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"Este é um movimento docente que não quer deixar ninguém para trás. E que aceita o desafio de congregar excelência e inclusão, mérito e democratização, luta e assistência. Com isso, nos diferenciamos dos extremistas de direita e de esquerda”, afirmou a presidenta da AdUFRJ, professora Mayra Goulart no discurso de posse, em 16 de outubro do ano passado.
“Nossa ação política é responsável e dialógica”, completou. Pouco mais de nove meses depois, as realizações do mandato apresentadas nestas páginas comprovam cada palavra.
O sindicato atuou com responsabilidade na campanha salarial: discutiu e articulou propostas, criticou os encaminhamentos do Andes, informou os colegas e conduziu assembleias com votações expressivas.
No campo da assistência, o setor jurídico seguiu atuante com vitórias significativas para os professores, como a reconquista das progressões múltiplas e o recente pagamento da ação dos 3,17%.
Já a denúncia das precárias condições de trabalho e estudo na universidade também se manteve na ordem do dia. A situação da Escola de Educação Física e Desportos e do prédio histórico compartilhado por IFCS e IH mereceram edições especiais do jornal da AdUFRJ e várias reuniões com os docentes. Mas nem tudo foram espinhos. Projeto criado ano passado, os passeios histórico-culturais organizados pelo sindicato continuaram encantando os docentes em 2024.
Essa atuação, responsável e dialógica, firme e acolhedora, tem se refletido no aumento das sindicalizações: desde a posse até agora, 127 professores se filiaram. “Para nós, isso é uma honra. Sejam muito bem-vindos”, saúda o professor Rodrigo Fonseca.
SALÁRIOS
Coerência do início ao fim e respeito às decisões de assembleia. Assim se pautou a diretoria da AdUFRJ durante toda a campanha salarial dos professores federais.
Uma campanha que, é bom lembrar, começou ano passado: no limite da entrega da Proposta de Lei Orçamentária Anual de 2024, no final de agosto, o governo sinalizou um desrespeitoso 1% de reajuste para os servidores federais do Poder Executivo.
Na ocasião, a vice-presidente da AdUFRJ, a professora Mayra Goulart — hoje presidente do sindicato — lembrou que faltava a setores do funcionalismo, sobretudo ao Andes, a apresentação de um índice de reajuste factível com a realidade fiscal do país. “Ao invés de discutirmos um percentual ancorado em dados fiscais, o Andes forçou o debate apenas na apuração das perdas acumuladas”, criticou.
No início de 2024, pouco depois de o governo anunciar que não haveria qualquer reajuste para os professores neste ano, a AdUFRJ passou a articular uma proposta salarial com economistas da universidade. A ideia seria igualar os vencimentos básicos iniciais de professor auxiliar, que é o primeiro nível da carreira do Magistério Superior, e de professor DI 40 horas — primeiro nível da carreira do Ensino Básico Técnico e Tecnológico — com o piso nacional da educação básica (R$ 4.580,57, desde 1º de fevereiro). “Se a proposta for aceita na mesa específica de negociação, isso implicará num aumento de 33% para esses níveis iniciais das carreiras e gerará correções também para os níveis seguintes”, defendia o professor Carlos Frederico Leão Rocha, diretor do Instituto de Economia e ex-reitor da UFRJ. “Não tem sentido professores federais receberem abaixo do piso da educação básica. É um absurdo”.
“É preciso reforçar que esta não é uma proposta paralela à que está sendo construída com o conjunto dos servidores. Trata-se apenas de reconhecer que os docentes federais precisam ter o piso do magistério reconhecido como direito”, afirmava Mayra Goulart.
A greve se transformou em um elemento da negociação a partir do 42º Congresso do Andes, no fim de fevereiro. “A greve é um instrumento importante, não pode ser banalizado. Precisamos avaliar se temos condições de realizá-la. Nós atuaremos num amplo processo de consulta, de escuta e de debate com os professores da UFRJ nas unidades e no Conselho de Representantes”, disse a presidenta da AdUFRJ.
Na consulta, os docentes da UFRJ responderam não à greve nacional. Por duas vezes e com placares expressivos. Em 5 de abril, 914 pessoas participaram da maior assembleia do país. Ao todo, 860 professoras e professores votaram. Mais de 60% rejeitaram a paralisação por tempo indeterminado, proposta pelo Andes, com data prevista para 15 de abril. Já em 10 de maio, pouco mais de 600 professores participaram da assembleia. O placar, de novo, contra a greve: 364 a 234 e 5 abstenções.
No dia 22 de maio, em outra assembleia, por 670 a 579 votos, os professores da UFRJ decidiram aprovar a proposta salarial encaminhada pelo governo. Houve, ainda, 24 abstenções.
