CULTURA Os saberes dos povos originários ganham espaço na COP 30: valorização das soluções da natureza no combate ao aquecimento - Foto: Bruno Peres/Agência BrasilUma boa dose de ceticismo e um grande desejo de mudança pairam sobre a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que começou no dia 10 e vai até 21 de novembro, em Belém. Se de um lado há desconfiança quanto ao cumprimento de metas de adaptação dos países aos efeitos do aquecimento global — os Estados Unidos, por exemplo, nem mandaram delegação a Belém —, por outro, há a expectativa de que o encontro avance em áreas como financiamento climático e transição energética.
A UFRJ tem intensa participação na conferência. No dia 11, pesquisadores da Coppe conduziram o seminário “Planejamento da Transição Energética Brasileira”, onde foi debatida a articulação de um fórum entre a academia, o setor produtivo e o governo para assegurar o acesso à energia segura, contínua e a custos competitivos.
Diretora da Coppe, a professora Suzana Kahn sustenta que a UFRJ tem grande contribuição a dar para mitigar as mudanças climáticas. “A Coppe já tem décadas de tradição em pesquisa e desenvolvimento na área de energia e tem sido muito demandada na migração para alternativas com menor pegada de carbono. São inúmeras as pesquisas em CCUS (carbon capture, use and storage), assim como em bioenergia, não só da Coppe, mas também de outras unidades da UFRJ”, diz ela.
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA
Suzana ressalta que, apesar de a maior parte das emissões de gases de efeito estufa ser proveniente de mudança de uso do solo, há uma tendência de participação crescente das emissões do setor de energia. “As soluções de descarbonização a que a Coppe tem se dedicado não se limitam a uma geração de energia de baixo carbono, mas também a toda a cadeia energética desde a fonte primária de energia até o uso final”, diz ela.
A diretora da Coppe avalia que a COP 30 pode registrar avanços para além dos acordos: “Acho que se coloca uma expectativa muito elevada nas COPs, o que gera frustrações. O poder da COP é limitado, pois tomar decisões onde é obrigatório haver consenso entre mais de 100 países com interesses absolutamente divergentes não é algo trivial. O que é importante são as direções dadas na COP, que funciona mais como condutor de mudanças, ainda que a velocidade das ações seja aquém do desejável”.
Também professora da Coppe, Andrea Santos segue a linha de otimismo. “A gente precisa nessa COP ter avanços na agenda do financiamento, precisamos de recursos para a redução de gases do efeito estufa, para a transição energética. Vale destacar a importância de ter uma COP na Amazônia, traz visibilidade para a floresta, para sua preservação e restauração. E impulsiona discussões sobre desenvolvimento sustentável. Belém é uma cidade com IDH baixo, com problemas sociais e ambientais, trazer isso ao debate é muito bom, assim como a contribuição dos povos originários e o papel vital da floresta amazônica no equilíbrio climático”, diz Andrea.
FINANCIAMENTO
Coordenador do Centro Clima da Coppe (Centro de Estudo Integrado Sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas), o professor Emilio La Rovere observa que o tema do financiamento é central para a COP 30. “O Centro Clima fez uma submissão à COP 30 para a transferência de capital do Hemisfério Norte para o Sul Global. É financiamento para estrutura de baixo carbono, como transporte hidroviário, ferrovias, saneamento básico. São investimentos para a melhoria da qualidade de vida de nossa população”, diz o professor.
La Rovere foi signatário de uma carta endossada por mais de 250 entidades e especialistas ligados ao clima denunciando a influência de lobistas dos combustíveis fósseis nas negociações, o que tem prejudicado o avanço na redução de emissões. A carta registra que 2024 foi o ano mais quente da história, no qual o planeta ultrapassou o limite de 1,5°C de aquecimento global pela primeira vez.
“A carta tem um efeito muito mais simbólico do que prático. A comunidade científica não pode deixar passar em branco uma interferência que nos parece indevida dos lobistas da indústria de combustíveis fósseis. A atuação desse lobby é muito conhecida no Brasil. Temos visto isso em nosso Congresso com o lobby dos proprietários de termelétricas a carvão com interesse de expandir seus negócios com o gás natural. E isso sem qualquer base técnica, com efeitos poluentes danosos, e a custos mais elevados no fornecimento de energia”, alerta o professor.
CRÍTICAS
Apesar de considerar que países como a Arábia Saudita têm interesse em adiar todas as metas para o fim do uso dos combustíveis fósseis, La Rovere acha que o início da COP 30 foi auspicioso. “Viemos de várias COPs sediadas em países produtores e exportadores de petróleo, como Azerbaijão, Egito e Emirados Árabes Unidos. O Brasil também é também produtor de petróleo, mas já tem uma matriz energética mais equilibrada. Hoje, 50% da energia consumida no Brasil vêm de fontes renováveis. Para o Brasil, é importante termos marcos intermediários até zerar o uso dos combustíveis fósseis, se possível até 2050”.
Professor titular do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem/UFRJ), do qual foi fundador, e coordenador-geral da Política de Sustentabilidade e Educação Regenerativa da UFRJ (SER/UFRJ), Francisco Esteves é crítico quanto ao cumprimento dos acordos firmados nos encontros globais do clima. “A COP 30 é um grande momento para a discussão da questão ambiental e para firmar acordos. Contudo, os acordos não são cumpridos. Se você analisar a emissão de gases ao longo das COPs vai ver que há um aumento crescente, exponencial. E mostrando que acordos, como o histórico de Paris em 2015, quando foram criados os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), não redundaram em nada”, avalia Esteves. “Cada vez mais a crise climática aumenta e os desastres continuam mais presentes e extremos”, completa.
Titular da cadeira de Ecologia do Instituto de Biologia, Fabio Scarano entende as críticas, mas acredita que a COP 30 pode deixar legados importantes. “As COPs são processos contínuos. Ainda que as metas nem sempre se cumpram, acho que elas formam opinião, aumentam a consciência das pessoas acerca dos riscos do aquecimento global”, diz Scarano. Ele também pontua a valorização dos saberes ancestrais na COP 30. “É preciso chamar a atenção para a importância da cultura no combate às mudanças climáticas. Há uma gigantesca lacuna nesse campo, isso não aparece nos acordos do clima, mas é fundamental”.





