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WhatsApp Image 2025 07 25 at 16.01.19 14Foto: Isabela AmaralAlgumas coincidências históricas podem explicar as motivações que levaram Daniel Capecchi, professor de Direito Constitucional e Administrativo da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ), a investigar as relações entre a Constituição de 1988 e a ascensão do bolsonarismo. No dia em que ele passou em seu primeiro concurso público como professor universitário, para a Federal de Juiz de Fora, a presidenta Dilma Rousseff foi afastada da Presidência da República. E em 2018, quando ele ingressou na UFRJ, o Brasil elegeu Jair Bolsonaro como presidente.
“Minha história como professor de Direito Constitucional, um ramo do Direito muito ligado à Política, está conectada com essas transições. Eu queria analisar esse momento que vivi como sujeito a partir da perspectiva acadêmica”, diz Daniel, que relatou os resultados desse longo trabalho — foram quase seis anos de pesquisa — em sua tese de doutorado, aprovada com louvor, e que agora chega ao público nas 422 páginas do livro “Promessa Constitucional e Crise Democrática: o populismo autoritário e a Constituição de 1988” (Editora Lúmen Juris), a ser lançado no próximo dia 21 de agosto.
A obra parte de um questionamento básico: como uma Constituição celebrada por seu caráter democrático e por ampliar direitos — foi batizada como “Constituição Cidadã” — permitiu a ascensão do autoritarismo? E mergulha nas contradições que desembocaram no bolsonarismo: de um lado, as promessas de igualdade e liberdade, previstas na Carta de 1988; de outro, o caráter oligárquico e refratário a mudanças de nossas instituições. “Meu trabalho foi tentar entender como a Constituição de 1988, um dos momentos mais bonitos da história brasileira, com intensa participação popular, acabou não impedindo, e até fomentando, o surgimento do bolsonarismo”, conta o professor.

PROMESSAS E FRUSTRAÇÕES
Chefe do Departamento de Direito do Estado e coordenador do Laboratório de Estudos em Direito, Tecnologia e Inovação (LEDTI) da FND, Daniel Capecchi iniciou suas investigações a partir de uma insatisfação com as narrativas sobre o surgimento do bolsonarismo. “Essas narrativas, seja na Ciência Política, seja no Direito Constitucional, não conseguiam explicar o bolsonarismo como um fenômeno que surgiu dentro das contradições da democracia brasileira, sobretudo a partir da Constituição de 1988. O meu grande desafio foi tentar entender o bolsonarismo por meio de uma lente constitucional”, lembra ele.
Em sua tese de doutorado, que deu origem ao livro, Daniel já descrevia que a principal agenda do bolsonarismo era reduzir o que o movimento convencionou chamar de “povo brasileiro”. “Uma identidade restrita, excluindo grupos como negros, indígenas, mulheres e minorias sexuais, além de promover uma destruição da democracia como um regime de alternância de poder”, identifica o autor.
Segundo Daniel, o bolsonarismo se alimentou das frustrações com a Constituição de 1988. “Embora a Carta prometa um futuro de igualdade e liberdade, as instituições formadas por essa mesma Constituição foram progressivamente se distanciando dessa promessa, se tornando mais oligárquicas e ensimesmadas. E o grau de desigualdade social e concentração de renda do Brasil, que permaneceu quase inalterado, reforçou um sentimento de frustração. É nesse contexto que o bolsonarismo encontra um campo fértil para florescer”, sustenta o professor.
A chegada de Bolsonaro ao poder, em 2018, é o ápice dessa conjunção de contradições: “De um lado, o bolsonarismo é liderado por grupos que ficaram insatisfeitos com aquilo que a Constituição entregou, com as promessas que foram cumpridas, como maior igualdade de gênero e racial, algum grau de proteção econômica aos mais pobres, mais serviços públicos, como o SUS. E esses grupos mobilizaram uma grande parcela da população que estava frustrada com aquilo que a Constituição não entregou, com as promessas não cumpridas. A superposição desses dois grupos foi o que permitiu a ascensão de Bolsonaro ao poder”.

