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Silvana Sá
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O Brasil perdeu 1.910 vidas na quarta-feira (3). Significa 1,3  morte a cada minuto e traduz um país acuado diante de uma escalada sombria. Dos dez maiores totais deWhatsApp Image 2021 03 05 at 09.42.03 mortes registradas em 24 horas desde o começo da pandemia, sete aconteceram nos primeiros meses de 2021. Três desses recordes ocorreram nos últimos dez dias e obrigaram a Fiocruz a lançar um boletim extraordinário sobre a evolução da doença.

Na noite de terça-feira, 2, a Fiocruz lançou um documento sobre a evolução da doença. Os pesquisadores afirmam no boletim que “os dados apresentados, embora alarmantes, constituem apenas a ponta do iceberg de um patamar de intensa transmissão no país”.

O documento da Fiocruz foi fundamental para que a Prefeitura do Rio publicasse no dia 4 um decreto aumentando as restrições para conter o avanço da pandemia na cidade. O decreto permanece em vigor do dia 5 ao dia 11 de março, quando haverá nova avaliação da situação na cidade. As escolas públicas e privadas permanecem abertas.

A norma proíbe:

# O funcionamento de bares e restaurantes das 17h às 6h
# A permanência na rua das 23h às 5h – a circulação ainda está autorizada
# A realização de festas e eventos em espaços abertos e fechados
# A realização de feiras
# O comércio nas praias e orla.

Mas epidemiologistas avaliam que as medidas ainda não são suficientes. O próprio boletim da Fiocruz recomenda medidas mais duras, como restrição de todas as atividades não essenciais, além de ampla testagem da população, rastreamento e isolamento de casos, aceleração da vacinação, abertura de novos leitos, reconhecimento legal do estado de emergência sanitária e aprovação de um plano de recuperação econômica com retorno imediato do auxílio emergencial para os mais pobres.

Segundo a análise da Fiocruz, a pandemia no Brasil acontece de maneira simultânea em todo o território, com tendência de crescimento e com iminente colapso dos sistemas de saúde em várias cidades. Três variantes circulam simultaneamente no país: a do Amazonas, do Reino Unido e da África do Sul. A do Amazonas deu origem a uma nova linhagem do vírus, a P2, encontrada no Rio de Janeiro. Das 27 capitais do país, 19 estão com taxas de ocupação de leitos de UTI-covid acima dos 80%. As mais críticas são Porto Velho (100%), Florianópolis (98%), Curitiba e Goiânia (95%), Natal (94%), Rio Branco e Campo Grande (93%). O Rio está com 88% de ocupação dos leitos.
 
BRASILEIROS BARRADOS
O caos nas políticas de saúde no país teve repercussões internacionais. Nos aeroportos, brasileiros e até estrangeiros que não tenham como destino seu país de nascimento começam a ser barrados. Tudo porque temos o pior cenário de covid em todo o globo e somos celeiro de outras prováveis novas cepas. Nas agências de viagem e companhias aéreas, não é difícil ouvir que o Brasil está sendo visto internacionalmente como “risco à humanidade”. Na última semana, a jornalista Tatiana Lima presenciou seu amigo alemão ter seu bilhete de embarque cancelado horas antes do voo. A atendente explicou: “Nunca vi uma situação como esta, mas o Brasil está com bandeira preta em relação aos outros países, principalmente europeus”. O amigo só conseguiu reaver seu passe quando, horas depois, comprovou residência na Holanda. “Ali eu percebi que estamos num caminho sem retorno rumo ao caos”, afirmou a jornalista.

 SEM CONFIANÇA NOS DADOS
WhatsApp Image 2021 03 05 at 09.42.031Aparentemente com uma situação um pouco mais “confortável”, figurando em cenários de média móvel de casos e de óbitos em estabilidade, o Rio de Janeiro é uma incógnita. “Não temos confiança nos dados mais recentes. A baixíssima qualidade dos dados nos impede de conhecer o cenário real”, afirmou o professor Guilherme Travassos, vice-coordenador do GT Pós-Pandemia da UFRJ e um dos idealizadores do Covidímetro, ferramenta utilizada para verificar a taxa de transmissão no estado e no município. “Nossa expectativa é de que nas próximas duas semanas a gente atinja 750 mil casos. Hoje, temos 561 mil (no estado)”.

