Accessibility Tools
A diretora Nedir do Espirito Santo participou da marcha Foto: Fernando SouzaDIVERSIDADE. Assim, em negrito e letras maiúsculas, é a palavra que traduz a passeata de 8 de março, Dia Internacional da Mulher, no Centro do Rio. Negras, brancas, indígenas, trabalhadoras e estudantes, mães, filhas, avós foram para a rua no primeiro grande ato feminino desde o início da pandemia. Ali, atrás da Candelária, e sobre o asfalto da Rio Branco, elas eram muitas e sob um mesmo sonho: o de um mundo melhor, menos desigual e mais inclusivo.
Representações docentes das universidades públicas do Rio participaram do ato. A AdUFRJ também estava presente com sua antiga e enorme bandeira de cetim, com os dizeres “A luta pela paz é Feminina” – tema, aliás, mais atual do que nunca. “Vimos gritos de indignação que ecoam desde o caso Marielle, lutadora pelos direitos das mulheres e cidadãos massacrados pelo sistema perverso que furta a dignidade humana, até a violência de uma guerra em que vemos mães ucranianas desesperadas para protegerem seus filhos”, observou a professora Nedir do Espirito Santo, diretora da seção sindical. Para a professora, o ofício de ensinar também precisa ser transmitido nas ruas. “Não basta falarmos de indignação entre quatro paredes. Temos que ir para as ruas e a AdUFRJ tem que estar presente nesses movimentos”, afirmou.
Ensinar também é ofício materno. A marcha das mulheres foi momento de mostrar às novas gerações que elas podem ser o que quiserem. Renata Gracie, pesquisadora da Fiocruz, levou sua filha Laura, de 10 anos, para a atividade. “Apesar de toda a situação triste do nosso país, participar do ato foi uma recarga de energia muito forte e ter minha filha junto teve um sentido pedagógico muito bonito”, disse. “Ela ficou muito feliz por participar e pelos reencontros”
Ex-presidente da AdUFRJ, a professora Eleonora Ziller também se emocionou com a marcha. “Este ato nos mostra que estamos dispostas para a luta”, afirmou. “Estou superemocionada, feliz, carregando junto a bandeira da AdUFRJ”. Eleonora foi uma das pessoas que segurou, junto com a professora Nedir, o bandeirão de 9,5 metros de comprimento por 7 metros de largura da seção sindical. Durante o percurso, outras mulheres e alguns homens se revezaram na tarefa de levar a mensagem da AdUFRJ até a frente do Theatro Municipal.
Dentre tantos gritos, o de igualdade e pela vida de todas as mulheres. “Parte de nós sequer é lida como mulher. E, portanto, sequer tratada como sujeito de direitos”, observou a jornalista Camila Marins, ativista do movimento de mulheres lésbicas. “Temos muitas lutas: o combate ao estupro corretivo (crime, tipificado em lei, direcionado a “curar” a orientação sexual de pessoas da comunidade LGBTQIA+), a luta contra as violências doméstica e policial e por políticas de saúde para mulheres lésbicas, já que muitas não têm acesso ao preventivo pelo fato de não terem relação com homens. O que é um completo absurdo”, criticou.
Bandeirão da AdUFRJ levou a mensagem "A luta pela paz é feminina" - Foto: Fernando Souza
A AdUFRJ promoveu a live “Elas inspiram” na manhã do dia 8 de Março, um bate-papo entre as diretoras do sindicato e as reitoras Denise Pires de Carvalho, da UFRJ, e Joana Guimarães, da Federal do Sul da Bahia. O evento marcou as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher e foi transmitido pelos canais da seção sindical no Youtube e no Facebook. As diretoras Karine Verdoorn, Eleonora Kurtenbach, Nedir do Espirito Santo e Ana Lúcia Fernandes foram as mediadoras e entrevistadoras da live e conduziram a conversa por assuntos como igualdade de gênero, inclusão, vida acadêmica, desafios das universidades, entre outros temas.
