.
“Dei muita força para Angela, porque esses depoimentos são importantes para as pessoas saberem como a ditadura afeta as famílias, como afeta todo mundo”, disse Eurídice, durante o lançamento da obra.
A professora, que publicou o livro “Mulheres contra a Ditadura — escrever é (também) uma forma de resistência”, em 2024, destaca que obras como essa seguem bastante atuais: “É importante que isso seja divulgado, porque a gente viu aqui uma tentativa de golpe (em 2023). Eles estão por aí”, completou.
Diretor da Editora UFRJ, o professor Marcelo Jacques também celebrou o lançamento. “Foi um livro que a editora abraçou. As pessoas fizeram tudo com muito carinho, com muito amor. Também é um pouco da história da UFRJ que é contada aqui”, disse.

ENTREVISTA I ANGELA LEITE LOPES, Professora Titular da Escola de Belas Artes

Jornal da AdUFRJ - Qual a motivação da senhora para escrever este livro?
Angela Leite Lopes
- Durante a eleição da Dilma e do Aécio Neves, que foi muito acirrada, minha filha me perguntou: ‘Mamãe, se o Aécio ganhar, vamos morar na França?’. Bateu fundo, assim, a coisa do exílio. Aquilo já ficou na minha cabeça. Depois, houve o impeachment da Dilma e, em 2018, surgiu um convite para discutir como os físicos foram atingidos durante a ditadura, no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas). Isso me deu um estalo. Percebi que tinha algo para contar, que aquelas memórias de criança tinham a ver para a vida adulta do país hoje. Foi um trabalho que durou de 2019 até 2022. Entreguei o livro para a editora em 2023.

Aqui na apresentação do livro, a senhora fez algumas menções ao filme “Ainda estou aqui”. Quais as semelhanças entre a história de sua família e a de Eunice Paiva?
A grande semelhança é a angústia dessa época. Mas algumas cenas me tocaram muito. No filme, logo quando os policiais acampam na casa dos Paiva, a Eunice pergunta se eles queriam comer algo. Tem um episódio parecido que conto no livro em 1968 ou 1969, quando fizeram uma batida lá em casa. Os policiais pediram que eu, criança ainda, saísse. Minha mãe saiu comigo. Quando a gente voltou, minha avó estava tomando um cafezinho com os dois oficiais que estavam lá. Quer dizer, existe uma civilidade que nós temos que contrasta com a truculência deles.

A senhora encerra o livro expressando alívio com a eleição de Lula, em 2022. Mas a senhora está preocupada com as eleições do ano que vem?
Sim, mas como a Dilma diz, a gente luta todo dia pela democracia. A prisão dos militares agora foi um grande alento. Importantíssimo.

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