Não entrar em greve não significou desmobilização. A direção da AdUFRJ realizou atos, participou de manifestações dos servidores federais, divulgou informações sobre as negociações em curso por meio do jornal e seus perfis nas redes sociais e compareceu a debates.
Em um deles, no SBT News, em 4 de junho, Mayra sintetizou a coerência com que conduziu — e conduz — o movimento docente na UFRJ até agora. “O prédio do IFCS, onde eu leciono, está caindo aos pedaços e estamos fazendo o possível para formar alunos excelentes ali, para que eles devolvam o que estão aprendendo à sociedade. Precisamos de recursos, mas vamos batalhar por eles de portas abertas, convencendo a sociedade de que ela precisa acreditar na universidade pública”.
ORÇAMENTO
Menos de doze horas após assumir a presidência da AdUFRJ (em 16 de outubro de 2023), a professora Mayra Goulart desembarcou em Brasília para defender os interesses dos docentes e das universidades públicas. Ao longo de dois dias, a dirigente — que também coordena o Observatório do Conhecimento — visitou gabinetes e salas de comissões para distribuir um estudo sobre as perdas orçamentárias da educação superior federal e dos institutos de pesquisa.
O documento alertava que, neste ano, universidades, agências de fomento e institutos de pesquisa federais teriam metade das receitas que já tiveram há dez anos. A proposta do governo enviada ao Congresso previa R$ 19,07 bilhões para o chamado “Orçamento do Conhecimento”, que sustenta todo o sistema de Ciência, Tecnologia, Inovação e educação superior, contra R$ 38 bilhões da Lei Orçamentária de 2014, em valores atualizados pela inflação.
Ainda em dezembro passado, Mayra entregou um documento sobre a crise orçamentária das universidades – e da UFRJ, em especial – para o ministro da Educação, Camilo Santana. O titular do MEC veio ao Rio para a cerimônia de credenciamento do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) como Instituição de Educação Superior.
Se os problemas financeiros da maior federal do país não são segredo para ninguém, foi a partir de um debate organizado pela AdUFRJ, em 22 de maio deste ano, que a crise pôde ser conhecida com riqueza de detalhes. Na atividade — que está gravada no canal do sindicato no Youtube — ficou registrado que instituição trabalha com menos da metade das receitas que já teve entre 2011 e 2013, em valores corrigidos pela inflação. No auge, em 2012, a UFRJ contou com R$ 795 milhões. Neste ano, são apenas R$ 391 milhões.
CONDIÇÕES DE TRABALHO
Foto: Fernando Souza/Arquivo AdUFRJO Jornal da AdUFRJ denuncia, de forma recorrente, as precárias condições de trabalho e ensino na universidade. A lista dos problemas é extensa: infiltrações, sistemas elétricos antigos, rede de internet sucateada, risco de incêndio, cursos sem prédio próprio, profissionais sobrecarregados por falta de substitutos e serviço de limpeza interrompido por terceirizados com pagamentos atrasados são alguns dos principais destaques negativos.
A Escola de Educação Física e Desportos, que sofreu duas quedas do beiral do telhado em oito meses (6 de setembro e 1º de maio), mereceu atenção especial da comunicação do sindicato, nos últimos meses. Assim como o histórico prédio compartilhado pelo IFCS e o Instituto de História, que, com tantos problemas, chegou a ganhar uma edição inteira, em junho.
Já a insegurança com a violência da cidade se tornou um drama à parte para os frequentadores da Cidade Universitária. Professores, estudantes, técnicos e terceirizados da UFRJ viveram dias de incerteza e medo, em meados de outubro, quando a Maré – complexo de favelas vizinho ao campus do Fundão – sofreu seis dias de intensos conflitos armados em megaoperações policiais. No meio do fogo cruzado, moradores sitiados, muitos dos quais estudantes e trabalhadores da universidade. De imediato, a diretoria da AdUFRJ entregou uma carta ao reitor cobrando posição assertiva e protocolos em dias de operação policial.
A direção da AdUFRJ também participou de encontros com os docentes e ouviu demandas. Em um deles, no IFCS, a professora Veronica Damasceno mostrou solidariedade à comunidade acadêmica da unidade. “Sou muito solidária à causa porque a Escola de Belas Artes passou por um incêndio há sete anos e sofremos as consequências até hoje”, disse, em dezembro passado.
Não será fácil resolver tantas demandas. Levantamento do Escritório Técnico da Universidade (ETU), um dos destaques da edição nº 1.318, em maio, apontou que seriam necessários R$ 795,7 milhões para recuperar 77 prédios de toda a instituição. Detalhe: o estudo ainda estava na metade e não incluía infraestruturas com reconhecido mau estado de conservação.