Primeiras pessoas de suas famílias a ingressarem num curso de nível superior, as duas reitoras deram depoimentos tocantes sobre a transformação e mobilidade social proporcionadas pelo acesso à universidade. “Vivíamos no interior da Bahia e um dia minha mãe resolveu ir para a cidade para que seus seis filhos estudassem”, contou a reitora Joana Guimarães. “Meus pais não puderam estudar e passamos muitas dificuldades porque meu pai era um homem da lavoura. Um dia ele disse para minha mãe: ‘Vamos voltar para a roça. Lá, pelo menos, a gente tem o que comer’”, lembrou a dirigente. “Minha mãe, então, respondeu: ‘Não vamos voltar para a roça. Eu morro de fome, mas meus filhos não saem da escola’”, disse, emocionada.
A reitora da UFRJ lembrou que seu pai era seu maior incentivador. “Também sou a primeira pessoa da minha família a ingressar e me formar numa universidade e meu pai sempre me dizia que a educação é a melhor herança que se pode deixar para um filho. Foi isso que eu fiz com as minhas filhas”, disse a professora. “A gente não pode abandonar os nossos sonhos. Nossas famílias viram o poder transformador da educação. É preciso que todas, todos e todes tenham oportunidade de escolha na nossa sociedade. É a educação que retira as amarras do silenciamento”, afirmou a reitora.
Pesquisadoras de carreira reconhecida no Brasil e no exterior, Denise e Joana falaram das disparidades de gênero e das dificuldades enfrentadas por mulheres para seguir uma carreira acadêmica. “O Brasil tem evolução positiva em número de publicações femininas. Nos equiparamos a Portugal e Estados Unidos, por exemplo”, apontou a reitora Denise. “As bolsas de Iniciação Científica já são majoritariamente femininas e respondem a cerca de 56%”. Mas lá no topo da carreira, o quadro muda. “Bolsa 1A do CNPq tem em média 24% de participação feminina. Se elas são maioria na iniciação científica, por que são apenas 1/4 como 1A? O que explica isso, se não o efeito tesoura?”, questionou. O ‘efeito tesoura’ é um conceito que caracteriza o corte drástico entre a participação feminina na pós-graduação e pesquisa e o número de cientistas reconhecidas.
A reitora Joana complementou que a carga do papel doméstico feminino ainda é muito pesada e compromete, como também apontou Denise, o tempo dedicado à pesquisa. “Socialmente, tudo o que acontece na casa é culpa da mulher porque ela negligenciou a família por conta da profissão. O patriarcado está aí para nos manter neste lugar. Eu fui muito acusada por fazer o doutorado com uma filha de dois anos que ficava o dia inteiro na creche. A gestão da casa, a organização doméstica, também é um trabalho que nos demanda tempo, nos tira energia. É preciso que a gente possa se libertar disso”.
As dirigentes fazem parte da Andifes, o fórum de reitores das instituições federais de nível superior. E observaram que também neste espaço é preciso buscar mais igualdade. “Já fomos 20 reitoras, o que ainda era muito pouco. Mas hoje somos 12 mulheres na Andifes”, apontou Joana. “Um retrocesso enorme”, completou Denise.
As docentes também conversaram sobre os desafios orçamentários, a necessidade de ampliar políticas de cotas e permanência estudantil e sobre ações para tornar as universidades locais mais democráticos e igualitários. O bate-papo completo pode ser conferido na TV AdUFRJ.
Para encerrar as comemorações pelo Mês da Mulher, o Observatório do Conhecimento – rede de nove associações e sindicatos docentes, dentre os quais a AdUFRJ – vai lançar no final de março um documentário que conta a história de quatro mulheres cientistas. As gravações acontecerão nas cidades dessas personagens: Belém, Recife, Rio de Janeiro e Salvador. “São pesquisadoras que enfrentam os desafios e as delícias de ser mulher e fazer Ciência. A ideia é que a gente traga trajetórias distintas, corpos distintos, mas que se encontram na produção do conhecimento”, afirma a social media do Observatório, Andressa Oliveira. “O objetivo do documentário é mais do que valorizar as mulheres que já são cientistas. É mostrar que ser cientista é possível, mesmo quando existem obstáculos estruturais”, analisa a professora Mayra Goulart, vice-presidente da AdUFRJ. “Queremos estimular jovens mulheres que não veem a Ciência como lugar para elas”. O filme tem a produção do Observatório do Conhecimento, com direção de Rithyele Dantas, e faz parte da campanha “Elas na Ciência”.