RISCOS À DEMOCRACIA
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, acompanha o trabalho de Daniel desde a defesa da tese de doutorado do autor — era um dos integrantes da banca. “Daniel Capecchi é uma mente brilhante de sua geração, e este livro demonstra seu compromisso com o aprofundamento do debate constitucional e a defesa dos valores democráticos”, elogia o ministro. Barroso destaca que o livro “é leitura obrigatória para aqueles que se preocupam com o destino de nossa democracia e com a perenidade dos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição”.
Orientador da tese de doutorado que deu origem ao livro, o professor Rodrigo Brandão, da Uerj, também não poupa elogios ao autor. “Não há maior felicidade a um professor do que testemunhar o brilhantismo dos seus alunos, e ter acompanhado a trajetória de Daniel Capecchi desde a graduação foi uma honra e um privilégio, daqueles que dão completo sentido à escolha da atividade docente como profissão de fé”, diz Rodrigo. Para ele, o livro impõe uma reflexão: “A Carta de 1988 não conseguiu alterar estruturas de poder oligárquicas e excludentes. Concorde-se ou não com as ideias centrais do livro, não há como deixar de se reconhecer a sua enorme contribuição ao debate travado sobre a crise do constitucionalismo democrático no Brasil”.
Ao falar no livro sobre acontecimentos como os protestos de junho de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff, o governo Bolsonaro e a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, Daniel revisita a sua própria história. “Sou da geração que viveu o junho de 2013, eu estava na faculdade, fui às ruas. Na universidade, nós vimos muito fortemente a pressão do governo Bolsonaro, o risco de perseguição, o temor de ter nossa autonomia desrespeitada, nosso orçamento dilapidado, o descaso com a Educação, o antagonismo com a Ciência. Acho que a vocação histórica das pessoas da minha geração é refletir e escrever sobre isso”.
O professor conclui com um alerta. “O descompasso entre as promessas da Constituição de 1988 e a realidade de uma sociedade desigual e oligárquica gerou descrença, cinismo e frustração. Nesse clima, o bolsonarismo chegou ao poder. Será que sua derrota eleitoral terá sido suficiente para superarmos as ameaças à democracia ou o clima global de autocratização é uma lembrança dos perigos no horizonte?”.

LANÇAMENTO
Travessa do Centro
21 de agosto, 17h.
Avenida Graça Aranha, 296

WhatsApp Image 2025 07 25 at 16.01.19 15Renan Fernandes

"Alguém certamente havia caluniado Josef K., pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum”. As primeiras linhas de “O Processo”, de Franz Kafka, apresentam o prelúdio de uma narrativa marcada pelo absurdo. O livro, que completa 100 anos da primeira publicação em 2025, arrasta o leitor para o cenário desconfortável da angústia e incerteza do protagonista, acusado de um crime que não sabe qual.
Apesar de saber quem é seu acusador, o professor Leonardo Fuks, da Escola de Música da UFRJ, se vê em uma situação kafkiana. “Estou sendo processado por cumprir meu dever como servidor público, ao comunicar fortes indícios de irregularidades em um livro de minha área”, revelou o docente.
O músico e engenheiro foi condenado em segunda instância, no Tribunal de Justiça de São Paulo, a pagar mais de R$ 60 mil por danos morais ao professor titular Florivaldo Menezes Filho, da Unesp, em um processo que instituições de acústica consideram conter inúmeras irregularidades. O docente alega já ter desembolsado mais de R$ 65 mil em honorários e gastos judiciais.
A defesa, que teve negado o pedido de mudança de competência da comarca de São Paulo para o Rio de Janeiro, alega inexistência de dano moral frente ao exercício regular de um direito e contesta a falta de apreciação dos pareceres técnicos de oito especialistas nas decisões judiciais. Agora, o docente luta para que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceite o seu recurso especial. O processo, de livre acesso na justiça de São Paulo, já conta com mais de mil páginas. As informações desta reportagem foram obtidas diretamente no processo.
O caso teve origem em 2004, quando Fuks foi convidado pela FAPESP a resenhar o livro “A Acústica Musical em Palavras e Sons”, de Florivaldo Menezes, livro financiado pela própria Fundação. Especialista em acústica, o docente identificou similaridades gritantes entre a obra do pesquisador brasileiro e o livro de referência “The Musician’s Guide to Acoustics”, dos autores britânicos Murray Campbell e Clive Greated.
A análise de Fuks identificou o uso de cerca de 80 imagens do livro original na obra de Menezes sem autorizações prévias e sem o devido crédito. Além destas imagens, outras 20 figuras, de dois outros livros clássicos –“Musical Acoustics”, de Donald Hall e “The Physics and Psychophysics of Music, de Juan Roederer – também foram usadas sem comprovadas autorizações.
O professor também apontou cerca de 70 parágrafos ou frases consideradas traduções diretas ou transcrições semelhantes de explicações e exemplos encontrados no livro dos autores britânicos.
O editor-chefe da Revista Pesquisa FAPESP, Neldson Marcolin, comunicou a Fuks que o livro seria retirado do mercado mediante acordo entre a Editora Ateliê e a diretoria científica da FAPESP em decorrência das graves observações feitas na resenha. Também acrescentou que se Florivaldo Menezes fizesse outra edição, corrigida quanto aos aspectos apontados, o professor Fuks seria convidado para fazer nova resenha.
A Editora Ateliê fez um acordo com a Oxford University Press (OUP), editora responsável pelo livro britânico, para o uso de 60 imagens retiradas da obra original, mediante o pagamento de 1.200 libras esterlinas, pois as outras 20 imagens pertenciam a outros autores. E estas autorizações só se aplicavam à primeira edição a ser corrigida, em 2004, conforme a própria OUP informou.
Em 2012 Fuks foi convidado a compor a equipe de assessores científicos da FAPESP, na área de acústica musical, e atuou na função de consultor e parecerista de projetos por 12 anos.
Em 2017, o docente tomou conhecimento da publicação de uma segunda edição do livro, publicada em 2014. Fuks identificou que a nova edição era praticamente idêntica à primeira e encaminhou uma comunicação sigilosa de indícios de fraude e plágio ao Programa de Boas Práticas da FAPESP. A comunicação gerou um parecer interno, anônimo, da Fundação que apontou indícios de fraude.
A denúncia provocou uma sindicância na Unesp contra Menezes, conduzida por três colegas de departamento, que concluiu pela inexistência de fraude e, portanto, pela inocência do músico. A defesa de Fuks contesta o resultado da sindicância que usou diretamente trechos das respostas de Florivaldo no relatório final. Em 2021, Menezes entrou com o processo por danos morais contra o professor Leonardo Fuks.

