Accessibility Tools
A penúria financeira da UFRJ, maior e mais antiga federal do país, é emblemática. Mas não é o único exemplo de descaso com a educação superior pública. O Jornal da AdUFRJ inaugura nesta edição uma série de reportagens sobre o drama orçamentário de outras universidades. Em cada uma delas, a redução de bolsas, a demissão de trabalhadores terceirizados e o subfinanciamento da pesquisa evidenciam a política de destruição praticada pelo atual ocupante do Palácio do Planalto. Situação que confirma a conhecida declaração do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997): “A crise da Educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”.
A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) teve o orçamento reduzido em impressionantes 61,52%, no período de apenas cinco anos. A verba de R$ 194,8 milhões de 2016 (valor corrigido pela inflação) despencou para R$ 74,9 milhões em 2021.
A verba atual é insuficiente para garantir as atividades da instituição até o fim do ano. A previsão é do professor Eduardo Condé, pró-reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças da UFJF. “Funcionamos em situação precária e com déficit crescente. Em condições onde esteja tudo liberado, funcionamos no máximo até setembro ou outubro”.
O quadro só não está pior porque a reitoria já realizou duros cortes na manutenção e na área acadêmica. A UFJF foi obrigada a reduzir em 75% (R$ 1,8 milhão) um programa próprio de fomento ao custeio da pós-graduação. Além disso, de 3.607 bolsas destinadas a estudantes dos ensinos fundamental e médio, da graduação e da pós-graduação, 869 foram cortadas. As demais foram rebaixadas: a maioria delas (2.166) passou a ser de R$ 300 mensais em vez de R$ 400, por 12 horas de atividades desempenhadas semanalmente por estudante.
Em relação ao ano passado, os recursos aplicados na terceirização despencaram de R$ 54,6 milhões para R$ 40,1 milhões. A medida vai resultar na perda de 307 postos de trabalho, em Juiz de Fora, passando de 932 para 625 ao longo do ano, à medida que os contratos forem vencendo. Uma redução de 32,9% da mão de obra.
O detalhe é que estas medidas foram aprovadas no Conselho Superior da instituição (Consu) ainda antes dos últimos cortes decorrentes da tramitação da Lei Orçamentária Anual no Congresso e dos vetos do presidente. A universidade acabou sofrendo uma nova “tesourada” de R$ 7,3 milhões. “Não tem mais onde cortar. Já cortei na carne. Como vou cortar mais R$ 7 milhões?”, questiona o reitor Marcus David, que também é vice-presidente da Andifes (associação nacional dos reitores das federais). “Com um alerta: o retorno de atividades presenciais plenas agrava muito a situação orçamentária”, completa Eduardo Condé.
“Não há a compreensão da direção do governo nacional nem da relevância da educação superior, nem do investimento em pesquisa e pós-graduação e muito menos do papel da extensão e da inovação. É uma terra arrasada, nos asfixiando gradativamente”, critica o pró-reitor. “Não podem destruir as universidades com as posições ideológicas de um radicalismo de extrema direita, nem a ciência com boatos. Então a ofensiva destrutiva se intensificou. Venderam ao Congresso um teto de gastos disfuncional e inviabilizaram o Estado e os investimentos públicos”.
O dirigente explica que, em uma cidade como Juiz de Fora, com 550 mil habitantes, a UFJF representa o maior equipamento público de toda a região. São 23 mil alunos em dois campi (um em Governador Valadares), 1,8 mil professores e 1,6 mil técnicos. “Sem contar seu óbvio impacto econômico sobre a arrecadação da cidade e os reflexos sobre os mercados de trabalho, imobiliário, de pequeno e médio negócios”.
INDIGNAÇÃO
Diretor da Associação dos Professores de Ensino Superior de Juiz de Fora (APESJF), Leonardo Silva Andrada defende a mobilização da comunidade universitária para enfrentar o que chamou de projeto político de “estrangulamento” da universidade. “Se a gente for se adaptando sucessivamente a cortes que não param de acontecer, não vai ter mais o que cortar, porque não vai ter mais universidade”, diz. “O resultado é a precarização geral do ambiente universitário: do ensino, da pesquisa e da extensão”.
“Quando a gente desmonta, a gente pode remontar. A gente recoloca, reconstrói. O que esse governo pretende com as universidades é desmanchar, fazer com que aquilo deixe de existir”. A presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller, iniciou com estas palavras a participação na live “UFRJ: crise financeira ou desmonte?”, organizada pela revista eletrônica Desenredos do Mundo, no dia 8.
“O que estamos vivendo hoje não tem paralelo na história do Brasil. Nunca tivemos que enfrentar esse nível de agressividade, esvaziamento e desmoralização da instituição”, afirmou Eleonora.
