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AULA NO PAVILHÃO de Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, em 1930 - ACERVO CASA DE OSWALDO CRUZCom honrosas exceções, ser professor universitário no Rio de Janeiro dos anos 20 era ofício para homem, branco e rico. Ser aluno também. As turmas somavam até 200 estudantes, no caso da Medicina e da Poli. No Direito, as classes eram menores. Todos frequentavam as aulas com figurino solene – sempre de paletó, gravata e sapato social.
“Atuar como docente significava – em linhas gerais – fazer parte de um reduzido grupo de homens brancos, letrados, pertencentes, portanto, a uma elite cultural e econômica”, resume a professora Libânia Xavier, titular da Faculdade de Educação, pesquisadora da história do ensino superior no Brasil.
“Ser docente em 1920 era algo completamente diferente do que é hoje. Não existia a figura do professor em tempo integral, muito menos de dedicação exclusiva”, afirma Helói Moreira, ex-diretor da Escola Politécnica da UFRJ. O professor, que organizou o livro “Memórias da Escola Politécnica II”, ajuda a contar a história do magistério nos primeiros anos da universidade. “Os professores ingressavam por concurso. Existiam concursos para catedrático, e os alunos assistiam às provas dos concursos, pois havia uma disputa muito grande entre os candidatos”, comenta.
Não havia uma carreira universitária. Os catedráticos eram responsáveis pelas cátedras e espécie de “donos” de uma determinada disciplina. “No Império, os catedráticos tinham os mesmos salário e status social que os desembargadores”, conta Antônio Braga, professor da UFRJ e ex-presidente da Sociedade Brasileira de História da Medicina. A equivalência entre as duas carreiras públicas deixa de existir no começo do período republicano.
Também existiam os professores ordinários – que trabalhavam diretamente com os catedráticos – e os livres-docentes, que não eram funcionários da instituição.
Em 1968, na ditadura militar, a figura do catedrático deixou de existir e deu lugar a uma estrutura em que os departamentos são responsáveis pela coordenação dos cursos. Na mesma reforma, foram criados os cargos de professor titular, adjunto e assistente.
Para Antônio Braga, a figura do catedrático era importante para o curso, mas sua presença também atrapalhava o desenvolvimento na carreira dos demais professores. “Era uma estrutura que não conseguia mais responder aos desafios do ensino e pesquisa”, defende. Ele também aponta um caráter mais democrático na atual estrutura. “O chefe de departamento é eleito pelos seus pares”.
As mudanças no meio acadêmico são contemporâneas de restrições às liberdades democráticas. Durante esse período, 26 pessoas (24 alunos e alunas e dois professores) da UFRJ foram assassinados ou desapareceram, segundo informações da Comissão da Memória e Verdade da universidade. Quarenta e quatro docentes foram expulsos.
CONCURSOS DESDE O INÍCIO
A admissão dos professores já era feita por concurso público desde o tempo do Império, e a validação institucional do processo era inquestionável e imprescindível. Uma anedota contada pela professora Gisele Sanglard, coordenadora da Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da COC/Fiocruz mostra bem o comprometimento da Faculdade de Medicina com seu concurso. “Em 1883, o renomado professor Carlos Arthur Moncorvo de Figueiredo recusou-se a fazer a prova para a cátedra de Pediatria porque se considerava hors concours”, conta a professora. Barata Ribeiro, um higienista, fez a prova e assumiu a cátedra.
CONHECIMENTO IMPORTADO
Há cem anos, segundo Helói, a maior parte do ensino da Escola Politécnica ainda derivava do conhecimento produzido na Europa. “Não havia uma produção de livros por parte dos professores. Eram livros estrangeiros, na maioria, e normalmente franceses”, diz o docente. “Consequentemente, havia a questão das apostilas, em que os professores preparavam as suas matérias”, acrescenta.