PROGRESSÕES
No Conselho Universitário de 11 de julho deste ano, a pró-reitoria de Pessoal anunciou que a próxima folha de pagamento contará com a inclusão de quatro progressões múltiplas. O procedimento, que permite ao docente avançar mais de um nível na carreira, mesmo que faça o pedido com atraso e desde que tenha atingido produção acadêmica mínima para cada dois anos de trabalho, estava proibido por resoluções do Conselho Universitário de 2020 e 2022. Mas voltou a valer após ação judicial movida pela AdUFRJ.
“A sentença consagra todo o nosso esforço e o nosso entendimento desde o primeiro momento”, comemorou a presidenta da AdUFRJ, professora Mayra Goulart, à epoca da decisão na Justiça, em novembro. “É sempre bom enfatizar que a questão das progressões é uma prioridade desta diretoria, uma vez que ela diz respeito ao reconhecimento do trabalho do professor”.
Além das múltiplas, a direção tem se empenhado em reuniões com a administração central para simplificar os processos funcionais. Algumas unidades exigem documentos em excesso, dificultando o desenvolvimento dos professores na carreira.
JURÍDICO
Além de reconquistar o direito às progressões múltiplas para os professores da UFRJ, o Jurídico da AdUFRJ atua em várias outras frentes: adicionais de insalubridade, progressões, RSC para carreira EBTT e diferença de gratificação natalina e adicional de férias.
Uma das mais destacadas é a ação dos 3,17%, que trata das diferenças de remuneração devidas aos servidores em razão do reajuste não concedido pelo Governo FHC no início do Plano Real. Recentemente, a Justiça realizou o primeiro pagamento desta ação.
A AdUFRJ obteve vitória definitiva no processo coletivo e, após intenso debate, o Poder Judiciário determinou que as cobranças dos valores devidos fossem efetivadas de forma individualizada. O sindicato, à época, iniciou o recolhimento das procurações dos docentes beneficiados.
No final do mês de novembro de 2023, houve audiência na Justiça Federal com a presença da AdUFRJ e dos procuradores da AGU, representando a UFRJ, para tratar do tema. No ato, um documento firmou o compromisso de ambas as partes de respeitar os critérios de cálculo já estabelecidos no processo coletivo.
É importante que os professores vejam se têm direito entrando em contato com o Sindicato, que possui a lista dos beneficiários da ação.
Caso o seu nome esteja presente, basta a assinatura da procuração e o posterior envio para os canais oficiais da AdUFRJ.
Em caso de dúvidas, para agendar um horário no plantão jurídico, envie e-mail para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ou mensagem de whatsapp para (21) 99808-0672.
PASSEIOS
Foto: Fernando Souza/Arquivo AdUFRJProjeto de sucesso criado ano passado, os roteiros histórico-culturais organizados pela AdUFRJ descortinaram novos espaços da cidade e encantaram os docentes. Foram quatro passeios em 2024 (por enquanto) que fizeram parte das comemorações pelos 45 anos do sindicato.
07/04 Museu Histórico da
Cidade do Rio de Janeiro
13/04 Arquitetura do
Catete e Palácio da República
24/05 Palácios Pedro
Ernesto e Tiradentes
22/06 Museu Histórico Nacional
CONVÊNIOS
O programa de convênios oferecidos pelo sindicato segue firme. No fim do ano passado, a AdUFRJ conquistou um novo benefício para os professores sindicalizados de Macaé: descontos de 20% nos cursos de inglês da Cultura Inglesa. Filhos e cônjuges dos docentes filiados têm direito a desconto de 15%. Para obter o benefício, basta se dirigir à unidade de Cavaleiros, na Rua Marechal Floriano Peixoto, 100, e levar documento oficial com foto e comprovante de vinculação com a universidade.
SOLIDARIEDADE
A solidariedade é uma marca da atuação sindical da AdUFRJ. Até o fim de junho, a atual gestão do sindicato doou R$ 25,4 mil para apoiar campanhas e outros movimentos. A maior doação foi de R$ 10 mil, no envio de água mineral para as vítimas das chuvas no Rio Grande do Sul, em maio.
FILIAÇÕES
Desde o começo do mandato, em 16 de outubro, houve um saldo positivo de filiações: 127 professores se sindicalizaram e 40 se desfiliaram.
Estão abertas as inscrições para o Festival do Conhecimento da UFRJ. Com o tema “Inteligência Artificial para o Sul Global”, o evento acontecerá entre 27 a 30 de agosto. Além das tradicionais apresentações virtuais, desta vez haverá atividades presenciais no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ (FCC).