Por Silvana Sá e Beatriz Coutinho
O ensino remoto foi necessário para a universidade, ao longo da pandemia, mas está na hora de acabar. Este é um consenso entre professores das mais diferentes unidades e centros e é o debate central da universidade nos últimos dias. Apesar da certeza sobre a importância de voltar aos campi, a comunidade acadêmica tem muitas dúvidas sobre como garantir a plena segurança de docentes, estudantes, técnico-administrativos e terceirizados após dois anos de uma pandemia que ainda mata quase mil pessoas por dia no Brasil.
Essa segurança passa pela vacinação, mas a UFRJ ainda não tem uma política clara sobre como vai cobrar a comprovação da vacina para aqueles que acessarem suas dependências. A medida já foi adotada para professores e técnico-administrativos. O controle é feito via chefias imediatas. O maior desafio é exigir a imunização dos estudantes. O segmento compreende mais de 69 mil alunos de graduação e pós-graduação.
A proposta da reitoria é a aplicação de um questionário para o controle vacinal no momento da inscrição em disciplinas. “Esse questionário tem objetivo epidemiológico, para conseguir entender quais seriam as nossas fragilidades nessa situação”, explica o vice-reitor Carlos Frederico Rocha.
A medida, no entanto, é considerada insuficiente para a comprovação da imunidade. “Não queremos um passaporte ‘para inglês ver’. Queremos que o atestado vacinal possa ser registrado no SIGA”, considera o professor João Torres, presidente da AdUFRJ. “Passaporte vacinal é importante para a proteção de toda a comunidade. Um indivíduo não vacinado vai transmitir o vírus com muito mais eficiência”, reforça o professor Roberto Medronho, coordenador do GT Coronavírus da UFRJ.
A preocupação do docente, especialista em epidemiologia, se justifica pelos números. Apesar dos bons índices atingidos até agora no país, muita gente ainda não se imunizou. A taxa de pessoas com o esquema completo no Brasil, entre a população vacinável, é de 78%. Entre os maiores de 18 anos, menos de 40% tomaram a dose de reforço, até o momento. No Rio de Janeiro, o índice dos imunizados é de 71% entre aqueles acima de 5 anos de idade, e de 80% entre maiores de 12 anos.
Com boas taxas, mas ainda aquém do ideal, o professor Medronho recomenda que a universidade realize a cobrança aos estudantes via Sistema Integrado de Gestão Acadêmica (SIGA). “Os alunos podem fazer o upload do comprovante no momento da matrícula no SIGA. E no diário do professor pode estar indicado os alunos que não se vacinaram. O docente teria o poder de cobrar um teste negativo dos não vacinados”, sugere. “Considero perfeitamente factível que a nossa universidade, que tem grande tradição na área de tecnologia e computação, cobre esse comprovante nesta forma digital”.
Outra proposta aventada – e que começou a ser colocada em prática em algumas unidades – foi a cobrança do comprovante nas portarias dos edifícios. Neste caso, o profissional terceirizado de segurança é o responsável por exigir o documento de vacina. A medida, no entanto, apresenta limitações, e fica inviável num contexto de alta circulação de pessoas. “Formalmente, não temos uma designação de recursos humanos para uma cobrança nas nossas entradas”, pontuou a professora Terezinha Marta Castiñeiras, chefe do Departamento de Doenças Infecciosas da Faculdade de Medicina, durante a Plenária de Decanos e Diretores da última terça-feira (22).
Coordenadora do Centro de Triagem Diagnóstica (CTD) da UFRJ, ela também é a favor do questionário para mapear pessoas não imunizadas. “Os não vacinados constituem uma população pequena, não vejo isso como um grande desafio, e a expectativa é que essas pessoas tenham se infectado com a Ômicron. Isso significa um período de pós-infecção que coincide com o nosso retorno”, explica. A infectologista aponta a boa cobertura vacinal do estado do Rio como critério para que as preocupações em torno dos não vacinados seja reduzida. Além disso, ratifica o apoio do CTD na vigilância epidemiológica e no monitoramento de casos.