Organizadora da live, a crítica literária Gabriela Raizaro chamou atenção para a campanha de arrecadação de recursos para reforma do prédio da reitoria, via Fundação Coppetec. “Não existe doação que vá resolver o problema da universidade. Nem cobrança de mensalidade. Mas este tipo de doação é importante porque ajuda a criar vínculos com a sociedade”, respondeu Eleonora. “Isso é muito comum nas universidades norte-americanas”. (Liz Mota Almeida)
O tratamento para o câncer de pulmão pode ganhar um reforço de peso e genuinamente brasileiro. É o que aponta uma pesquisa realizada em parceria por cientistas da UFRJ e da Universidade Federal do Pará (UFPA), que avalia o potencial antitumoral da Apuleia Leiocarpa, uma planta amazônica popularmente conhecida como garapa. O grupo conta com sete cientistas, e investiga plantas medicinais como fontes de novas substâncias para o combate a células cancerígenas. Atualmente, esse tratamento é feito com o uso de quimioterápicos, que possuem efeitos colaterais e, com o uso prolongado, podem provocar resistências no corpo humano.
“Já existem substâncias muito eficientes, como a cisplatina, que está sendo usada há mais de 30 anos e tem um efeito muito bom para a redução do câncer de pulmão. Mas ela tem efeitos colaterais graves, como o fato de que pode causar surdez”, conta Janaina Fernandes, professora de Genética Molecular I e II nos cursos de Nanotecnologia e Biofísica, no campus Duque de Caxias da UFRJ. A intenção dos pesquisadores é descobrir uma substância que possa ter, pelo menos, a mesma atividade antitumoral dos quimioterápicos, mas com menos efeitos colaterais. “Isso já é um progresso, pois melhora a qualidade de vida do paciente mantendo o mesmo resultado”, afirma a professora.
POTENCIAL PARA TRATAMENTO
Janaina, que na sua tese de doutorado na Biofísica estudou o uso de produtos naturais para o tratamento de câncer, entrou no projeto em 2011, a partir do contato com os professores Alberto Arruda e Mara Arruda, da UFPA. “Lá, eles trabalham com fitoquímica: identificam as plantas, fazem a coleta e geram o extrato. Na época estavam procurando alguém que fizesse as análises desses extratos, para entender o potencial para tratamento do câncer”, lembra. Ao todo, foram mais de 40 extratos de diferentes plantas enviados para a avaliação do grupo da UFRJ. Porém, muitos deles não têm eficiência ou perderam a sua atividade depois de algum tempo. “Apesar de o projeto estar rodando há dez anos, nós só conseguimos cinco amostras que têm efetivamente atividade antitumoral, e a Apuleia Leiocarpa é uma dessas plantas”, aponta Janaina.
O potencial medicinal da planta já era conhecido, devido aos seus efeitos analgésicos, antifúngicos e anti-inflamatórios. Porém, o efeito antitumoral da Apuleia Ferrea, que pertence à mesma família, motivou os pesquisadores a avaliar essa capacidade na Apuleia Leiocarpa. “As flores têm substâncias diferentes do caule, que tem substâncias diferentes da raiz e assim por diante. As mesmas substâncias podem estar presentes em diversas partes da planta, mas muitas vezes em proporções diferentes”, ressalta a professora. Por isso, foram feitos testes de viabilidade celular com cinco extratos de diferentes partes da A. Leiocarpa, para ver se as células cancerígenas iriam morrer ou apenas parar de se desenvolver. E dois mostraram resultados significativos: o extrato da casca e o extrato do caule.
Janaina conta com duas alunas de iniciação científica para estudar os efeitos dos extratos sobre as células cancerígenas: enquanto uma induz à autofagia, que é o processo de renovação celular, a outra induz à apoptose, que é a morte celular. “A morte celular por apoptose é o ideal para eliminar células de alguma doença. Dessa maneira, a célula se programa para morrer e faz essa morte de forma limpa, sem gerar inflamação ou causar outros danos para a saúde do paciente”, explica Rachel Ribeiro, graduanda de Biofísica no campus Duque de Caxias. Ao analisar a morfologia celular, 48 horas após o tratamento, foram confirmadas as características autofágicas e de morte celular por apoptose. Rachel destaca que os extratos tiveram melhor ação antitumoral nas concentrações de 25, 50 e 100 µg/ml (microgramas por mililitros).
DESMATAMENTO
Os tumores de pulmão são divididos em dois tipos histológicos: os de não pequenas células, e os de pequenas células. “Os experimentos foram feitos com células da linhagem H460, que é uma linhagem de câncer de pulmão de não pequenas células, um dos tipos mais agressivos e mais comuns no mundo”, descreve Rachel. Esse é o tumor que mais afeta os fumantes, pois o tabaco propicia seu desenvolvimento. O extenso número de pacientes acometidos pela doença também preocupa as pesquisadoras. “É preciso que a substância seja economicamente viável. Pouco adianta encontrarmos uma substância ótima no combate, mas que custe R$ 100 mil para produção de uma cápsula, pois fica inviável a larga escala”, salienta a professora Janaina.
A pesquisa já identificou o que os extratos são capazes de matar e como fazem isso, mas ainda falta saber quais são exatamente as substâncias responsáveis pela atividade antitumoral. “Nós queremos fracionar esses extratos para verificar quais substâncias existem ali, e depois testá-las de forma mais isolada para saber quais têm o potencial de, posteriormente, se tornar um fármaco”, afirma Rachel. Agora, os extratos considerados eficientes estão sob análise do grupo de fitoquímicos do Pará, que identificarão as substâncias responsáveis por essa atividade antitumoral para saber se são substâncias novas ou já conhecidas.