PARECERES
A familiaridade com a obra de Campbell é também fruto da ligação acadêmica entre Fuks e o físico escocês. O professor escocês foi o membro principal da banca de doutorado do professor da UFRJ no Royal Institute of Technology de Estocolmo, em 1999. O docente da Universidade de Edimburgo foi um dos oito pareceristas que confirmaram indícios de plágio no livro de Menezes.
“Agradeço ao professor por chamar minha atenção em 2004 para um livro didático em português que parecia reproduzir sem reconhecimento partes importantes do livro escrito por mim e meu colega”, diz o parecer do pesquisador anexado ao processo.
O alegado uso de paráfrases por Menezes para discutir temas semelhantes aos abordados por Campbell e Greated foi analisado minuciosamente por especialistas. O professor Ricardo Musafir, chefe do Setor de Acústica, Vibrações e Dinâmica do Programa de Engenharia Mecânica da Coppe, fez uma análise minuciosa dos trechos destacados por Fuks na denúncia. “O material novo introduzido por Florivaldo Menezes nos parágrafos examinados não chega a 25% do texto”, destacou Musafir em seu parecer. “Esse tipo de ‘tradução comentada’ configura, no mínimo, uma má prática acadêmica, porque os comentários inseridos não mudam o fato de que o texto base é de Campbell e Greated”, concluiu.
O professor Roberto Tenenbaum, da UFSM, autor de livros sobre acústica, mecânica e processamento de sinais, com projeção internacional na área editorial, destacou a importância da produção de livros em português sobre o assunto, mas lamentou a oportunidade perdida por Menezes. “Ao avançar na leitura do texto do livro em português, o que se verificou é que estaria mais próximo de uma tradução do original do que propriamente uma nova obra”, afirmou. “Seria mais prudente e intelectualmente honroso se o autor tivesse realizado simplesmente a tradução do texto original dos professores Campbell e Greated”, concluiu.
Sérgio Freire Garcia, professor de sonologia da Escola de Música da UFMG, chegou à conclusão semelhante em seu parecer. “Um exame, mesmo pouco aprofundado, revela um grande número de exemplos com notável similaridade de escrita. Não é possível atribuir tal fato à mera coincidência”, apontou.
Garcia ainda destacou algumas diretrizes da Comissão de Integridade na Atividade de Pesquisa do CNPq. “Toda citação in verbis de outro autor deve ser colocada entre aspas. Quando se resume um texto alheio, o autor deve procurar reproduzir o significado exato das ideias ou fatos apresentados pelo autor original, que deve ser citado. O autor deve dar crédito também aos autores que primeiro relataram a observação ou ideia que está sendo apresentada”
Em 2023, um parecer da Comissão de Ética da UFRJ tratou da obrigação de denunciar atos ilícitos e das salvaguardas ao denunciante. “Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior [...] para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento”, diz o parecer da comissão presidida pela professora Bianca Graziela da Silva, da Faculdade de Letras, com base na Lei 8.112/90.
“Assim, entende-se que o servidor público desempenha um papel crucial na sociedade e precisa agir em conformidade com as obrigações morais e éticas sempre que puder perceber a possibilidade de detectar qualquer irregularidade. Seu compromisso transcende a mera execução de tarefas profissionais, estendendo-se ao compromisso intrínseco de salvaguardar os princípios fundamentais que regem a administração pública”, define o parecer.