Para o professor Pedro Lagerblad, do Instituto de Bioquímica Médica, qualquer decisão que se tome sobre o passaporte vacinal precisa ser de caráter educativo. “É uma questão de marcar posição, mas com impacto epidemiológico pequeno, por conta da taxa de vacinação na cidade do Rio de Janeiro, que é de 90%”, declara. “É relevante pedir, do ponto de vista educativo, mas eu não acho que se deva impedir a matrícula de alunos não vacinados, por exemplo”.
As mudanças no cenário epidemiológico, segundo o docente, apontam para uma tendência de baixa taxa de transmissão e número de casos em abril. “Ainda estamos num momento de transmissão importante, o que sustenta o argumento de exigir o comprovante. Minha impressão, no entanto, é que até o final de abril esta questão será letra morta, a menos que apareça uma nova variante”, considera o ex-diretor da AdUFRJ. “A realidade é que a gente precisa estar preparado para dois ou três cenários, mas as projeções, neste momento, indicam um cenário mais favorável em abril”.
FIORI: “EUROPEUS E OTAN NÃO TÊM FORÇA PARA ENFRENTAR A RÚSSIA NO MOMENTO”
“Depois que uma guerra começa é muito difícil prever até onde irá e quando terminará, a menos que exista um perdedor claro. Neste caso, dependerá muito da velocidade da operação militar russa e, portanto, dos seus objetivos imediatos”, analisa José Luís Fiori, professor titular de Economia Política da UFRJ e observador atento da guerra que, desde terça-feira, atormenta o mundo, ceifa vidas na Ucrânia e desafia os analistas internacionais.
Autor de O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações (Boitempo, 2007), Fiori não acredita que a invasão da Ucrânia detone uma guerra mundial nos moldes clássicos, como as que ocorreram na primeira metade do século XX, mas acha que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, não seguirá no cargo por muito tempo. “Ele será substituído de qualquer maneira”, diz. “No momento, parece pouco provável uma guerra mundial aberta. Os europeus e a Otan não têm força para enfrentar a Rússia agora. Os Estados Unidos estão muito divididos e fragilizados pela sua recente humilhação militar no Afeganistão, e pelo fracasso político de suas intervenções militares para mudar os governos ou regimes da Líbia, do Iraque, da Síria, do Iêmen, e do próprio Afeganistão”.
Fiori ressalta que, para entender as raízes do conflito, é importante recuperar a relação umbilical e histórica entre Rússia e Ucrânia. “A história da Rússia começa em Kiev por volta de 800 D.C., e nestes longos séculos o território atual da Ucrânia pertenceu a vários países e finalmente à Rússia e à URSS no século XX”, lembra o docente, detalhando em seguida o momento em que a Ucrânia conquista a independência. “Na verdade, a Ucrânia só se transforma num estado nacional autônomo em 1991, como parte da “punição” imposta à Rússia depois da derrota soviética na Guerra Fria. Agora os russos estão se propondo a modificar os termos deste “acordo de paz” que lhe foi imposto no inicio dos anos 1990. De certa forma, se poderia dizer que, em termos históricos seculares, o território ucraniano pertenceria mais à Rússia do que o de Taiwan à China”.
Isso significa que Putin queira reincorporar a Ucrânia à Rússia? Fiori responde: “Não creio que a Rússia queira anexar a Ucrânia, mas com certeza querem desmilitarizá-la ou ‘finlandizá-la’, como propôs que fosse feito por Henry Kissinger há uns sete anos”.
ZHEBIT: "SOU RUSSO E SOU BRASILEIRO NATURALIZADO. EU ME SINTO TRISTE”
Além de José Luís Fiori, o Jornal da AdUFRJ convidou o professor Alexander Zhebit para interpretar a crise que ocupou o noticiário mundial na última semana. Fundador do curso de Relações Internacionais da UFRJ, Zhebit, de 70 anos, está há quatro décadas no Brasil, e enxerga o conflito no Leste Europeu não apenas com o olhar de pesquisador. Zhebit é russo e, claramente, um defensor da perspectiva russa do confronto. Nascido na cidade de Brest, na Bielorrússia, ele nos concedeu a seguinte entrevista.
