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Foto: Kelvin MeloO professor emérito Gilberto Domont é uma inspiração que atravessa a história da UFRJ. Ingressou no curso de Química da então Universidade do Brasil, em 1954, ainda como aluno. Sete décadas depois e prestes a completar 90 anos, em 11 de novembro, o docente segue dando aulas no Programa de Pós-graduação em Bioquímica do Instituto de Química, realizando pesquisas e orientando alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado.
“Sou apaixonado pela profissão, pela Ciência. Não paro por causa disso. É um prazer enorme estar aqui”, afirma o mestre de tantas gerações.
Uma paixão que começou cedo, em casa, por influência da mãe Maria de Lourdes, professora primária da escola municipal Estácio de Sá, na Urca. E que depois ganhou força na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) — hoje sede do IFCS/Instituto de História — da então Universidade do Brasil, na década de 50.
“Era um ambiente intelectual fortíssimo. Davam aulas lá César Lattes, Leite Lopes, Costa Ribeiro, Christovão Cardoso — que foi o primeiro diretor do Instituto de Química —, Manuel Bandeira, Maria Yedda Linhares e Anísio Teixeira, entre outros”, diz Gilberto, que fez curso técnico de Química Industrial antes de ingressar na universidade.
“Entrei na pesquisa pelas mãos dos professores João Perrone e Abrahão Iachan. Foram meus dois orientadores, os mentores que concederam minha primeira bolsa, de iniciação científica”.
O currículo, iniciado com aquela bolsa e atualizado em 22 de setembro, impressiona. Gilberto é um dos fundadores do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química em 1959 e, três anos depois, do Programa de pós-graduação em Bioquímica — o mais antigo do país na área de Ciências Biológicas. Integrante da Academia Brasileira de Ciências desde 1975, emérito em 1998, tornou-se o pesquisador responsável pela introdução da proteômica (estudo das proteínas) no Brasil. Criou a Sociedade Brasileira de Proteômica em 2012.
GENEROSIDADE
A história, com tantos títulos, poderia supor um professor sério, distante dos alunos, alguém se sentindo acima dos colegas. É o contrário, dizem os mais próximos. “O que me chamou muito a atenção no Gilberto é a simplicidade no trato com as pessoas. Ele é um cara afetuoso com todo mundo”, observa o professor Rogério Espíndola, da Coppe.
Os dois trocam ideias desde 2018. Um aluno de Gilberto precisava de uma modelagem que envolvia técnicas de inteligência artificial, área de expertise do docente da Coppe. “O comportamento nas discussões é sempre com humildade, querendo aprender. Isso é algo difícil. Normalmente, o que se vê são pessoas com currículo muito grande e já se sentindo acima dos demais. Ele é arrogância zero. Fora o brilhantismo científico dele. Ele é meu modelo”, completa Rogério.
Ajudar os jovens é praticamente uma missão para o (quase) nonagenário mestre. Que o diga o professor Fábio Nogueira, do Instituto de Química. “Sou de Fortaleza e, em 2003, o Gilberto organizou um curso nacional de proteômica, com convite para alunos de pós. Eu fazia iniciação científica na Universidade Estadual do Ceará, mas ele abriu esta exceção”, lembra.
Fábio e Gilberto hoje trabalham juntos na área proteômica — o estudo das proteínas pode ajudar a identificar a causa de uma doença em nível celular. Ou a prevenir casos graves. “Por exemplo, em uma célula cardíaca, extraímos as proteínas e identificamos com a espectrometria de massa. A célula sadia se expressa de uma forma equilibrada. A patologia aparece quando esse concerto não acontece”, explica o jovem colega.
A pesquisa da UFRJ na área tem prestígio internacional. O grupo coordenado por Gilberto é o único do país participando de um consórcio internacional para identificar as proteínas dos 23 cromossomos humanos. Coube aos brasileiros o estudo do cromossomo 15, que é associado ao aparecimento de algumas doenças, como Prader-Wiili & Angelman e leucemias.
O estudo, complexo, flui com muito bom humor. “É difícil ver o Gilberto sério. Brinca com todo mundo. Quando ele pede café e as pessoas perguntam se quer açúcar ou adoçante, ele responde: ‘Puro mesmo, porque de doce basta a vida’”, conta Fábio. “Quando levava a filha na escola, dizia: ‘Você vai para sua Disneylândia e o papai vai para a Disneylândia dele’. Aqui é onde ele se diverte”.