REPERCUSSÃO
O processo provocou a mobilização de entidades nacionais e internacionais. A Sociedade Francesa de Acústica (SFA), uma das principais organizações do mundo na área, emitiu documento assinado pelo presidente Jean-Dominique Polack, professor de Acústica da Universidade Sorbonne. “A SFA espera que a Justiça brasileira reconheça as fortes semelhanças entre as duas obras e que, portanto, as declarações do Prof. Leonardo Fuks não sejam difamatórias”, diz a nota.
Em 2024, a Sociedade Brasileira de Acústica (Sobrac) já havia saído em defesa da ética e do parecer de Fuks. “A Sobrac aguarda um julgamento justo, uma vez que o processo contém decisões sobre a inexistência de indícios de fraude, proferidas sem a realização de uma perícia técnica oficial, contrastando com a opinião de reconhecidos especialistas em acústica”.

OUTRO LADO
O professor Florivaldo Menezes Filho respondeu ao contato da reportagem por meio do advogado que o representa no processo. Menezes alega que a inexistência de plágio em sua obra está respaldada pela gerente do setor de direitos autorais da Oxford University Press, editora do livro original britânico.
A carta-resposta destaca trecho da decisão em primeira instância do juiz Danilo Fadel de Castro: “Não se compreende que tenham acorrido aborrecimentos, mas verdadeiros transtornos, que turbaram a paz e a dignidade do autor”, diz a sentença.
Em segunda instância, Florivaldo Menezes apontou a decisão unânime dos três desembargadores. “Evidentes os transtornos e dissabores causados ao autor, que teve sua idoneidade questionada”, revela trecho do acórdão judicial.

Artigo

WhatsApp Image 2025 07 25 at 16.01.19 16Foto: Fernando KozuLEONARDO FUKS, PhD
Escola de Música
da UFRJ

Ética numa hora dessas?

Este é um relato da história de vida do autor, com fatos notórios e documentados. O processo mencionado é público, o que permite sua divulgação, sem incorrer em crime ou ilícito