- Jornal da AdUFRJ - O senhor é russo. Como foi receber a notícia do começo da guerra?
Alexander Zhebit - Sou russo e sou brasileiro naturalizado. Eu me sinto triste e revoltado com qualquer guerra, que deve ser banida da sociedade. Esta que começou é a continuação da guerra que já dura mais de oito anos em Donbass. É uma guerra fratricida entre irmãos, porque russos e ucranianos são povos irmãos, ligados étnica, cultural, linguisticamente. Espero que o conflito termine o mais rápido possível, resultando numa solução pacífica e negociada com a participação ampla da comunidade internacional em que as ameaças à segurança de ambos os lados sejam enfrentadas e eliminadas, com base na reconfiguração do sistema de segurança na Europa, deixando o espírito da Guerra Fria e a existência da Otan no passado.
- O senhor acha que a guerra vai escalar a níveis mundiais?
A guerra começa e ninguém sabe como termina. Porém, este conflito não vai evoluir para um conflito mundial, justamente porque a Ucrânia, graças a Deus, ainda não é país-membro da Otan. Portanto, os Estados Unidos e os outros 29 países não poderão intervir. Mas as intenções deste bloco militar remanescente da Guerra Fria estão claras e foram percebidas pela Rússia.
- Qual o objetivo real de Putin? É apenas conter a Otan, mas também retomar, de alguma forma, o poder soviético? Nesse caso, a guerra real seria para anexar a Ucrânia?
O objetivo da Rússia consiste em proteger a sua segurança, ameaçada pela Otan e pelos Estados Unidos, o líder inquestionável da política antirrussa na Europa e no mundo. Os Estados Unidos declararam a Rússia e a China, na sequência da Nova Guerra Fria, como seus principais adversários. A Otan se expandiu militarmente depois da Guerra Fria, desde 1997, de 16 a 30 países-membros, invadindo a Europa Central e Oriental, assim como declarou a intenção de engolir as repúblicas da antiga União Soviética e chegar às fronteiras da Rússia, com mísseis e armamentos nucleares. Isto representa a maior ameaça à existência da Rússia desde a Segunda Guerra. A Ucrânia se propôs a entrar na Otan depois do golpe de Estado de 2014, que trouxe ao poder um governo nacionalista, radical e antirusso, apoiado por movimentos neonazistas ucranianos, e, sobretudo, pelos Estados Unidos e pela Otan. Assim, ela começou a ser usada como testa de ferro na política de deslocamento e da estrangulação econômica e política da Rússia. Em 2014, devido ao assalto armado pelo governo de Kiev às comunidades russas na Ucrânia, estas regiões tiveram que resistir e proclamar a independência. As repúblicas separatistas foram transformadas em enclaves de genocídio da população russa, deixadas sem alimentos, sem remédios, sem aposentadoria, sem serviços sociais, odiadas pelo governo da Ucrânia porque eram russas que queriam falar a sua língua, manter a sua cultura e ser respeitadas. Você pergunta se a Rússia quer anexar a Ucrânia e restaurar a União Soviética? O messianismo soviético ficou no passado e acabou com a fim da União Soviética. A Rússia não pretende anexar a Ucrânia, porque a Rússia vai cuidando da sua segurança nas condições em que a Ucrânia se candidata a membro da Otan e a Rússia leva a sério a pretensão da Ucrânia de se tornar um país-detentor de armas nucleares, o que o governo ucraniano declarou publicamente.
- Quem é o presidente ucraniano? Qual o peso da ultra-direita nazista em seu governo?