“O Gilberto tem uma característica muito própria que é a de escutar todo mundo. Trata o aluno de iniciação científica, de mestrado, de doutorado ou o professor da mesma forma. Gosta de aprender coisas novas e fazer planos de longo prazo. Agora, aos 90 anos, está fazendo planos para os próximos dez anos”, diz Fábio.
Planos que os dois realizam juntos no primeiro andar do Centro de Pesquisa em Medicina de Precisão (CPMP), na mais recente frente de trabalho aberta pelo mestre. “O CPMP tem uma concepção moderna. Os alunos, de diferentes formações, sentam juntos nestas bancadas. Trouxe a proteômica para cá para avançar na medicina de precisão, a convite dos professores Antonio Carlos Campos de Carvalho e Denise Pires de Carvalho. Fomos um dos primeiros grupos a vir para cá”, afirma Gilberto.
CARIOCA TÍPICO
Tantas atividades não deveriam deixar tempo para mais nada, certo? Errado. Gilberto é um carioca típico, que gosta de tomar chope, jogar conversa fora com os amigos e comer churrasco. “Adora um churrasco, com a carne bem vermelha. E adora tomar chope com a garotada”, afirma a esposa Solange Guimarães.
O casal, que está junto desde o início do namoro, em 1982, compartilha o amor pela Ciência e divide a casa com as estantes recheadas de livros. “Ele vive a Ciência em casa o tempo todo. Estamos sempre conversando. Eu me entusiasmo também. A contrapartida da família é apoiar e vibrar com a vibração dele”, conta Solange, que já foi pesquisadora do Programa de Engenharia Civil da Coppe.
E a família, para Gilberto, é uma das contrapartidas mais importantes da vida acadêmica: “São meus sistemas biológicos prediletos, a Solange e minha filha Sônia”, brinca. “Devo tudo à UFRJ. Saber, família, amigos, patrimônio. Eu me formei aqui, encontrei minha esposa aqui, minha filha estudou aqui”, diz, deixando uma mensagem para os professores em início de carreira. “Se apaixonem pela Ciência também!”.
A PARTIR DA ESQUERDA: Maria Cecília, estudante da História; Maria Clara, egressa da Escola de Química; Jandir, ex-aluno da EBA; e Elizangela, formada em Terapia Ocupacional - Fotos: Fernando SouzaEra uma vez uma menina que alcançou nota suficiente no Enem para o curso de Medicina, mas escolheu a Engenharia Química. Estamos falando da talentosa Maria Clara Moreira, recém-formada na UFRJ. Sua história não é um conto de fadas qualquer. Nascida e criada na Maré, ela será laureada com o Diploma de Dignidade Acadêmica no grau “Magna Cum Laude”, concedido a alunos com coeficiente de rendimento acumulado igual ou superior a 9.
O feito é ainda maior: desde o 6° período, Maria Clara cursa concomitantemente as disciplinas do mestrado em Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos e pode defender sua dissertação já em março de 2025. Sim, ela fez graduação e pós simultaneamente no programa de integração promovido pela Escola de Química para alunos que se destacam em sua trajetória acadêmica. Ela não só obteve incríveis notas no início da formação superior, como alcançou o maior CR da pós: 3. O que indica que conquistou conceito A em todas as disciplinas.
Tímida, ela explica os motivos de ter escolhido a UFRJ. “Tudo levava à UFRJ. Fiz Enem na UFRJ, meus pais estudavam lá, é a instituição mais conceituada do Rio, além de ser bem perto de casa”, elenca.
Diretora da Escola de Química, fã de carteirinha da estudante e uma de suas orientadoras, a professora Fabiana Fonseca é só elogios. “Ela sempre buscou a excelência. Seu TCC é nota 10. É uma aluna dedicada, comprometida, realmente diferenciada”, afirma. “Quando vejo casos como o da Maria Clara, sinto que a universidade está no caminho certo. É um grande orgulho testemunhar essa trajetória”.
A docente acredita que a universidade, no entanto, precisa buscar outras iniciativas que valorizem o aluno que se destaca, sobretudo quando a trajetória pessoal é marcada por desafios fora da academia. “É um esforço muito grande concluir o curso com esse nível de excelência, superando todas as dificuldades de sua realidade”, diz. “A universidade precisa ter formas também diferenciadas de reconhecimento desses estudantes”.