A inteligência humana está sendo hoje confrontada com poderosas máquinas de “pesquisa”, cópia e reedição; um texto original pode ser baixado em segundos e, com um toque de tecla, parafraseado, isto é, reescrito com palavras totalmente diferentes. Ainda assim, é obrigatório que cada ideia e conceituação do autor original sejam devidamente creditadas.
Apesar das transformações nas bases tecnológicas da busca e manejo da produção intelectual, precisamos ensinar e demonstrar a nossos estudantes que os princípios éticos e legais permanecem. E não apenas aos estudantes.
Voltemos a 1999, quando uma recente dissertação de mestrado em música continha 46 páginas idênticas às minhas, defendidas em 1993 na COPPE-UFRJ. Apesar da fraude evidente, foram necessários mais de quatro anos para que a dissertação e o correspondente diploma fossem anulados. Reportagens na imprensa expunham repetidamente meu nome, como se fosse um problema pessoal, e não da comunidade acadêmica como um todo. Em entrevista à GloboNews, o então reitor da universidade envolvida, um professor de ética, afirmou: “Os critérios para aprovação de uma tese são muito rígidos e, por isso, o plágio é raro”; “Nenhum ser humano racional tentaria uma ação que, no caso da ciência, nunca teve resultado positivo.”
Tal demora de quatro anos, embora com decisão acertada, indicou que a academia não parecia suficientemente preparada para lidar, de forma expressa e resoluta, com questões de fraude acadêmica.
Em 2004, fui contratado por uma entidade de fomento à pesquisa para resenhar em sua revista um livro recém-lançado, em minha área de atuação. Ao analisá-lo, percebi que sua estrutura era praticamente idêntica à de um livro clássico estrangeiro: encontrei cerca de 70 passagens com traduções muito próximas do livro original, sem a devida citação. Sabemos que paráfrases não acompanhadas por referências caracterizam plágio. O livro também continha cerca de cem (100) figuras sem aparente autorização prévia, sendo 80 do mesmo livro, e 20 de dois outros livros. No Brasil, estas possíveis fraudes contrariam a Lei do Direito Autoral (Lei 9.610) e configuram crime (Artigo 184 do Código Penal), além de destruir a reputação de quem as cometa.
Anos depois, em 2017, já como assessor científico da mesma entidade de fomento, deparei-me com a segunda edição do livro, que aparentemente mantinha os mesmos problemas de 2004. Considerei realizar uma comunicação formal ao programa de boas práticas, em respeito ao seu código de ética, com instruções detalhadas de como proceder nestes casos.
Fiz a comunicação sigilosa em junho de 2017, por e-mail, ao órgão de denúncias, apresentando os indícios de fraude, para que procedessem conforme suas regras. No entanto, minha identidade foi revelada ao denunciado logo no início das apurações, sem minha autorização. Além disso, o parecer anônimo do assessor científico da fundação, que inclusive apontava diversos vestígios de plágio e opinava por uma investigação, expunha a minha identidade, configurando grave falha ética.
A investigação na universidade do denunciado foi conduzida por seus colegas de departamento, sem especialização no tema ou em integridade acadêmica, o que levanta dúvidas sobre conflito de interesses. Um destes colegas é também membro de projeto do próprio denunciado, projeto financiado pela mesma fundação. A diretoria da fundação aprovou o relatório e, só após mais de três anos, declarou a inocência do investigado. Isto subsidiou um processo de danos morais, que vem se arrastando por mais de quatro anos, acumulando mais de mil páginas, embora sem documentos ou testemunhos que comprovem qualquer comunicação pública, indevida, ou que tenha causado dano à imagem do denunciado.
O processo tornou públicos os documentos relevantes, inclusive aqueles das instituições envolvidas. Não houve perícia determinada, de ofício, pelo Juízo, tornando, a nosso ver, incabível a afirmação sobre ausência de fraude.
Apesar do assunto ter tomado proporções internacionais, com notícias citando meu nome, como se ainda se tratasse de algo pessoal, as instituições brasileiras parecem pouco motivadas a debater este caso.
Vale questionar se, após este quarto de século entre os eventos de 1999 e 2025, a academia, e mesmo a Justiça, amadureceram para tomar providências diante de indícios de fraude, sobretudo quando envolvem docentes universitários.
Se as decisões do tribunal estadual forem mantidas, criar-se-á um precedente perigoso, que desestimulará qualquer denúncia, comprometendo a integridade acadêmica e a proteção dos direitos autorais no Brasil.
Mantém-se minha fé na Justiça, e confio que as instâncias superiores irão reavaliar e corrigir a decisão judicial.

 

WhatsApp Image 2025 07 16 at 17.51.09 7Foto: Eline Luz/AndesSe houve no 68º Conad um tema dominante nos debates para a atualização dos planos de lutas nacional e setoriais do Andes certamente foi movimento de resistência à privatização da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Dois projetos de lei do governo ultraliberal do governador Romeu Zema (Partido Novo) — 3.733/2025 e 3.738/2025 — cogitam colocar à venda os imóveis da universidade, com “descontos” de até 45%. Além disso, as propostas sugerem que a gestão da UEMG seja transferida para o governo federal.
As medidas foram enviadas à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, mas ainda não entraram em pauta. Elas se encaixam na proposta geral de adesão do governo mineiro ao Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag) à União, uma alternativa ao Regime de Recuperação Fiscal. Estima-se que a dívida de Minas com a União seja de R$ 165 bilhões. De acordo com o presidente da Associação dos Docentes da UEMG, professor Túlio Lopes, a suposta “federalização” é apenas um verniz para a tentativa de privatizar a universidade. “Estivemos em Brasília e confirmamos que não há qualquer projeto de federalizar a UEMG. O que o governador quer, no fim de seu mandato, é vender o patrimônio de Minas Gerais”, afirma Túlio Lopes (veja entrevista com o presidente da ADUEMG ao lado).
Além da UEMG, estão na alça de mira de Zema a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimonte) e companhias estaduais, como a Cemig e a Copasa.
Vários discursos no 68º Conad defenderam a necessidade de ampliar a campanha “UEMG: quem conhece, defende!”, incluive com apoio financeiro e jurídico do Andes. O objetivo da mobilização é que os decretos sejam revogados e nem cheguem a iniciar a tramitação na Assembleia Legislativa, onde o governo Zema tem folgada maioria.

ENTREVISTA

“É uma frente única. E com a nacionalização da nossa luta, iremos impor uma derrota a Zema”

TÚLIO LOPES
Presidente da ADUEMG

Jornal da AdUFRJ: Que apoios a campanha em defesa da UEMG já conseguiu?
O Conselho Universitário da UEMG se posicionou pelo arquivamento dos dois projetos. Temos o apoio do bloco Democracia e Luta, formado por PT, PSOL, PV, PCdoB e Rede, além de deputados do campo da direita. Estão conosco a SBPC, várias associações docentes, a UNE, a ANP, o MST, o MAB. Queremos o arquivamento, não vamos aceitar a tramitação.