Ele está no lugar certo, na hora certa. Pedro Lima (foto abaixo), 42 anos, professor de Ciência Política da UFRJ, está morando em Paris, onde faz o pós-doutorado na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Sua pesquisa investiga o crescimento da extrema direita. Nas últimas semanas, o pesquisador vive um momento raro na trajetória de todo cientista social. Seu objeto de estudo está no centro da História. De uma surpreendente história que começou no início de junho com a ascensão de grupos fascistas nas eleições europeias, passou pela dissolução do Parlamento pelo presidente Macron e surpreendeu o planeta com a vitória da esquerda sobre o grupo racista de Marine Le Pen no segundo turno das eleições parlamentares de 7 de julho. Um contagiante thriller político que ainda está longe do epílogo.
A pedido do Jornal da AdUFRJ, Pedro fotografou as ruas de Paris emolduradas pela política em cartazes e murais. Dividido entre a rotina familiar com a filha pequena e os últimos momentos de seu pós-doc, Pedro prestou um interessante depoimento sobre o que está testemunhando na terra da Bastilha.
Fotos: Acervo pessoal
A seguir, o relato de Pedro com uma breve introdução sobre as forças políticas na França. “Nos últimos meses, acompanhei o dia a dia da política francesa, desde as eleições parlamentares europeias de junho até as eleições para o Parlamento francês. É uma experiência riquíssima, mas já está acabando. Em agosto, volto para as salas de aula do IFCS”.
PRINCIPAIS ATORES
As eleições parlamentares daqui são realizadas em dois turnos.
É preciso explicar essa especificidade do sistema francês: aqui, há segundo turno de eleições parlamentares, que pode ser disputado por três candidatos. O sistema é parlamentarista e as eleições parlamentares ocorrem em cada um dos 577 distritos, cada um com seus respectivos candidatos.
SOBRE AS FORÇAS POLÍTICAS
Na direita liberal, está o presidente Macron. O primeiro-ministro é Gabriel Attal, do mesmo partido de Macron, o Renascimento.
Na Esquerda, está a Frente Popular, Front Populaire. Ela se formou depois das eleições de 9 de junho. Não é um partido. É uma frente de esquerda formada por quatro partidos. Ela reúne grupos que vão desde uma esquerda mais moderada até os mais radicais. São os socialistas, os comunistas, os verdes e a França Insubmissa – liderada por Jean-Luc Mélenchon, um dos principais atores no xadrez político que mobilizou o país nas últimas semanas.
A França Insubmissa é a corrente mais radical e também a mais influente da Frente Popular. O Partido Socialista já foi muito forte e tradicional na França e governou o país, com François Hollande de 2012 a 2017. Mas, depois de 2017, os socialistas estão enfraquecidos.
Na extrema direita, com cores fascistas, está o partido Rassemblement National, liderado por Marine Le Pen, e madrinha política de um dos nomes mais novos do grupo, Jean Bardella, de 28 anos.
PRIMEIRO MOMENTO
Começamos pelo 9 de junho, o primeiro momento dessa história. Foram eleições para o Parlamento europeu. Elas não motivaram as pessoas. Acho que foi assim em todos os países. Particularmente na França, não ocorreram grandes mobilizações. Vi pouca coisa na rua. Até fiz uma foto – ela está aqui na página – de um pôster com o Mélenchon. De resto, foi tudo muito discreto na cidade nesse primeiro momento.
O resultado dessas eleições foi amplamente favorável para a extrema direita de Marine Le Penn. E é a partir desse resultado que ocorre o que chocou todo mundo e que nenhum observador, nenhum cientista político, ninguém antecipava: a decisão de Macron, logo na noite de 9 de junho, de dissolver o Parlamento e convocar novas eleições em três semanas. Foi uma decisão drástica, com um intervalo de tempo mínimo. Em 9 de junho, dissolveu o Parlamento, convocou o primeiro turno da eleição para 30 de junho e o segundo turno para 7 de julho.
CONTER A EXTREMA DIREITA
A partir da decisão de Macron, na noite de 9 de junho, começa uma sensação geral, um imperativo de mobilização para conter a extrema direita. A extrema direita parecia mais forte do que nunca. Ninguém jamais supôs que a extrema direita estivesse tão forte como ela se mostrou nas eleições europeias do dia 9.
Para conter esse crescimento, a esquerda se uniu e formou a Frente Popular.
FRENTE POPULAR
Há uma tradição francesa, desde os anos 90, da formação de blocos chamados de frentes republicanas. São frentes contra o fascismo e contra a extrema direita.