CRIA DA MARÉ
A história inspiradora ganha contornos ainda mais emocionantes quando recuperamos o cotidiano de sua família. Maria Clara é cria da Maré. Vive com os pais e irmãs numa pequena casa da Nova Maré, uma das regiões mais conflagradas do complexo de favelas. A residência está situada a poucos metros de uma invisível e violenta linha que divide facções em disputa pelo território vizinho à Cidade Universitária. A chamada “divisa”.
Para se formar, a menina superou inúmeros obstáculos, como a violência, a falta de espaço para estudar, os poucos recursos financeiros para se manter no curso e até mesmo a falta de internet. “Foi um desafio manter a qualidade do estudo, principalmente no período da pandemia”, lembra.
A irmã, Maria Cecília Moreira, concorda. “O sinal de internet foi o que mais atrapalhou minha graduação durante a pandemia. Muitas vezes sumia ao longo do dia”. Ela também é estudante da UFRJ. Cursa licenciatura em História, sua grande paixão, e se forma no ano que vem. É estudante dedicada e muito elogiada na Iniciação Científica. Cecília havia passado para a Uerj e PUC e tinha nota para todas as federais do Rio, mas aguardou a primeira chamada da lista de espera do SiSU. “Quando passei, nem acreditei”, lembra. O sonho era cursar a mesma universidade da irmã e... dos pais.
FAMÍLIA UFRJ
Pois é, esta história, que mais parece um conto de fadas, começa com o pai das meninas, Jandir Leite Moreira. Artista autodidata, ele tinha um desejo distante de estudar na Escola de Belas Artes. O dia a dia com inúmeras limitações, inclusive financeiras, o fez adiar o sonho por décadas. “Eu olhava para essa universidade atrás da minha casa e acreditava que não era para mim. Era o que todos me diziam. Eu precisava ser honesto e trabalhar, sustentar uma família, uma casa, como faria uma universidade?”, perguntava-se. “A sociedade olha para um favelado como eu, gestado, nascido e criado no chão da favela, e decreta um destino”.
Jandir rompeu com o destino. Filho de mãe analfabeta e pai pouco escolarizado, o menino que passou a infância numa casa de dois cômodos que abrigava oito pessoas, não negou suas raízes, mas foi além delas. Matriculou-se em um curso pré-vestibular comunitário da Nova Holanda – outra favela do conjunto –, prestou o Enem em 2015 e passou para a EBA, no curso de Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas.
Como a filha mais velha, também foi laureado por finalizar a graduação com CR 9. “Ainda não sei como, mas dei conta de concluir um curso integral com excelência acadêmica, trabalhar, criar minhas artes, fazer exposições, cuidar da família. Foi quase um milagre”, orgulha-se. Ele terminou a graduação em 2019, mas ainda durante o curso ganhou dois editais da UFRJ e recebeu prêmios por exposições realizadas: uma no Parque Tecnológico e outra no prédio do Colégio Brasileiro de Altos Estudos, atual sede do Fórum de Ciência e Cultura.
O talento de Jandir está estampado nas paredes da casa, nos objetos de decoração e até num violino (de verdade) construído com garrafa pet e cabo de vassoura. Foi seu trabalho final da disciplina de teoria musical. Hoje, ele é professor substituto do Colégio Pedro II no ensino de artes e trabalha também como musicoterapeuta voltado ao tratamento de crianças do espectro autista. Está em sua segunda especialização. “Depois da UFRJ, nunca mais parei de estudar”, comemora.ARTISTA DA MARÉ Jandir exibe o violino feito de materiais reciclados
A educação transforma e inspira. A esposa de Jandir, Elizangela Moreira, também atravessou os três quilômetros que separam sua casa do campus da UFRJ. Ao ver que o marido passou para a faculdade, Elizangela resolveu fazer o Enem. Estudou sozinha e foi aprovada no curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da UFRJ.
“Nem nos meus melhores sonhos imaginei que teria uma graduação”, conta emocionada, lembrando do dia em que viu seu nome entre os aprovados.
A reação foi o choro incontrolável. “Eu lembrei de toda a minha trajetória. Olhava da Maré para o prédio da UFRJ e era tão distante”, conta, sem ostentar a enorme ponte que construiu entre seu passado e seu futuro.