Quanto ao presidente da Ucrânia, diz-se que é um judeu e em tese não pode favorecer grupos nazistas. Seria bom se fosse assim. Mas a realidade demonstra o contrário. O governo dele estabeleceu símbolos, feriados dos partidos e dos líderes nazistas, chamados pudicamente nacionalistas, e que serviam à Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. A russofobia se desenvolve na Ucrânia porque o peso da ideologia nacional-socialista na política ucraniana é grande. O partido comunista e outros partidos que representam províncias russas foram proibidos na Ucrânia. Aconteceu a lustração do país. A língua russa foi proibida na comunicação social e nas escolas e nas universidades. A etnia russa deixou de fazer parte dos principais povos radicados na Ucrânia, nem é mencionada na legislação respectiva. A perseguição, tortura, humilhação e assassinatos de antigos deputados, de políticos, de servidores, de jornalistas, de simpatizantes do governo russo, de ativistas de direitos humanos, tornaram-se práticas cotidianas, apoiadas pela Justiça do país. O assassinato bárbaro de 47 ativistas antigoverno em Odessa (em maio de 2014), que foram queimados vivos pelos grupos da extrema-direita, continua impune. Os tiroteios que provocaram a morte de mais de cem participantes dos protestos no Maidan em fevereiro de 2014 não tiveram investigação conclusiva. A corrupção continua assolando o país, outrora rico e agora um dos menos desenvolvidos na Europa. É assim que funciona a democracia ucraniana.
- O senhor faz uma avaliação minuciosa do presidente da Ucrânia, do ponto de vista do desrespeito sistemático aos direitos humanos e à democracia. Mas qual sua avaliação sobre Putin sob essa mesma perspectiva?
A democracia russa é nova e vai evoluindo, se erigindo desde os anos 1980, com a transformação democrática que aconteceu nos anos finais da União Soviética, antes da desintegração, e que se baseia no Estado de Direito, mas é suscetível às influências culturais, religiosas e históricas de um país sofrido por duas Guerras Mundiais, por regimes tanto opressores, como stalinismo, quanto autoritários do período comunista. Ela viveu lições históricas da violência das revoluções, das guerras mundiais e civis, do terrorismo e do separatismo, aprendendo que elas não deveriam se repetir na vida da geração presente e das gerações vindouras.
- Mas o senhor não falou sobre Putin...
Putin é seguidor das tradições russas e das normas internacionais em direitos humanos. Tem sido considerado autoritário no Ocidente, principalmente por sua oposição feroz ao terrorismo, particularmente durante a Guerra da Chechênia, ou então pela suposta perseguição de oponentes políticos, como Navalny, este último um opositor brandido com um apoio ocidental bem amplo.
Em plenária virtual realizada na terça-feira (22), o Setor das Instituições Federais de Ensino (Ifes) do Andes aprovou calendário de mobilização que indica para o dia 23 de março a deflagração de uma greve nacional dos servidores públicos federais por tempo indeterminado, caso o governo não aceite negociar reajustes salariais. A data foi definida na mesma terça-feira por entidades reunidas pelo Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) e pelo Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate). Os servidores reivindicam reposição salarial de 19,99% — referente a perdas nos três anos do governo Bolsonaro. O calendário também prevê o Dia Nacional de Mobilização, em 16 de março, com manifestações em vários estados e no Distrito Federal.
Na plenária do Andes, o indicativo de greve a partir de 23 de março recebeu 33 votos favoráveis, nenhum contra e três abstenções — uma delas da AdUFRJ. “Vamos nos mobilizar para fazer ações no dia 16, junto com outras categorias, mas a questão da greve por tempo indeterminado vai ser discutida na assembleia do dia 18 de março. Nossa assembleia apontou na direção da construção de um movimento de recomposição salarial, e estamos firmemente engajados nisso. Mas tivemos na assembleia muitas vozes críticas a uma greve por tempo indeterminado. Daí a nossa abstenção. Eu mesmo fui e sou uma dessas vozes. Sou contra a greve por tempo indeterminado, a nossa diretoria como um todo é contra, principalmente agora, quando quase toda a categoria trabalha de forma remota e estamos nos preparando para o retorno presencial”, pontuou o professor João Torres, presidente da AdUFRJ, que participou da plenária do Andes.
Apesar da larga margem favorável, a plenária do Andes mostrou que muitas seções sindicais enfrentam dificuldades de mobilização de suas bases para uma greve por tempo indeterminado, em um momento em que grande parte das universidades está em período de férias ou em processo de retomada de aulas presenciais, após dois anos de ensino remoto na pandemia de covid-19.