Mas, no caso da Frente Popular de agora, há algo de novo. Não é uma frente republicana como as anteriores. É uma frente só da esquerda. Só de partidos de esquerda. Só de partidos desse campo e espectro político.
Ela é uma frente de esquerda formada para disputar as eleições e conquistar cadeiras no parlamento. É uma frente eleitoral, circunstancial, formada logo depois do 9 de junho, data da dissolução do parlamento.
AS INTENÇÕES DE MACRON
Com a decisão do Macron de dissolver o parlamento, começa um clima bem diferente na cidade e no país. Todos queriam entender e interpretar o gesto do Macron: O que ele estava querendo? Qual a estratégia política por trás?
O impacto imediato da decisão de Macron foi abafar a vitória da extrema direita no Parlamento Europeu. Ao dissolver o parlamento francês e convocar eleições, ele gera uma crise interna e isso reduz a visibilidade de vitória da extrema direita. Ele mudou o foco. Criou um fato político maior: o parlamento foi dissolvido e vai ter eleição daqui a 21 dias. Isso abafou a vitória da extrema direita, ao mesmo tempo em que colocou um desafio na mesa. É como se estivesse desafiando a extrema direita, falando: “agora vamos ver mesmo se vocês estão fortes mesmo? Vamos para a eleição que interessa de verdade, que são as eleições francesas”. Acho que isso foi um impacto imediato.
MACRON APOSTOU NA DIVISÂO
Acho que uma interpretação muito corrente e muito plausível é a de que Macron fez o que fez, pressupondo uma divisão da esquerda. A esquerda foi para a eleição parlamentar europeia totalmente dividida, rachada, brigada entre si. Macron apostou que essa divisão se repetiria no primeiro turno das eleições francesas e que as forças macronistas receberiam o apoio da esquerda no segundo turno.
O pressuposto dessa lógica era que a esquerda ficaria em terceiro lugar, os macronistas em segundo e a extrema direita em primeiro. Nada disso aconteceu.
MACRONISTAS ENFRAQUECIDOS
É preciso entender que naquele momento da dissolução do Parlamento, havia uma crise dentro do governo Macron. A força dos macronistas estava truncada. O primeiro-ministro, um macronista, já vinha com dificuldade de governar.
ESQUERDA UNIDA
Logo após a dissolução do Parlamento, a esquerda se reúne. Os líderes do Partido Comunista francês, dos Ecologistas, da França Insubmissa e do Partido Socialista se encontram e resolvem se unir para formar uma nova Frente Popular para disputar as eleições parlamentares com uma chapa só.
Essa decisão pega todo mundo de surpresa, inclusive Macron e o macronismo.
Todo mundo achava que seria muito difícil construir uma unidade em tão pouco tempo.
Aliás, esse é um elemento importante também da decisão do Macron: não só ele chama eleições, como chama eleições para o período mínimo de 21 dias.
Esse é mais um elemento para reforçar a avalição de que o propósito de Macron era inviabilizar uma unidade da esquerda. São 577 cadeiras do parlamento em disputa. São, portanto, 577 distritos diferentes, com candidatos diferentes. Seria muito difícil construir uma unidade. Mas a esquerda conseguiu o que parecia impossível: se unir e apresentar candidaturas únicas nos 577 distritos.
Fazendo assim, mudou o cenário e o macronismo foi pego, digamos, no contrapé.
MOBILIZAÇÃO GANHA AS RUAS
Se, de um lado, a cúpula da esquerda conseguiu articular a unidade, do outro era necessário mobilizar a rua, coisa que até as eleições europeias de 9 de junho não havia acontecido.
E aí realmente aconteceu algo impressionante. O assunto ganhou as ruas. As paredes viraram um mar de pôsteres, de adesivos, de cartazes dos candidatos da Frente Popular.
No bairro que eu moro, 19eme, que é uma área popular de Paris, cheia de imigrantes, a esquerda é muito forte, tem uma votação muito forte. E aí foi incrível. Os bares e os cafés entraram na campanha. Todos ficaram tomados pela campanha da Frente Popular.
Foi muito interessante ver essa campanha local e o enraizamento da esquerda nessa área. Ficou visível a cultura da esquerda. Em pouquíssimo tempo, a mobilização cresceu e ocorreram muitos atos de rua, com muita panfletagem, muito trabalho de base, e uma hegemonia do grupo França Insubmissa dentro da Frente Popular.
ENTRE 30 DE JUNHO E 7 DE JULHO
O primeiro turno ocorreu em 30 de junho, e esse é um momento-chave para entender essa cronologia.
No 30 de junho, a extrema direita teve muito voto e ficou em primeiro lugar. A Frente Popular ficou em segundo e os macronistas, em terceiro.