Ficaram no passado as vozes que tentaram interromper a trajetória virtuosa da família Moreira. “Tive uma professora nos anos 90 que dizia para a minha turma que a universidade pública não era para o pobre, que a gente nunca estaria lá”, lembra Elizangela.
Ela mostrou o contrário de sua insensível professora. Está graduada desde 2021 e desenvolve terapias para crianças do espectro autista. “É incrível poder trabalhar com o que a gente ama”.
Num certo momento, pai, mãe e filha mais velha cursavam a UFRJ ao mesmo tempo. Depois, mãe e filhas.“A gente já se encontrou para almoçar no bandejão”, lembra Jandir. “Muitas vezes fomos juntos também”, diz Elizangela. “Em outros momentos, a gente se encontrava no ônibus”, completa Maria Clara.
A UNIVERSIDADE PÚBLICA MUDA VIDAS
DE BECA Jandir foi o primeiro a se formar (à esquerda), em 2019. Em 2021, foi a vez de Elizangela (à direita). Maria Clara colou grau no último 27 de setembro (ao centro) - Fotos: Acervo de famíliaOs quatro filhos de Minerva não escondem o orgulho de pertencer à comunidade acadêmica da maior universidade federal do país. E contam como a universidade é capaz de mudar a vida de seus alunos. “A UFRJ foi tudo nas nossas vidas. A gente aprendeu sobre tantas coisas! Mudou completamente a nossa realidade. Hoje conseguimos realizar a primeira reforma na nossa casa em mais de 20 anos”, conta Jandir. “A gente até tem o sonho de viver uma coisa fora (da Maré), mas só agora nossa vida está começando a se organizar”.
O conjunto de casas onde a família mora foi construído em 1995 para abrigar moradores das palafitas. “Essa região era toda de palafitas. Vimos o desenvolvimento da comunidade até os dias atuais e estamos caminhando para mudar nossa realidade”, analisa Elizangela. “Assim que me formei já estava trabalhando na minha área, não fiquei mais desempregada. Nunca imaginei que essa realidade louca e inalcançável seria a minha história”, diz.
Mesmo antes de acessar a graduação, os pais de três meninas – a caçula Maria Laura cursa o ensino médio – desejavam que suas filhas trilhassem caminhos naturais até a universidade. A única chance seria prepará-las para enfrentar uma disputada prova que concedia dez bolsas a uma rede de escolas particulares. “Elas precisavam estar prontas para essa prova aos 4 anos de idade”, lembra Jandir. Para isso, eles alfabetizaram as três em casa na primeira infância. Todas elas conseguiram a bolsa integral no colégio privado da Maré.
Com pais formados ou em vias de se formar, o caminho da universidade foi ainda mais natural para as meninas. “Disputamos o Enem pela ampla concorrência porque fomos bolsistas de um colégio privado, mas desde cedo nos preparamos para esse momento”, conta Maria Cecília. “Quando comecei, meu pai estava concluindo a graduação e minha mãe estava no meio da faculdade”, lembra Maria Clara. “Era incrível”.
O sentimento dos pais é de orgulho e dever cumprido. “Eu só choro de alegria. Era um sonho que nós tínhamos, mas não imaginava que fosse acontecer tudo de uma forma tão brilhante”, suspira Elizangela. “A gente mora numa região infelizmente marcada por muitas mães que choram de tristeza. Quantos ficaram para trás? “, lamenta. “Então, quero que nossa história de alguma forma inspire outras famílias daqui”, diz. “Nós não temos muitas coisas materiais para dar, então nossa herança para elas é a educação”, conclui Jandir.
Foto: Beatriz MagnoO Salão Pedro Calmon, no campus Praia Vermelha, foi palco de um ato de desagravo à equipe da reitora da Uerj, Gulnar Azevedo e Silva, nesta quinta-feira (26). Intitulado “A importância da Uerj para a CT&I do Rio de Janeiro”, o evento foi promovido pela Secretaria Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no Rio de Janeiro, e contou com a participação de nomes de peso da UFRJ, UFF, UniRio, Fiocruz e CBPF. A dirigente vem enfrentando uma crise na universidade com a resistência dos estudantes a mudanças nos critérios de concessão de bolsas e auxílios assistenciais.