E se o governo conseguir a tramitação?
Aí nós vamos deflagrar uma greve geral por tempo indeterminado. É a primeira vez na história recente do Brasil que há uma ameaça deste porte de fim da autonomia universitária. Também houve uma mobilização nas câmaras municipais, nas cidades onde temos a UEMG. A UEMG não está só em Belo Horizonte, ela foi criada em 1989 e hoje está presente em 22 unidades. Dos nossos 22 mil alunos, 15 mil são no interior.

Qual a ameaça para os docentes?
Temos 1.700 docentes, sendo 1.100 efetivos. Caso o projeto avance, teremos 600 demissões de contratados. Isso causa uma comoção muito forte. É uma situação grave, e nós não queremos soltar a mão de nenhum trabalhador ou trabalhadora. Nós venceremos essa batalha. Temos o apoio de toda a comunidade no estado. É uma frente única. E com a nacionalização da nossa luta, iremos impor uma derrota a Zema.

ufamSede do 68º Conad, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) convive com sérios problemas orçamentários — realidade comum a todas as instituições federais de ensino do país. Mas o isolamento da região amazônica impõe desafios extras para a administração central e para a Adua, a associação de docentes, tanto na gestão do dia a dia da universidade, que tem 33 mil alunos, quanto na defesa de melhores condições de trabalho para os seus 1.640 professores.
O campus da universidade está imerso no maior segmento de floresta em área urbana do Brasil, e terceiro maior do mundo. São 6,7 milhões de metros quadrados de mata, e é comum alunos e professores serem “observados” pelas janelas das salas de aula por macacos, preguiças e pacas. A natureza exuberante ao redor não se restringe a Manaus. A Ufam tem cinco campi no interior do Amazonas, e apenas um deles (Itacoatiara) tem ligação por estrada com a capital. Os demais (Benjamin Constant, Coari, Parintins e Humaitá) só são acessíveis por barco ou via aérea.
O Jornal da AdUFRJ entrevistou a nova reitora da Ufam, professora Tanara Lauschner, que assumiu em 4 de julho, e a presidenta da Adua, professora Ana Lúcia Gomes, sobre os principais problemas da universidade.

ENTREVISTAS

“Os desafios de logística, de integração, para além dos orçamentários, são muito grandes”

WhatsApp Image 2025 07 16 at 17.51.09 5Fotos: Eline Luz/AndesTANARA
LAUSCHNER
Reitora da Ufam

Jornal da AdUFRJ: A senhora assumiu o cargo há duas semanas. Quais os principais problemas que encontrou?
A situação da Ufam não é diferente da situação da grande maioria das universidades públicas federais. O nosso orçamento não é suficiente para todas as nossas ações, por isso a gente sempre tem que buscar uma complementação orçamentária, ou emendas parlamentares com a bancada federal. Nós temos um passivo gigantesco, principalmente em relação à manutenção e a questões como energia, água e internet, então essas serão as nossas prioridades iniciais. Vamos buscar orçamento para fazer novos investimentos em infraestrutura, porque esses problemas que nós temos exigem investimentos.

Com os parcos recursos, que investimentos a senhora vai priorizar?
Precisamos, por exemplo, de uma nova subestação de energia. Temos problemas com o nosso castelo d’água, que precisa ser reformado. E há uma grande questão: somos uma universidade multicampi. Além de Manaus, nós temos mais cinco campi no interior, num estado que é 20% do território nacional. Os desafios de logística, de integração, para além dos orçamentários, são muito grandes.

Com os recursos restritos, a Ufam corre o risco de corte de serviços básicos como energia e água?
O desafio de gestão é muito forte. Não deixar cair a internet, não faltar água nem energia, isso é prioridade. Acho que há pontos de gestão que podemos melhorar e que não demandam muito orçamento, ou demandam pouco orçamento. Na área de recursos humanos, nós ainda não temos um sistema integrado de administração, e precisamos ter. Isso vai poupar tempo de todos e vai melhorar a gestão para que a gente possa identificar mais rapidamente os gargalos e agir mais rapidamente para evitar suspensão de atividades dentro da nossa universidade.