Portanto, a eleição no primeiro turno foi uma grande derrota do campo macronista e uma grande vitória do campo da extrema direita.
Assim que soube do resultado do primeiro turno, Mélenchon anunciou que a Frente Popular iria abrir mão de candidaturas sempre que houvesse um candidato macronista bem posicionado.
MACRON AMBÍGUO
Macron e o campo macronista deram declarações ambíguas. O campo macronista tem muita resistência à França Insubmissa.
As declarações da esquerda para a formação de uma frente republicana antifascista ou anti extrema-direita foram muito fortes. Porém, os macronistas não acompanharam essa tendência.
De todo modo, o que acontece é que, em boa parte dos distritos em que ocorreu segundo turno com três candidatos, acabou havendo, sim, a formação dessa frente republicana, a partir da desistência do candidato menos cotado para ganhar.
Com isso, ocorreu uma mudança drástica entre o primeiro e o segundo turno, em apenas uma semana.
RESULTADO SURPREENDENTE
A esquerda surpreendeu, venceu e ficou em primeiro lugar. O macronismo ficou em segundo. E a extrema direita em último – ela havia vencido no primeiro turno. Ninguém imaginava esse resultado.
E AGORA? O QUE ESTÁ
ACONTECENDO NA FRANÇA?
Vou falar um pouco sobre onde nós estamos agora. No segundo turno, ocorreu uma vitória da esquerda, mas a esquerda não tem maioria absoluta no Parlamento. A grosso modo, o parlamento está dividido assim: 1/3 para a esquerda, pouco menos de 1/3 para a direita liberal macronista e um pouco menos ainda para a extrema direita. Dessa forma, é muito difícil montar um governo.
A esquerda vitoriosa no segundo turno diz que não vai fazer coalizão com a direita liberal de Macron para governar. Ela diz que tem direito de governar e que o Macron deve, portanto, fazer o que é de praxe, que é nomear o primeiro-ministro do grupo vencedor.
O problema é que a Constituição francesa dá muitas prerrogativas para o Macron. Ele pode nomear quem quiser, nada constrange o Macron a nomear quem ele quiser, de qualquer grupo político. Essa é a raiz do impasse atual. Ele não está obrigado a nomear um primeiro-ministro da Frente Popular ainda que a Frente Popular tenha ganhado as eleições.
O esperado, claro, seria o gesto de respeitar o voto popular, de respeitar a voz das urnas que deu a vitória para esse grupo.
Mas Macron está falando o seguinte: não é bem assim, a vitória foi muito apertada, vou nomear meu candidato.
Ainda não se sabe o que ele vai fazer.
Qual é o risco? O risco é você ficar numa situação de impasse em que, por exemplo, Macron usa a prerrogativa dele de nomear quem ele quiser e o Parlamento votar uma moção de desconfiança e derrubar o primeiro-ministro indicado.
Aí Macron nomeia outra pessoa. O Parlamento rejeita e o processo acontece sucessivamente. Isso gera uma enorme crise.
Para o sistema político francês voltar a ser funcional, vai depender das conversas de Macron com o parlamento e também da sua disposição de crise de respeitar o resultado das urnas.
No limite, se você tem esse impasse, perdurando no tempo, você tem até uma situação que pode levar a uma renúncia do Macron e a convocação de novas eleições presidenciais. É óbvio que isso está muito distante no horizonte. Mas enfim, nós estamos num contexto político aqui na França que ninguém imaginava que ele fosse dissolver o parlamento e ele dissolveu. Estamos vivendo situações meio inimagináveis aqui na França.
FALSA EQUIVALÊNCIA
Mélenchon certamente não se sentou com Macron para traçar a estratégia eleitoral. Pelo contrário. Macron não tem qualquer relação com a França Insubmissa. Macron odeia Mélenchon, odeia a esquerda radical e não tem nenhuma relação com Mélenchon. Em boa parte do primeiro turno, Macron usou o velho discurso das falsas equivalências, em que ele falava da França Insubmissa e da esquerda radical como se fossem um equivalente da extrema direita.
Só que não são equivalentes. A extrema direita é abertamente misógina, xenófoba, racista.
Vale lembrar que a tática de Macron de equivaler aesquerda à extrema direita foi amplamente mal sucedida nas urnas.
MACRON NÃO É CENTRO. ELE
REPRESENTA UMA DIREITA LIBERAL,
Não uso a categoria de centro para enquadrar o Macron. O campo macronista se elegeu pela primeira vez em 2017 apelando muito para esse discurso ‘não sou de direita nem de esquerda’. Esse é um discurso liberal clássico que, em geral, tende a ser da direita, da direita democrática, tolerante, mas da direita.
