Foto: Edson Farias MelloRenan Fernandes
Apenas três dos 74 trabalhos de campo previstos pelo Instituto de Geociências foram realizados no primeiro semestre de 2024. O baixíssimo número de saídas está atrasando a formação dos alunos dos cursos da unidade e é resultado de uma frota de veículos envelhecida.
A UFRJ tem dez ônibus em sua frota oficial. Os dois modelos mais novos são 2010/2011. O mais antigo, modelo 2005. O cenário das vans é parecido. São 22 veículos fabricados entre 2005 e 2011, o que ameaça a segurança de professores, técnicos e estudantes e compromete o cumprimento de disciplinas obrigatórias do currículo.
A situação chegou ao limite no dia úlitmo dia 15. Em reunião da Congregação, o IGEO resolveu não iniciar as aulas no segundo semestre, caso o problema não seja solucionado. Mesma decisão já havia sido tomada isoladamente pela Geologia.
“Os alunos estão desmotivados. Os professores estão desmotivados. Fica impossível manter o curso desse jeito”, lamentou o professor Claudio Limeira, do departamento de Geologia. Com 29 anos de docência na universidade e vasta experiência na logística de trabalhos de campo, Limeira diz nunca ter passado por situação semelhante.
“Nossa frota é antiga, não serve mais para trabalhos de campo que precisam acessar estradas não asfaltadas”, disse o prefeito universitário Marcos Maldonado.
Não há dinheiro para comprar carros novos nem para a manutenção dos antigos. Maldonado afirmou que, das 200 viaturas de toda a frota da UFRJ — aí incluídos caminhões e carros menores: de passeio, ambulâncias, entre outros —, 70 estão paradas por falta de recursos para o conserto. “A prefeitura trabalha com o orçamento que é liberado. Quando tem recurso para fazer a manutenção, a gente faz”, disse, resignado.
O prefeito apontou o aumento no número de trabalhos de campo pós-pandemia como um fator que ampliou os problemas mecânicos. “Muitos trabalhos ficaram represados da época da pandemia. Isso gerou muita demanda para pouca viatura”.
O professor Edson Farias Mello, diretor do IGEO, não vê solução que não passe pela compra de novas viaturas. “Todos os nossos veículos já cruzaram a linha da vida útil. Você pode fazer manutenção em um veículo velho, mas ele continua velho. Chegamos ao limite de uma frota muito antiga, muito rodada e que precisa de renovação”, alertou.
EXIGÊNCIA CURRICULAR
A demanda por novos veículos não é uma questão de luxo para os geólogos. As diretrizes curriculares nacionais do Ministério da Educação determinam que os cursos de graduação em Geologia tenham ao menos 20% da carga horária cumprida em atividades do campo. Na UFRJ, 25% do curso acontece fora da sala de aula.
“O Brasil é muito diverso. Não temos no Rio de Janeiro rochas sedimentares como as da Bacia do Paraná, então precisamos ir lá. Como temos que ir no Araripe, no Ceará. Temos que ir na região do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais. São áreas de geologia específicas e fundamentais para formar um geólogo”, afirmou o professor Claudio Limeira.
O docente apontou o foco no conhecimento prático como um diferencial para o geólogo formado na UFRJ. “Nosso curso sempre se destacou por uma ênfase muito grande em trabalho de campo. A forma como a teoria vista em sala de aula é aplicada no trabalho de campo muda completamente a forma como os alunos encaram o curso”, explicou.
Sem a realização das atividades de campo previstas no currículo, acontece o represamento de estudantes que não conseguem concluir a graduação. “Temos disciplinas inteiras que são só de campo. Geologia de campo IV é o último estágio de campo que os alunos precisam fazer para concluir o curso. Ela não está sendo ofertada, então não tem formatura no curso”, contou o professor Patrick Führ Dal’ Bó, chefe do departamento de Geologia. “Hoje, temos uma turma inteira, cerca de 30 alunos, que não conseguiremos formar”, completou.
A UFRJ possui um contrato de aluguel de veículos que não atende às necessidades do IGEO. O contrato supre apenas viagens dentro do estado do Rio de Janeiro e não prevê pernoites para os motoristas. Para resolver emergencialmente a questão, o instituto quer a locação de três vans e três ônibus que consigam sair do estado. Estudo técnico preliminar desenvolvido por professores do instituto orçou em R$ 850 mil o aluguel para cobrir as demandas de um semestre de disciplinas obrigatórias, eletivas, ações de extensão, iniciação científica e pesquisas de pós-graduação. Seriam percorridos 77.340 quilômetros, no total.
PROFESSORES TEMEM RISCO DE ACIDENTE GRAVE
O professor Marco Antonio Braga, responsável pela política de saúde e segurança em campo do departamento, fez um orçamento para a compra de novos veículos, em 2018. “O risco principal de acidentes com geólogos em atividades de campo é durante o trajeto. Por isso, a nossa preocupação”.
Com base na Pirâmide de Bird, ferramenta utilizada no campo da segurança do trabalho que propõe uma lógica constante e gradual entre pequenos incidentes e acidentes fatais, o docente traçou um cenário de risco. “A base da nossa pirâmide está mais que completa de relatos de quase acidentes. Nossa base já está formada para acontecer um acidente mais grave”, disse Braga. “Ano passado, tivemos um ônibus descendo a Serra das Araras com problemas no motor e no freio”, contou.
Outros cursos que fazem trabalhos de campo fora da universidade também compartilham da mesma insatisfação. O professor Fábio Hepp, responsável por organizar as saídas no Instituto de Biologia, acompanha com interesse a reivindicação do IGEO. “Até fizemos alguns trabalhos de campo nesse semestre, mas todos aos trancos e barrancos”, contou.
REITORIA PREPARA LICITAÇÃO DE TRAJETOS INTERESTADUAIS
Questionadas sobre os problemas dos trabalhos de campo, as pró-reitorias de Graduação (PR-1) e Governança (PR-6) responderam com uma nota conjunta. “Este assunto foi debatido em diversas reuniões com a PR-1, PR-3 (Finanças), PR6 e a Prefeitura Universitária (PU), que reiteraram a importância da graduação e consideram que as atividades acadêmicas de graduação devem ser garantidas, mesmo com os recursos escassos do orçamento”, diz a nota. Sobre o represamento de alunos no curso de Geologia, a PR-1 garantiu que vai oferecer todo o suporte necessário para os estudantes não serem prejudicados. A PR-6 afirmou, ainda, estar preparando licitação de transporte dos trajetos interestaduais para os próximos períodos acadêmicos.