“A falta de recursos é patente. Os estudantes estão sem bolsa de extensão há três meses”

WhatsApp Image 2025 07 16 at 17.51.09 6ANA LÚCIA GOMES
Presidenta
da Adua

Jornal da AdUFRJ: Quantos filiados tem hoje a Adua e quais são os principais problemas enfrentados pelos docentes da Ufam?
Temos hoje 935 docentes sindicalizados. A Amazônia é outra realidade. Temos seis realidades distintas dentro de uma mesma Ufam. Porque nas unidades fora da sede as pessoas se comportam muitas vezes de forma diferente. Há um assédio moral forte sobre os professores. Isso tem causado um adoecimento docente muito intenso também. Essa é uma queixa recorrente.

A Ufam tem uma nova reitora, empossada há poucos dias. Como será a relação da Adua com a nova gestão?
Nós queremos dialogar. Ela assumiu há pouco, não tivemos tempo de mostrar nossas pautas. Ela veio para a abertura do Conad, foi um bom sinal. Pensamos até em entregar nossa pauta de lutas aqui, mas preferimos dar tempo a ela e sua equipe. Nossa ideia é levar as pautas nos próximos dias e abrir o diálogo. Ela tem uma visão um pouco diferente da nossa. Busca aproximação com empresas em busca de recursos, isso tem que ser visto com cautela. A falta de recursos é patente. Os estudantes estão sem bolsa de extensão há três meses. Eu estou ajudando um aluno meu com recursos próprios para ele não abandonar o projeto. Esperamos resolver isso com a nova reitoria.

Além dessa questão das bolsas, que outras pautas estão no horizonte?
A multicampia está fervilhando dentro da universidade. Essa questão das dificuldades que nós temos como uma universidade multicampi. O adoecimento, a questão do assédio, a falta de autonomia financeira das unidades do interior. O ensino indígena também é prioridade. Eu fui dar aula numa unidade fora da sede e havia 17 etnias dentro de uma sala. Para dar aula nessas condições tem que haver um preparo, uma formação. Esse também é um desafio.

WhatsApp Image 2025 07 16 at 17.51.09 8Foto: Jardel Rodrigues/SBPCA professora Francilene Procópio Garcia, da Universidade Federal de Campina Grande (PB), vai assumir a presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), neste dia 17. Atual vice-presidente da entidade, a cientista da área de Computação tomará posse no novo cargo durante a 77ª Reunião Anual da entidade, que acontece em Recife (PE), com mais de 10 mil inscritos.
Professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ e integrante do Conselho da SBPC, a professora Ligia Bahia elogia a colega, que será a primeira presidente nordestina da história da entidade. “Com uma vasta experiência na área de pesquisa e inovação, Francilene chega chegando”, brinca.
Nesta entrevista ao Jornal da AdUFRJ, Francilene aborda os planos para a gestão até 2029, avalia as ações do governo Lula na Ciência e os desafios do setor.

Jornal da AdUFRJ - Quais serão os principais desafios da gestão?
Francilene Procópio Garcia-
Espero que a nossa gestão amplie as condições para que jovens cientistas possam ser mais ouvidos. Quando você coloca os jovens e os pesquisadores mais experientes em diálogo, alcançamos resultados mais qualificados nas discussões.
Precisamos valorizar a carreira científica. Formamos hoje em torno de 22 mil doutores por ano. Pela falta de alternativas na carreira pública — que depende do concurso e nem sempre há vagas disponíveis — ou mesmo no segmento privado, eles são muito fortemente contratados como bolsistas. Até tivemos uma atualização nos valores das bolsas de pesquisa em 2023, mas eles ainda estão aquém das nossas necessidades.
Também queremos aprimorar a governança e a gestão do sistema nacional de ciência e tecnologia de inovação. A ideia é que a gente ajude a fortalecer a fixação dos doutores e pós-doutores de uma maneira mais integrada regionalmente, e não concentrada em apenas duas regiões do país.
Outra tarefa é aperfeiçoar os indicadores da ciência. É bom publicar papers, é bom ter depósitos de patentes, mas a gente precisa avançar um pouquinho mais naquilo que é a presença da ciência na vida das pessoas. De que adianta você ter uma patente importante, por exemplo, na eficiência da agricultura, se ela não se ela não chega à agricultura familiar? Precisamos construir uma plataforma de métricas e indicadores que, para além das publicações, para além das patentes, vão ter a capacidade de ler melhor o impacto que a ciência traz para a sociedade brasileira em qualquer setor.
O papel da SBPC é esse: de seguir vigilante, propositiva, participando dos espaços. Vamos ajudar este e qualquer outro governo a construir um projeto de país baseado nas evidências da Ciência, com mais equidade e com soberania, naturalmente.