A partir de 2022, Macron tem adotado cada vez mais um discurso, uma linguagem, e ideias do campo da direita mesmo, e às vezes até da extrema direita em algumas questões. Então eu diria que o campo do macronismo é o campo da direita.
ACORDO TÁCITO
Logo após o primeiro turno, a esquerda e o macronismo fizeram uma espécie de acordo tácito e formaram uma Frente Republicana para barrar a extrema direita. Esse acordo já é tradicional na França e que ocorreu nas últimas duas eleições presidenciais.
Nas duas últimas eleições presidenciais, quando a Marine Le Pen, da extrema direita, esteve no segundo turno, a esquerda se uniu com a direita liberal e deu apoio expressivo ao Macron para barrar a Le Pen. O que aconteceu agora foi um pouco a reedição desse acordo.
EXTREMA DIREITA EM ASCENSÃO
No curto prazo, foi uma vitória importante da esquerda e que merece ser comemorada. Mas, se você analisa a médio prazo, há elementos preocupantes. A extrema-direita cresceu muito no parlamento francês quando comparamos com 2022. Hoje a direita tem uma quantidade de cadeiras no parlamento francês que nunca teve. E ela acabou de ganhar as eleições no parlamento europeu.
Existe uma tendência de ascensão da extrema direita. Essa tendência é inegável e ela não pode ser esquecida por causa de uma vitória circunstancial.
A recente vitória da esquerda na eleição legislativa foi muito apertada. Não podemos esquecer isso. Aliás, isso ocorre em vários países, inclusive no Brasil.
É preciso ficar claro que o resultado eleitoral circunstancial dessa eleição não anula, não invalida nem reverte automaticamente a tendência de médio e de longo prazo de ascensão da extrema direita.
LIÇÃO DA FRANÇA: FAZER ALIANÇAS PARA DERRUBAR A EXTREMA DIREITA
Ainda que existam circunstâncias muito específicas e conjunturais dessa eleição francesa, pode-se dizer que a estratégia de fazer aliança para derrubar o fascismo e a extrema direita é lição importante para o mundo.
Não aconteceu a sessão especial do Conselho Universitário desta quinta (18) que iria deliberar sobre a a troca dos 11 andares que a UFRJ possui no prédio corporativo Ventura Towers por obras de infraestruturas acadêmicas e de assistência estudantil. O quórum mínimo de 41 integrantes do colegiado para iniciar a reunião especial não foi atingido até o horário estabelecido pelo regimento, às 10h. "Lamento muito o esforço que todos fizeram para estar aqui, mas temos que seguir à risca o regimento do conselho", disse o reitor Roberto Medronho.
A conclusão de obras inacabadas — como o complexo CCJE-CFCH, ao lado da Letras — e mais dois restaurantes universitários (um no Fundão e outro em Macaé) fazem parte da lista de contrapartidas já noticiada na edição nº 1.323 do Jornal da AdUFRJ.
Houve duas audiências públicas sobre o projeto, que podem ser conferidas no canal da UFRJ no Youtube.
Foto: Kelvin Melo
Professor João Ferraz apresenta projeto na audiência do CCS - Foto: Fernando SouzaRenan FernandesO projeto de valorização dos ativos imobiliários da UFRJ foi tema de audiência pública na quinta-feira (4), no auditório Quinhentão, no CCS. A reitoria apresentou à comunidade acadêmica a proposta de alienação conjugada das 11 unidades do Edifício Ventura Corporate Towers que pertencem à UFRJ. “O princípio é de uma transação in natura, uma troca. A UFRJ cede 16.663 m² de ativos imobiliários e recebe 71.354 m² de investimentos em infraestruturas acadêmicas e de assistência estudantil”, disse o professor João Carlos Ferraz, do Instituto de Economia, membro da comissão que assessora a reitoria na questão.
O reitor Roberto Medronho fez um apelo a favor da aprovação da permuta no Consuni. Serão necessários votos de dois terços dos conselheiros, ou 41 votos, para que a questão seja aprovada. “O Ventura não vai resolver todos os problemas da universidade, mas é o início de um processo. Esse não é um projeto de governo, mas de Estado. Passou por três reitorias com visões diferentes sobre o que é melhor para a UFRJ”, explicou.
O valor dos 11 andares do prédio e das contrapartidas previstas na licitação foi alvo de inquirição dos presentes na audiência. O técnico-administrativo Agnaldo Fernandes, superintendente do Centro de Tecnologia, levantou dúvidas quanto às cifras envolvidas na negociação. “Para fazer uma transação comercial temos que saber quanto vale o patrimônio. Precisamos dessa informação para o Consuni tomar uma decisão”, indagou.