Helói, que hoje é presidente da Associação dos Antigos Alunos da Politécnica (A3P), ressalta a participação dos estudantes em 1920 no desenvolvimento do material. “Principalmente no caso da Politécnica, o diretório acadêmico é que editava as apostilas dos professores. Esse é um aspecto interessante, porque hoje em dia não é mais assim”.
Engenheiros de prestígio integravam a comunidade acadêmica, como José Pantoja Leite, Maurício Joppert da Silva e Paulo de Frontin. “A Escola tinha grandes professores, figuras consideradas expoentes na Engenharia brasileira”, lembra Helói.
Outro fato relevante na história da unidade é a ligação com a organização dos cientistas brasileiros. “A Academia Brasileira de Ciências foi criada em 1916, pouco antes da Universidade do Rio de Janeiro, mas dentro do prédio da Politécnica, no Largo São Francisco. A maioria dos integrantes da Academia era também professor da Escola”, finaliza.
Decano do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, Flávio Martins entende que a essência de ser professor há 100 anos e agora se mantém a mesma. “É um exercício de poder, ou seja, do poder de transmitir, de relacionar reconhecimento e de se tornar referência para outras pessoas”, afirma. Mas o ensino se transformou com o tempo. “Me parece que hoje a figura do professor tem uma relação dialogal que talvez não existisse naquela época”, completa o decano e ex-aluno da FND. “Hoje é possível aplicar um processo individualizado de ensino e aprendizagem. Essa é uma marca que diferencia o docente do passado com o do presente”, reforça o professor Antônio Braga.
A Universidade do Rio de Janeiro, primeiro nome da UFRJ, ainda não estava ancorada nos três pilares – ensino, pesquisa e extensão. Nos primeiros anos, ainda no Catete, a faculdade de Direito contava apenas com salas de aula, não havia espaços para pesquisa ou locais de encontro. “O professor dava a aula e ia embora. Não havia um lugar em que ele pudesse receber os alunos, as bibliotecas eram acanhadas”, informa Marcos Tavolari, diretor de assuntos históricos da Associação dos Antigos Alunos de Direito da UFRJ (ALUMNI FND). “Quem lecionava e publicava era um grande intelectual, conseguia que as suas ideias fossem reproduzidas nos jornais”, recupera o advogado.
Quando a UFRJ foi fundada, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro já passava dos cem anos. Criada, em 1808, por Dom João VI, a instituição já tinha, em 1920, uma história respeitável, com médicos de renome entre os seus ex-alunos e no quadro de professores, uma sede suntuosa e uma marca impressa na Medicina brasileira.
A história da Escola Politécnica da UFRJ revela os bastidores da edificação de um país. Com um passado que remete ao período colonial, a unidade que hoje abrange todas as graduações de engenharia da universidade deu origem ao desenvolvimento tecnológico brasileiro.
A fundação da Faculdade Nacional de Direito resulta de uma fusão de escolas e de uma reação libertária para o ensino superior no Rio de Janeiro, explica o ex-aluno Marcos Tavolari, diretor de assuntos históricos da Associação dos Antigos Alunos de Direito da UFRJ (ALUMNI FND).
Criado durante a gestão do ex-reitor Carlos Lessa, o bloco carnavalesco Minerva Assanhada fez uma apresentação virtual de gala na tarde de domingo (30). A introdução coube a ninguém menos que Noca da Portela, baluarte do samba e mais novo Doutor Honoris Causa da universidade. Noca interpretou a canção “UFRJ, 100 Anos de Arte, Ciência e Balbúrdia”, que compôs ao lado do professor Roberto Medronho, da Faculdade de Medicina. Em seguida, houve a live com mais de duas horas de folia, animada por alguns componentes do bloco, e entrecortada pelas saudações da reitora, do prefeito universitário e de representantes do Formas, fórum que reúne as entidades sindicais e estudantis da UFRJ. O vídeo, com mais de 870 visualizações, pode ser encontrado no canal do Sintufrj no Youtube.