A pluralidade na Ciência será uma pauta?
A SBPC, em toda a sua trajetória histórica, tem buscado ampliar os espaços e as vozes dos grupos sub-representados que integram essa diversidade e essa pluralidade que a ciência requer. O nosso Prêmio Carolina Boeri, que vai para a sua sétima edição, é um excelente exemplo. A premiação não só olha para as cientistas que já têm uma carreira consolidada, mas também para as jovens que estão participando de um programa de iniciação científica no ensino médio ou na graduação.
Na minha turma de graduação, nos anos 80, éramos três mulheres em 20. De lá para cá, observamos uma evolução, mas a presença do gênero feminino nas exatas de uma maneira geral, nas engenharias, e incluindo aí a Ciência da Computação, ainda está bem aquém do que a gente gostaria de ver.

Como ampliar o número de sócios da SBPC?
Hoje, a SBPC conta com três mil sócios ativos. Agora, na Reunião Anual de Recife, que já tem mais de 10 mil inscritos até o momento, vamos lançar uma consulta para entender melhor o perfil e os interesses das pessoas e, a partir daí, qualificar melhor nossas ações e campanhas.
A gente ainda não está no TikTok, mas estamos pensando em elaborar uma agenda ali. Trazer a juventude para discussões e reflexões sobre a política científica desde cedo é algo para o qual a SBPC gostaria de contribuir.

Como a senhora avalia as ações do governo Lula em relação à Ciência?
Essa terceira gestão do Lula deu sinais importantes no sentido de reconhecer a centralidade da ciência. O primeiro foi quando o governo firmou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Na gestão anterior, houve momentos de enfraquecimento da pasta, tanto no orçamento como no peso político, a exemplo da falta de influência do MCTI no enfrentamento da COVID-19 que teve forte viés negacionista. O segundo, quando manteve a integralidade dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que tem sido fundamental para reposicionar investimentos em algumas áreas.
E, ainda em 2023, no primeiro ano do governo, foi lançado o plano da Nova Indústria Brasil com seis missões. Todas elas — uma delas é garantir a segurança alimentar do país — dependentes da Ciência, com diretrizes importantes para o sistema nacional de pesquisa e inovação.
Também voltamos a fazer parte de agendas globais estratégicas, onde a ciência é imensamente presente, como a articulação internacional voltada para a chegada das plataformas de inteligência artificial.
Mas o ponto fundamental, além de regularizar o FNDCT, foi convocar a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (em junho de 2024), após 14 anos. Desde a fase preparatória, mais de 100 mil pessoas participaram. A partir dali, temos um material preciosíssimo, que é a voz da sociedade, dos atores do sistema nacional, indicando caminhos para uma Estratégia Nacional de Tecnologia e Inovação e para um Plano Decenal.

O que são estas iniciativas?
Grande parte do material da 5ª Conferência traz diagnósticos e recomenda avanços em várias áreas. Cabe ao MCTI liderar o processo de transformação desse conjunto em uma política estruturada com dois eixos fundamentais. O primeiro eixo é a definição das diretrizes prioritárias para os próximos quatro a cinco anos, o que se materializa na Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI). Com essas diretrizes, busca-se alinhar os esforços do Sistema Nacional de CT&I, garantindo coerência entre as ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação em todo o país.
A Estratégia já está em fase de formulação e deve ser apresentada à sociedade em meados de setembro. No entanto, ela não é suficiente por si só. É preciso também definir como essas diretrizes serão implementadas, o que exige planejamento, metas claras e alocação de recursos.
Esse é o papel do Plano Decenal de CT&I, que deve detalhar os caminhos para alcançar os objetivos definidos na Estratégia, orientando investimentos, programas e instrumentos de fomento de forma coordenada e de longo prazo.

E como a SBPC tem reagido aos ataques do governo Trump aos cientistas?
Temos sido bastante presentes na rede de associações similares à SBPC em outros países, junto da própria Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciência. Estamos denunciando as supressões de investimentos e, sobretudo, o ataque à liberdade acadêmica, tanto no caso dos Estados Unidos, como em outros países, como é o caso da própria Argentina aqui na América do Sul.
Também alertamos sobre perdas que o governo Trump vai provocar, por exemplo, ao deixar de colocar recursos na Organização Mundial da Saúde ou em projetos de pesquisa importantes para o mundo dos quais brasileiros e brasileiras fazem parte através das nossas universidades.
Nessa direção, a SBPC também tem se inserido na discussão mais recente da agenda do BRICS. Enquanto essa situação de enfrentamento nos Estados Unidos estiver vigente, a possibilidade de arranjos no eixo Sul-Sul é estratégica para que estas ações não percam energia.

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