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POEMA BRASILEIRO
Ferreira Gullar - (1962)

No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade

No Piauí
de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade

No Piauí
de cada 100 crianças
que nascem
78

 morrem
antes
de completar
8 anos de idade

Antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade

07aWEB menor1134No Piauí, dos anos de 1960, de cada 100 crianças que nasciam, 78 morriam antes de completar oito anos de idade. O chocante dado da mortalidade infantil brasileira foi tudo que Ferreira Gullar precisou para fazer seu Poema Brasileiro. Mais de cinquenta mil óbitos oficiais, em três meses, no Brasil de 2020, atualizaram o tema da banalização da vida, durante evento sobre literatura e vanguarda, na terça-feira (23). “Estamos sempre convivendo com essa enorme naturalização da morte de uma parcela da população, sem que isso pareça ser doloroso para alguns”, pontuou Eleonora Ziller, uma das convidadas do debate “Política, Vanguardas e o Lugar da Literatura Brasileira em meio à crise social”. A atividade foi realizada pela AdUFRJ em parceria com a ADUR, SBPC e Anfope.
O livro ‘Dentro da noite veloz’ é considerado um marco na trajetória de Ferreira Gullar, tanto pela qualidade literária quanto pelo engajamento social, escrito entre 1962 e 1975. Nele, está ‘O açúcar’, também recitado pela presidente da AdUFRJ para, desta vez, refletir sobre as condições desiguais do isolamento social. “O branco açúcar que adoçará meu café nesta manhã de Ipanema não foi produzido por mim nem surgiu dentro do açucareiro por milagre”, declamou para, em seguida, relacionar ao atual modelo de vida “de apartamento, dos que podem se proteger da pandemia em casa”. E fecha com a analogia entre o trecho “Em usinas escuras, homens de vida amarga e dura produziram este açúcar branco e puro com que adoço meu café esta manhã em Ipanema” e a dureza do trabalho “uberizado”, como entregadores de comida ou mercado que pedalam 12 horas por dia para garantir um sustento mínimo.
Machado de Assis também suscitou debates atuais. “O racismo estrutural, o genocídio de Estado e o encarceramento em massa encontra sua gênese em uma abolição inconclusa, conservadora, que extinguiu juridicamente a escravidão sem promover mudanças econômicas e sociais”, apontou a professora da Universidade de Brasília, Ana Cotrim.
Crônicas do autor testemunham em favor do argumento da docente da UnB. Uma delas, publicada no jornal Gazeta de Notícias poucos dias depois do 13 de maio de 1888. No texto, Machado de Assis não poupa ironia para mostrar a manutenção das relações de senhor e escravo apesar da mudança jurídica: “No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza: – Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que… – Oh! meu senhô! fico.”, diz um trecho inicial.
O texto tem seu desfecho na notícia do passado: “Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Êle continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos”.
O embranquecimento do maior nome da literatura brasileira também foi registrado. “Diz muito sobre o racismo, no Brasil, Machado de Assis ter nascido negro e morrido branco para ser presidente da Academia Brasileira de Letras”, sublinhou Eleonora Ziller referindo-se à classificação “branco” do atestado de óbito do autor pardo.

Vanguardas: de baixo para cima
A expressão da vanguarda artística está originalmente ligada aos grupamentos marginalizados da sociedade. “As vanguardas surgem, na Europa, de um amplo movimento de contestação de valores burgueses individuais, sociais e também artísticos”, argumentou o professor do Departamento de Letras e Comunicação Social da UFRRJ Marcos Pasche.
O quadro ‘Les Demoiselles d’Avignon’, de Pablo Picasso, foi usado para ilustrar. “Picasso causa escândalo com mulheres com o corpo descoberto, associadas a prostitutas, com um tipo de deformação que remete a máscaras africanas”, destacou o professor da UFRRJ, que coordena um projeto de remição de pena através da leitura. A nova estética passa então a incorporar grupos até então descartados por serem considerados “impróprios”, “feios” ou “desprezíveis”.

E onde está a vanguarda literária de hoje?
O público quer saber, depois de ouvir tanto sobre clássicos. “A única saída possível é via movimentos populares”, opinou Henri de Carvalho, pesquisador em Literatura e Música da PUC-SP. Autores periféricos, rap, grafite, ‘slam’ entram na lista. “Autorreconhecimento é fundamental. Mesmo que não haja uma estética tão desenvolvida. O ‘slam’ leva poesia às praças, são histórias e narrativas repletas de sentimento emancipador”, avaliou.

Eles indicam para além dos clássicos:

Ferréz
romancista, contista, poeta da “literatura marginal”. Obras: Fortaleza da Desilusão (1997), Capão Pecado (2001), Amanhecer Esmeralda (2005), Ninguém É Inocente em São Paulo (2006), Deus foi almoçar (2012) e Os ricos também morrem (2015).

Luiz Alberto Mendes
escritor autodidata, passou 31 anos e 10 meses encarcerado em reformatórios e penitenciárias de São Paulo. Por meio de Dráuzio Varella, lançou seu primeiro romance, Memórias de um Sobrevivente, em 2001. Escrita totalmente à mão dentro do presídio, a obra foi um sucesso de vendas. Publicou ainda Às Cegas, em 2005, e Confissões de um Homem Livre, em 2015.

A queda do céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert. Um relato do grande xamã e porta-voz dos Yanomami contra a destruição da floresta Amazônica.

Jogo das Decapitações, drama dirigido por Sérgio Bianchi, de 2013. Sinopse: um cineasta marginal descobre durante seu mestrado que uma obra de seu pai foi censurada pela ditadura militar, em 1973.

 

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