PALÁCIO UNIVERSITÁRIO Construído na primeira metade do século XIX, foi inaugurado em 1852 e abrigou o Hospício Pedro II. Foi incorporado ao patrimônio da UFRJ em 1949, quando a reitoria instalou-se no local“Estimular a cultura das ciências, estreitar entre os professores os laços de solidariedade intelectual e moral e aperfeiçoar os métodos de ensino”. Estes eram os objetivos da UFRJ quando nasceu, em 7 de setembro de 1920, com o nome de Universidade do Rio de Janeiro. Os professores eram homens, brancos e ricos. Os alunos também. Um perfil bem diferente do que a UFRJ apresenta um século depois.
“Não podemos avaliar aquela universidade a partir de hoje”, enfatiza o professor emérito Luiz Antônio Cunha, da Faculdade de Educação. Autor do livro “A universidade temporã: da Colônia à Era Vargas”, o docente argumenta que é preciso pensar a Universidade do Rio de Janeiro com base nas discussões educacionais que ocorriam naquela época na jovem República do Brasil, ávida pela formação de profissionais qualificados.
A frágil modernidade brasileira queria engenheiros, médicos e advogados. Os anos 20 eram tempos conturbados dentro e fora do Brasil. A Europa lambia as enormes feridas da Primeira Guerra Mundial. No Brasil, as cicatrizes da escravidão ainda estavam – estão até hoje – abertas. A capital era o Rio, uma cidade efervescente, animada pelo samba, conturbada pela política oligárquica do café com leite, e massacrada pela gripe espanhola que um ano antes levou a vida de 50 mil moradores, entre eles o presidente Rodrigues Alves, homem que emoldurara a cidade com ares renovadores e reformas sanitárias e urbanísticas.
Com a morte de Alves, o país ficou nas mãos de Delfim Moreira, um vice atormentado por transtornos mentais, e que, em 1919, passou a faixa presidencial para Epitácio Pessoa. Paraibano, formado em Direito em Pernambuco, ele vencera a eleição presidencial do célebre Rui Barbosa, mais conhecido como Águia de Haia.
É nesse contexto que surge a Universidade do Rio de Janeiro, nascida pela junção de três faculdades que já existiam na época – Medicina, Direito e Politécnica. “Em 1920, tivemos a reunião de três unidades de ensino — duas muito antigas, que eram a Escola Politécnica, de 1792, e a Faculdade de Medicina, de 1808, e uma, improvisada, muito recente, de duas instituições privadas de direito que foram estatizadas e fundidas”, diz Luiz Antônio Cunha. “Naquela época, universidade significava instituição de ensino”, completa.
VELHA MINERVA Reprodução do primeiro brasão da UFRJ, ainda Universidade do Rio de JaneiroA nascente universidade também não era gratuita – a gratuidade só foi instituída em universidades federais nos anos 50 – nas estaduais paulistas foi em 1947. “Quem era pobre tinha um padrinho que pagava, como o escritor Lima Barreto, quando foi aluno da Escola Politécnica”, explica Luiz Antônio.
Carreira universitária não existia. “Isso é muito recente. Havia os catedráticos, encarregados de uma área de saber”. E os livres-docentes, que ministravam disciplinas fora daquela área do conhecimento. “Eles tinham o direito de usar as instalações da instituição para ministrar um curso adicional, fora daquele programa mínimo do curso”, esclarece o professor emérito. As taxas cobradas eram repartidas com a faculdade.
Os catedráticos não viviam dos minguados pagamentos recebidos pelo governo com as aulas. “De jeito nenhum. Era um grande médico, um grande engenheiro, um grande advogado”. A função era disputada em concursos públicos por conferir prestígio aos seus ocupantes. “Ou a pessoa dava aula porque gostava de ensinar”, resume Luiz Antônio Cunha.
FRAGMENTADA
Andrea Queiroz, historiadora e diretora da Divisão de Memória Institucional da UFRJ, destaca que a Universidade do Rio de Janeiro surge por influência do pensamento positivista no início da República. O que também vai induzir à escolha da data de 7 de setembro — ainda não era um feriado nacional — para a assinatura do decreto de fundação pelo então presidente Epitácio Pessoa. A relação com as ciências, que abre o regimento da universidade, explica Andrea, é uma característica positivista.