O ápice da crise aconteceu na semana passada. Na sexta-feira (20), o Batalhão de Choque da PM cumpriu determinação judicial de retirar os estudantes que ocupavam, havia 55 dias, o Pavilhão João Lyra Filho, o principal do campus da Uerj no Maracanã. Os policiais usaram bombas de efeito moral e spray de pimenta contra os estudantes. Dois deles, um jornalista e o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), que prestava apoio ao grupo, foram presos e liberados horas depois.
SOLIDARIEDADE
A mesa do evento foi conduzida pelo presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro (USP), pela conselheira Lígia Bahia (IESC-UFRJ) e pelo secretário regional da entidade, Thiago Signorini Gonçalves (OV-UFRJ). Logo na abertura, Janine deixou claro que todos estavam ali para apoiar a gestão da Uerj. “A SBPC considera que a Uerj é decisiva, essencial para a área de Ciência e Tecnologia, e não só do estado do Rio de Janeiro, mas do Brasil. Foi a primeira instituição brasileira a instituir cotas de ingresso na graduação de forma democrática. Viemos aqui para dar apoio à reitora. Esse tipo de luta fratricida enfraquece a democracia”, pontuou Janine.
A reitora da Uerj — foi eleita para o período 2024-2027 — iniciou sua fala agradecendo a solidariedade da comunidade científica e não escondeu os desafios de sua gestão. “Estamos vivendo momentos bem difíceis. Não imaginávamos que a crise tomaria essa proporção. Não temos autonomia financeira, dependemos integralmente do governo do estado para funcionar”, disse a dirigente.
Ao falar da desocupação da universidade na semana passada (veja mais detalhes na entrevista da página 6), a professora disse que a alternativa foi a que restou diante da falta de diálogo com os estudantes. “Nesses 50 dias, fizemos de tudo para não pedir a reintegração. Houve quebra de patrimônio, uso de dados, invasão de computadores, uma escalada da violência. Não sabíamos mais quem estava participando da ocupação. Não eram só estudantes. Foram oito rodadas de negociação. Na última, ficou nítido que alguns ocupantes não deixavam espaço para estudantes com uma visão diferenciada, com tendência de aceitar nossa proposta de transição. Chegou a um ponto sem limite, não havia mais segurança no prédio, as portas de emergência trancadas, professores e alunos impedidos de ter aulas. Nosso Fórum de Diretores decidiu que não havia alternativa a não ser pedir a reintegração de posse. Até hoje vivemos o reflexo de tudo isso”.
Gulnar estava acompanhada de seu vice-reitor, Bruno Deusdará, e de vários pró-reitores, diretores, superintendentes e professores da Uerj. Representando a reitoria da UFRJ, o superintendente-geral da PR-2, professor Felipe Rosa, disse que o evento ia além da solidariedade. “Esse encontro gira em torno da preservação da universidade pública e da democracia. Há medidas que ninguém quer tomar, como o que aconteceu na Uerj. Mas quando uma parte é intransigente, às vezes não tem jeito. Ficamos felizes porque a Uerj está voltando a ter aulas, com suas políticas inclusivas”, disse Rosa.
O professor Luiz Bevilacqua viu no encontro uma oportunidade de maior aproximação entre as instituições que atuam no Rio de Janeiro. “Vamos trabalhar juntos? Não só nos momentos de crise, mas nos momentos de paz. Trocar estudantes, trocar professores, nos comunicar mais. É um apelo que faço. Vamos nos dar as mãos também nos momentos de paz”, disse.
Já o ex-reitor Carlos Frederico Leão Rocha fez uma defesa enfática da autonomia universitária e advertiu que ela deve ser preservada, independentemente do campo político. “Não podemos tratar reitores eleitos da forma como a Gulnar foi tratada. Eles têm que ser respeitados tanto pela direita, quanto pela esquerda. Gulnar foi eleita para tomar as decisões que tomou. A universidde voltou, e temos que te agradecer por isso”.
Ao terminar o encontro, a professora Ligia Bahia fez um alerta. “Fizemos um processo de inclusão nas universidades públicas e estamos com dificuldades de manter essa inclusão. Não podemos ser derrotados. O que foi uma vitória não pode se transformar numa derrota Esse processo democrático tem que seguir. A inclusão na universidade pública não pode se transformar em um problema. Ela é a solução para o país. A gente vai lutar muito para que essa juventude consiga concluir o ensino superior no Brasil. Isso é a defesa da democracia”.