A reitoria adotou a estratégia de não divulgar o valor dos ativos da universidade no edifício Ventura para não influenciar a licitação. Com base no histórico de receitas e despesas provenientes da administração do prédio, os cálculos preveem que a alienação vai gerar em três anos os recursos que demorariam 52 anos sem a negociação.
Uma segunda audiência acontecerá no dia 10 de julho, às 11h, no Salão Pedro Calmon, no Palácio Universitário.
DOCENTES DO IM QUESTIONAM PRIORIDADES
Prédio do Instituto de Matemática - Foto: Arquivo AdUFRJApós a apresentação do projeto na audiência pública do CCS, alguns professores questionaram a inclusão das obras de conclusão do prédio do Instituto de Matemática (IM) no segundo bloco de contrapartidas, com a previsão de início das obras 26 meses após a assinatura do contrato.
“Nossa unidade está sendo inviabilizada. Temos pós-graduação nota sete na Capes, nossos formandos têm emprego, mas o que nos limita é a infraestrutura. Estamos perdendo pesquisadores para São Paulo, para o exterior e para empresas privadas. É uma concorrência desleal”, disse o professor Gregório Malajovich, do IM.
A professora Luciana Salgado compartilhou o mesmo receio sobre a fuga de cérebros do IM e cobrou valorização. “Nosso instituto é um dos que mais presta serviços para diferentes unidades da universidade. Desde que entrei, em 2018, a evasão de professores e pesquisadores da Matemática é surreal. Os motivos são variados, mas o principal é a falta de estrutura”, lamentou.
“Existe uma solução que é retomar essa obra. Por que não colocar à frente as obras que possam ser concluídas rapidamente?”, perguntou Gregório Malajovich. Uma estimativa de custo do Escritório Técnico da Universidade (ETU), feita em maio deste ano, orçou o investimento necessário para concluir o prédio em R$ 10,9 milhões.
O docente leu a conclusão de um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), emitido em 2016, que determinou celeridade na conclusão das obras do IM. Os ministros do TCU seguiram o voto da relatora que recomendou a implementação de todas as medidas necessárias para colocar o prédio em funcionamento.
Medronho minimizou o impacto da decisão judicial na hierarquização das contrapartidas. “Infelizmente, estamos com o TCU, a Controladoria Geral da União e o Ministério Público em várias edificações. Todo dia chega uma intimação para o reitor da ocasião. Sobre a Escola de Educação Infantil, o Colégio de Aplicação, o Hospital Escola São Francisco de Assis, o prédio da Praça da República… É um inferno na torre”, lamentou.
As dez contrapartidas previstas no projeto foram separadas em dois grupos de prioridade, conforme pontuação definida por cinco princípios do Plano Diretor da UFRJ: interesse público; número de frequentadores e área; estado de conservação; finalidade da intervenção; e segurança.
A principal crítica dos professores da Matemática foi em relação ao prédio do CCJE/CFCH estar incluído no primeiro grupo de contrapartidas que terão as obras iniciadas oito meses após o acordo firmado. A estrutura básica do edifício foi erguida ao lado da Faculdade de Letras, na Cidade Universitária, e ficou conhecida como “paliteiro”.
“Se tenho um cômodo da minha casa com uma obra inacabada, minha prioridade é concluir antes de começar outra. A obra do CCJE/CFCH é muito mais complexa e onerosa que a do IM. De forma pragmática, o ideal é finalizar o que está próximo do término”, argumentou a professora Maria José Pacífico. A docente expressou preocupação com a possibilidade de novas interrupções no futuro. “O campus do Fundão é um cemitério de prédios. Estou na UFRJ desde os anos 80 e atravessei todos os projetos que não foram terminados nas últimas décadas”, concluiu.
“Do ponto de vista técnico, tivemos que chegar em algum critério para estabelecer uma pontuação feita pelo Plano Diretor. Podemos mudar? É o coletivo quem vai decidir. Agora, se mudarmos a ordem das contrapartidas, qual será a reação das unidades que forem mudadas de posição?”, questionou Ferraz em defesa do trabalho da comissão nos últimos sete anos.
A professora Claudia Cruz, pró-reitora de Gestão e Governança, mostrou solidariedade com as demandas apresentadas pelos docentes. “Nossa necessidade é tão grande que precisaríamos de três ou quatro Venturas para atender todo mundo. Qualquer escolha que fizéssemos seria passível de questionamento. Entendemos a situação dramática de quem está em prédio sem estrutura ou quem está em prédio emprestado”, explicou.