Mas a classificação como “universidade” ficou apenas no papel. “Na verdade, só é universidade pelo dispositivo legal. Não existia uma relação orgânica entre esses cursos. O que se entende por universidade, na prática, ela ainda não era”, argumenta Andrea.
A fragmentação inicial da instituição, no ponto de vista da historiadora, ainda não foi superada. E Andrea não se referia à atual discussão do calendário acadêmico. “Vemos o reflexo disso nas relações entre as unidades e na dispersão de seu vasto patrimônio e acervo. Apesar de hoje já existirem sistemas integrados tanto de arquivos, de museus e de bibliotecas, ainda assim existe uma autonomia de cada espaço para gerenciar esse patrimônio”, informa Andrea.
Outra marca da embrionária UFRJ era o elitismo, que se apresentou na escolha dos três cursos iniciais para sua constituição, considerados de maior prestígio. “É uma universidade da elite feita para a elite”, afirma. Não por acaso, observa a historiadora, professores desses três cursos vão se revezar na gestão da universidade até 1985, quando ocorre a primeira eleição direta para reitor. “Traduz muito essa perspectiva elitizada que marca a trajetória da universidade”.
BARÃO DE RAMIZ Professor da Faculdade de Medicina e primeiro reitor da universidade Em 1920, o primeiro reitor veio da Faculdade de Medicina: o professor Benjamin Franklin de Ramiz Galvão, o Barão de Ramiz. Escolhido por ser o presidente do Conselho Superior de Ensino da época (cargo que, por sua vez, era nomeado livremente pelo presidente da República) . Pelo regimento, o reitor devia prestar contas de cada ano ao ministro da Justiça e Negócios Interiores — o MEC seria fundado apenas 10 anos depois.
A participação do Barão de Ramiz nas atividades que saudaram a visita do rei da Bélgica ao Brasil, em setembro daquele mesmo ano, suscitou uma fake news: que a universidade teria sido constituída às pressas para conferir um título honorífico ao monarca Alberto I.
Em artigo publicado no site da Sociedade Brasileira de História da Educação, a professora Maria de Lourdes Fávero afirmou não ter encontrado registro desta homenagem da Universidade do Rio de Janeiro. A docente da Faculdade de Educação pesquisou em atas do Conselho Universitário e em periódicos da época. E encontrou um dado que pode ter contribuído para a confusão. Entre vários títulos, o rei belga ganhou o de “presidente honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”, do qual Ramiz era diretor.
Ao receber a honraria do IHGB, o rei belga proferiu um belo vaticínio, de acordo com o discurso reproduzido pela professora: “O ano de 1920 será uma data para sempre memorável nos fatos intelectuais de vosso país. Vós tendes já na maioria das capitais dos Estados, altas escolas e faculdades notáveis, cuja reputação transpõe vossas fronteiras. Possuireis, contudo, uma universidade integral que será digna do Brasil e que se tornará, não duvido, um cenáculo brilhante, cuja influência será um fator considerável à vida científica de Vossa Pátria”.
O rei não poderia estar mais certo.
Mais um ataque aos funcionários públicos federais, estaduais e municipais. O governo Bolsonaro enviou ao Congresso, no dia 3, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Nova Administração Pública. A PEC modifica o Regime Jurídico Único: transforma o estágio probatório em uma etapa do concurso público e acaba com a estabilidade de boa parte das carreiras. Também acaba com progressões e promoções baseadas exclusivamente em tempo de serviço. E dá poderes ao presidente da República para extinguir cargos, funções, gratificações e até mesmo órgãos federais. Militares, magistrados, procuradores, promotores e parlamentares ficam de fora da reforma administrativa. A estabilidade e os vencimentos dos que já ingressaram no serviço público continuam nos mesmos termos da Constituição atual.