QUEM ESTAVA LÁ
UFRJ
•Ex-reitor Nelson Maculan
•Ex-reitor Carlos Frederico
•Christine Ruta, diretora do Fórum
•Felipe Rosa,
superintendente da PR-2
•Eleonora Ziller, diretora
da Universidade da Cidadania
•Luiz Bevilacqua,
professor emérito
•Luiz Davidovich,
professor emérito
•Ricardo Madronho,
professor emérito
•Pedro Lagerblad,
professor do IBQM
•Thereza Paiva,
secretária municipal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.
Fiocruz
• Claudia Travassos
•José Noronha
Unirio
•José da Costa Filho, reitor
UFF
•Mônica Savedra, pró-reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação
CBPF
•Marcio Albuquerque, diretor
•Além do deputado federal Reimont (PT-RJ) e do ex-deputado estadual Waldeck Carneiro.
Foto: Walterson Rosa/MINISTÉRIO DA SAÚDEUma semana depois das cenas de violência que marcaram a desocupação do Pavilhão João Lyra Filho, no campus Maracanã da Uerj, o Jornal da AdUFRJ ouviu dois personagens marcantes do episódio. Para a reitora da Uerj, Gulnar Azevedo, o pedido de reintegração foi a única alternativa que restou depois de várias tentativas de diálogo com os estudantes. Já para o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), que foi preso pela PM na ocasião, a reitoria é responsável direta pelos acontecimentos. A seguir, as duas visões opostas da crise na estadual.
Olhando agora o que aconteceu, voltaria a pedir a reintegração de posse na Justiça, com uso da força policial?
O pedido de reintegração de posse não envolvia obrigatoriamente a ação policial. O uso da força foi solicitado pela juíza após o descumprimento de sua decisão. Nas condições em que manifestantes radicalizaram a sua posição, confrontando a Justiça, e impondo riscos à própria vida e à vida dos servidores que tinham acesso ao Pavilhão João Lyra Filho, já que ignoraram todos os avisos da necessidade de desbloquear saídas de incêndio e portas de fuga, não houve outra alternativa.
Como viu a prisão de estudantes e do deputado Glauber Braga?
Poderiam ter sido evitadas. Antes de a polícia entrar foram feitas várias tentativas de negociação para a saída pacífica. A intenção era mostrar que, com decisão da Justiça, seria inevitável a desocupação. Eles preferiram permanecer.
Os estudantes denunciaram a presença de seguranças privados na ação de desocupação. Chegaram a chamá-los de milicianos. A senhora identificou esses seguranças?
Os agentes patrimoniais são trabalhadores de empresa terceirizada e, em função disto, a chefia da Segurança pediu reforços, ante às graves ameaças de resistência do movimento, ao descumprirem a decisão da Justiça. Apesar de não estarem com uniforme usual dos agentes que trabalham regularmente na Uerj, estavam todos identificados com blusas pretas, orientados e sob a supervisão da chefia. Chamar os agentes de milicianos é um desrespeito com os trabalhadores.
O que fará a reitoria em relação ao patrimônio avariado?
Os danos causados pela ocupação ainda estão sendo apurados, assim como o sumiço de discos rígidos (HDs) com informações sensíveis para a Uerj, que seguem desaparecidos. Ainda não há a contabilização de todos os prejuízos materiais. Foram instauradas sindicâncias para identificar os envolvidos nos atos de depredação. As medidas podem ser de natureza administrativa, conforme o regimento interno da universidade.
Como fica a questão do calendário acadêmico? Será mantido?
Adequações no calendário acadêmico foram debatidas no Fórum de Diretores que aconteceu na quarta-feira (25), e que contou com a participação de representantes das unidades acadêmicas e administrativas. Propostas de ajuste no calendário serão debatidas no Conselho Superior de Ensino e Pesquisa.
Após essa crise, abriu-se uma janela de negociação de recursos junto ao Governo do Estado?
Não foi a crise. Essa suplementação já vinha sendo pleiteada por nós em várias reuniões desde o início do ano. No dia 27 de agosto, o Governo do Estado autorizou uma suplementação para despesas gerais da universidade e R$ 9 milhões com destinação específica para obras de construção do Restaurante Universitário da Faculdade de Formação de Professores, no campus São Gonçalo. O valor vai possibilitar o pagamento das bolsas transitórias até dezembro de 2024, entre outras despesas, como o pagamento de serviços terceirizados. Por enquanto, o Governo do Estado não indicou mais nenhuma verba suplementar. Em 2023, a suplementação total do governo foi de mais de R$ 300 milhões.