DIFICULDADES NA BASE
Alguns relatos na plenária do Andes dão a dimensão das dificuldades de mobilização enfrentadas em muitas instituições federais de ensino para a deflagração de uma greve por tempo indeterminado. Em algumas, além da desmobilização da base de docentes, há resistências por parte dos estudantes e da própria sociedade local. “Estávamos muito envolvidos com a mobilização para o retorno presencial e, junto com outras categorias, conseguimos pressionar o Conselho Universitário a aprovar a exigência do passaporte vacinal. Estamos agora engatinhando na mobilização pela construção da greve, temos muito a construir”, relatou o professor Leonardo Botega, diretor da Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria (RS).
O calendário acadêmico é um entrave em algumas universidades. “Estamos começando agora 2021.2, e isso fez com que nós ainda não tenhamos feito sequer uma assembleia para debater o tema”, contou o professor Thiago Arruda, vice-presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal Rural do Semi-Árido. O presidente da Seção Sindical dos Docentes da Universidade Tecnológica do Paraná, Lino Trevisan, também relatou que a entidade não conseguiu ainda fazer uma assembleia para discutir o indicativo de greve. Secretária-geral da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas (Adufal), a professora Irailde Correia descreveu uma dificuldade adicional em sua base: “Nosso semestre começa em 21 de março de forma presencial. É o mesmo período de mobilização para a greve”.
Os problemas de mobilização ocorrem mesmo em algumas seções sindicais onde já foram feitas reuniões prévias de avaliação do movimento. “Vamos fazer uma assembleia em 9 de março, convocando também os estudantes e os técnico-administrativos, mas temos enfrentado dificuldades para mobilizar a nossa base”, contou a professora Edivania Alves, diretora-geral da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Pará.
A professora Celeste Pereira, secretária-geral da Associação de Docentes da Universidade Federal de Pelotas, relatou problemas de articulação com outras categorias, no âmbito do Fonasefe, como um obstáculo a ser superado na construção de um movimento nacional dos servidores públicos. O mesmo obstáculo foi levantado pelo professor Fernando Nogueira, presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Lavras (MG): “Temos que construir a unidade com outros setores do Serviço Público Federal e dialogar mais amplamente com a população”, defendeu Nogueira, que também apontou a resistência da reitoria ao movimento. “Temos uma reitoria bolsonarista, interventora e estamos sob constante ataque. A reitoria conseguiu até mesmo barrar a exigência do passaporte vacinal para o retorno às aulas presenciais”.
FALTA DE DIÁLOGO
Inicialmente, o indicativo para o início de uma greve por tempo indeterminado dos servidores públicos federais estava previsto para 9 de março. Mas, também por dificuldades de mobilização para uma data tão próxima, o indicativo foi alterado para 30 de março. Esta semana, a data foi novamente alterada para 23 de março, levando em conta que o dia 30 é bem próximo de 4 de abril — esta a data-limite para a concessão de reajustes ao funcionalismo público, de acordo com a Lei 9.504/77 (Lei Eleitoral), que veda medidas nesse sentido de 180 dias antes da eleição até a posse dos eleitos.
Até o momento, o governo Bolsonaro não tem demonstrado motivação para o diálogo com os fóruns nacionais de servidores federais. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já afirmou em várias entrevistas ser contrário à concessão de reajustes a servidores federais este ano.
As entidades representativas de servidores insistem na abertura de negociações, mas sustentam que a greve é um instrumento legítimo de pressão. “O índice que reivindicamos não recupera nossas perdas, só repõe parte delas. O calendário que estamos apresentando busca construir uma unidade dos setores que estão mais avançados e organizados em relação à construção da greve com aqueles que têm outro ritmo. O Dia Nacional de Mobilização, em 16 de março, vai ser decisivo para a gente. Temos que dar um ultimato ao governo Bolsonaro nesse dia, com manifestações em todo o país, e dar o prazo de uma semana para que ele nos responda, ou então vamos para a greve. Isso não é um blefe”, assegurou David Lobão, coordenador-geral do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) e uma das principais lideranças do Fonasefe.