A estudante Isabel Oliveira, do curso de Biotecnologia, que também participa do projeto, destaca que esta espécie de planta, assim como muitas outras, está ameaçada de extinção. “Imagine quantas outras espécies que sequer testaremos antes de serem extintas? Quem sabe estamos perdendo futuros medicamentos sensacionais de origem vegetal, por conta do desmatamento descontrolado”, diz.
Professor Felipe Rosa no ato da UERJ - Fotos: Fernando SouzaAlvo de dois graves ataques no último mês, a Uerj mostrou a sua força em um ato, na última quinta-feira (10), no campus do Maracanã. Apoiado por entidades do setor da educação, entre elas a AdUFRJ, o evento mobilizou a comunidade e pendurou uma enorme faixa na frente do prédio principal da universidade com os dizeres “Vacina no braço, comida no prato! Contra a destruição do serviço público! Fora, Bolsonaro e Mourão”.
De acordo com Frederico Irias, vice-presidente da Asduerj, Associação de Docentes da Uerj, o ato foi uma resposta a um ataque do deputado estadual bolsonarista Anderson Moares (PSL). No dia 19, o parlamentar arrancou uma faixa com os mesmo dizeres da faixa recolocada no ato de quinta-feira.
Menos de uma semana depois, o deputado protocolou o projeto de lei, inconstitucional, que propunha acabar com a Uerj e remanejar seus alunos para universidades privadas.
“A Uerj é uma das universidades mais populares do Brasil. Foi pioneira na aprovação das cotas e quase 40% do nosso corpo discente vem das favelas”, explicou. Frederico mencionou ainda outros dois deputados estaduais bolsonaristas que atacaram a universidade, Rodrigo Amorim e Alexandre Knoploch (ambos do PSL). “Há uma mudança sensível por parte da sociedade, que está compreendendo que esses caras são violentos, e que esses atos precisam ser freados”, analisou.
O professor Felipe Rosa, vice-presidente da AdUFRJ, esteve na Uerj, defendeu a universidade pública e criticou o projeto de destruição do governo Bolsonaro. “Estamos vivendo um ataque sem precedentes ao ensino superior em todas as esferas”, denunciou. Felipe também ressaltou a importância de ocupar as ruas no enfrentamento ao governo. “Temos que ir para as ruas no dia 19 de junho, como fomos no dia 29, para defender a educação e a vida”.
No programa AdUFRJ no Rádio desta semana, os professores Eleonora Ziller e Josué Medeiros, diretores do sindicato, fazem o balanço de mais um período letivo remoto na UFRJ. Também discutem a imposição do governo de realizar a Copa América no Brasil, e o uso que Bolsonaro faz do futebol e outros símbolos nacionais. Os docentes falam sobre a expectativa e preparativos para a manifestação do dia 19 de junho. No Café com Ciência e Arte, Cristina Rego-Monteiro da Luz, professora da Escola de Comunicação, analisa o jornalismo contemporâneo e os desafios da formação de novos jornalistas. O programa vai ao ar toda sexta-feira, às 10h, com reprise às 15h.
Todos os professores que trabalham expostos a agentes nocivos à saúde sem receber os adicionais a que têm direito estão convidados a preencher um formulário eletrônico criado pela AdUFRJ. A expectativa é que, de posse das informações, o sindicato consiga avançar nas negociações com a reitoria para a concessão dos benefícios de insalubridade, periculosidade e de radiação.
O formulário, disponível em bit.ly/direitoaoadicional, pode ser preenchido até o dia 25.
O docente deve informar o nome, unidade, matrícula SIAPE, número do processo administrativo em que solicita o adicional (se houver) e se ainda trabalha submetido a algum agente prejudicial à saúde.
“Nas últimas reuniões, a reitoria pediu um detalhamento que não havia no nosso questionário eletrônico inicial, do fim do ano passado”, esclarece Pedro Lagerblad, diretor da AdUFRJ e professor do Instituto de Bioquímica Médica.
Os casos informados podem ter diferentes desdobramentos, individuais ou coletivos. “No melhor cenário, podemos resolver tudo administrativamente. Ou podemos ter que resolver tudo judicialmente. Ou algo intermediário, de alguns resolvidos administrativamente e outros, via Justiça”, afirma Pedro.
Para informar o número do processo, o sindicato recomenda que todos os docentes prejudicados mantenham um pedido formal no sistema da reitoria. Pode ser um recurso, quando há discordância quanto ao resultado do parecer da equipe da pró-reitoria de Pessoal, ou uma solicitação nova. Pedro acredita que, diante das dificuldades burocráticas dos últimos anos, muitos professores podem ter desistido dos processos.
Em paralelo ao formulário, a AdUFRJ encaminhou um novo ofício à reitoria. “Estamos reforçando os nossos argumentos com anexos de decisões judiciais favoráveis em casos semelhantes. E estamos incluindo uma lista de professores com dados que já conseguimos reunir”, afirma a assessora jurídica Ana Luísa Palmisciano.