Como será administrar a universidade após episódio tão lamentável? Teme que o diálogo com as lideranças estudantis fique mais difícil?
As aulas e demais atividades acadêmicas retomaram na terça-feira, dia 24. Esperamos, sinceramente, que as lideranças estudantis percebam que avançamos no diálogo ao acolher grande parte de seus pleitos. E pretendemos avançar ainda mais na construção de uma nova política de assistência estudantil, contando com a contribuição de vários segmentos da nossa Universidade.
A análise orçamentária da Universidade do Estado do Rio de Janeiro comprova o subfinanciamento da UFRJ. O Jornal da AdUFRJ comparou os principais dados das duas instituições e constatou que o orçamento da Uerj em 2024 é maior que o da federal. Isso em números absolutos. Se relativizamos pelo tamanho das duas instituições, o assombro é ainda maior.
A estadual equivale à metade da UFRJ. Lá estudam 32.746 alunos e trabalham 2.497 docentes e 4.978 técnicos-administrativos. São 64 cursos de graduação, 67 de mestrado e 46 de doutorado, além de 182 especializações. Todos os campi somados correspondem a 2,34 milhões de m², o que inclui o Hospital Universitário Pedro Ernesto.
Para manter essa estrutura, a Uerj se desdobra com R$ 333,57 milhões para custeio e R$ 177,12 milhões para assistência estudantil, o que totaliza um orçamento de R$ 510,69 milhões em 2024, sem incluir os recursos de investimento e pessoal.
Pois bem, se o dinheiro da Uerj já é insuficiente para financiar as necessidades da coirmã estadual, imaginem os da UFRJ. Aqui temos 69.200 estudantes, 4.242 professores e 8.802 técnicos-administrativos. A área total dos campi corresponde a 7,15 milhões de m² que precisam de segurança, limpeza, luz, água, internet e manutenção. São 176 cursos de graduação, 132 programas de pós-graduação, além de 200 especializações.
Para manter essa estrutura, incluindo o complexo hospitalar, a UFRJ conta os centavos de um orçamento previsto de custeio e assistência estudantil de R$ 435 milhões. Na realidade, esse valor está ainda menor — em agosto, o governo federal contingenciou R$ 64 milhões
ASSSISTÊNCIA ESTUDANTIL
Planilhar os dados das duas maiores universidades da cidade do Rio é um exercício doloroso quando se trata da assistência estudantil, política pública essencial para manter os estudantes mais carentes dentro da universidade.
O programa de assistência da Uerj é pioneiro no país, criou as cotas e totaliza R$ 177 milhões. Já na UFRJ, a assistência responde por apenas R$ 62 milhões, um dinheiro que não só é insufiente como obriga docentes, técnicos e gestores a ‘escolhas de sofia’ diárias.
“Temos que escolher entre os mais vulneráveis”, lamenta Eduardo Mach, professor e pró-reitor de políticas estudantis. “Hoje temos muito mais alunos que se encaixam no perfil de vulnerabilidade, mas não temos recursos para atender a todos. É horrível, não temos o que fazer”, diz o pró-reitor. “O desafio é que a situação não se agrave para que alunos que têm os benefícios não deixem de receber”, afirmou.
“É realmente impressionante olhar esses números e descobrir o quanto temos um orçamento defasado, sobretudo de assistência. A UFRJ tem o equivalente a um terço do orçamento da Uerj, sendo que possui o dobro de estudantes”, observou o diretor do Instituto de Economia, professor Carlos Frederico Leão Rocha.
COBERTOR CURTO
O resultado prático dessa conta que não fecha se traduz numa infraestrutura degradada, em auxílios insuficientes para a demanda e em dificuldades de financiamento de ações de ensino, pesquisa e extensão.
“Vejo esse problema orçamentário como um cobertor curto”, analisou o professor Thiago Signorini Gonçalves, diretor do Observatório do Valongo e secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC/RJ), durante evento em apoio à Uerj (leia mais na página 5). “No momento, tenho que escolher entre consertar a rede de esgoto do meu instituto ou consertar o teto do prédio que está caindo”.
Veja a seguir os comparativos entre as duas instituições de ensino.