 Outro ponto que merece atenção é a taxa de letalidade do município e do estado do Rio: 8,72% e 4,9%, respectivamente. O que pode indicar possível subnotificação de casos, além de sinalizar para o suporte clínico deficitário nos casos mais graves. Mas esta não é uma exclusividade fluminense. “Há um cenário de subnotificações excessivas. Quando o Brasil aponta que temos 10 milhões de casos, nossas estimativas dão conta que teríamos mais de 22 milhões de casos”, afirmou o professor Domingos Alves, da USP, durante debate promovido pelo Fórum de Ciência e Cultura na última segunda-feira (veja mais abaixo).

 Até o próximo dia 10, a previsão é que o país ultrapasse os 11 milhões de casos. “Em relação às mortes, nossa estimativa é de que o número de óbitos total anunciado é cerca de 60% do total real”, lamenta o pesquisador. E os problemas não param por aí. Segundo Domingos Alves, a defasagem em relação ao número de óbitos chega a 20 dias. É como se, olhando os números, tivéssemos mirando o retrovisor de um carro em movimento. E em alta velocidade. “Atingiremos 300 mil óbitos até 6 de abril, com média móvel de 1.500 mortes diárias até 14 de abril. E o cenário pode piorar por conta das mortes por falta de atendimento”.

Os estudiosos são uníssonos em dizer que a origem do caos sanitário, social e econômico do Brasil está no negacionismo do governo federal em relação à pandemia. “O Brasil nunca seguiu as orientações da Organização Mundial da Saúde para a flexibilização social”, afirmou Domingos Alves. Os indicadores são: declínio do número de mortes por pelo menos três semanas e queda de pelo menos 50% da incidência em um período de três semanas após o pico da pandemia; estrutura hospitalar para suportar a demanda; testagem em massa e em segmentos específicos; rastreamento de infectados. “É urgente que os estados comecem a fazer um lockdown efetivo de 15 a 21 dias para conter o desastre sanitário.

 

“Tragédia anunciada”

“Esse cenário que nós vivemos no Brasil é uma tragédia anunciada por toda a comunidade científica”. A fala acertiva é do pesquisador Domingos Alves, da USP, que participou de debate “Como Está a Pandemia Hoje”, organizado pelo Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, na segunda, 1º de março. Domingos integra a equipe de especialistas do Portal Covid-19 BR, ferramenta desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP) para acompanhamento e predição da pandemia no país. Há um ano, apenas quatro capitais eram responsáveis pelos casos de covid-19 no Brasil. Hoje, a pandemia se alastrou por todas as cidades. As festas clandestinas de final de ano e de carnaval contribuíram para tornar o quadro de alta transmissão predominante de norte a sul do país.

Para além das aglomerações em datas comemorativas, o isolamento social caiu a índices praticados antes do início da pandemia. Em todo o país, a taxa de isolamento média é de 31%, mesmo patamar de janeiro do ano passado. No Rio, o índice chega a 45%. Para o especialista, é preciso somar esforços com um lockdown efetivo e com aumento da cobertura vacinal. “O Brasil precisa aumentar em dez vezes a velocidade da vacinação para imunizar a população até o final do ano”, alerta Domingos Alves. “Aumento do número de leitos, isolar grupos de risco, isto é política de enxugar gelo, não está baseado na ciência”.

O professor Claudio José Struchiner, da UERJ, concorda. “As evidências científicas são muito claras. Ficamos com o pior dos mundos: nós temos a mortalidade, temos os problemas sociais, temos os problemas econômicos e nada é resolvido. A alternativa escolhida pela sociedade brasileira é a pior possível, é aquela em que temos todos os prejuízos sem nenhum bônus dessas escolhas”.

O epidemiologista analisou o impacto de uma vacinação lenta. “Se não conseguirmos atingir uma proporção muito grande (da população), a presença de portadores assintomáticos teria um efeito muito nocivo, com o qual devemos nos preocupar muito”.

Vice-coordenador GT-Coronavírus e integrante do GT Pós-Pandemia da UFRJ, o professor Guilherme Travassos, da Coppe, criticou a completa inércia da União, de estados e municípios no controle da pandemia. “Entidades sérias, éticas e responsáveis têm protagonizado ações de combate a esta pandemia. É surpreendente como isso tem sido constantemente desprezado por aqueles que têm a responsabilidade de tomar atitudes e ações”, pontuou. “Eu tenho a impressão de que estou dando murro em ponta de faca. Estou exausto”, desabafou. “Estamos envolvidos nessa guerra desde fevereiro do ano passado. Antes, a guerra era contra o vírus. Hoje, não sei se nosso grande inimigo é apenas o vírus. Virou uma guerra insana, injusta. A sociedade precisa acreditar na ciência e parar de acreditar em mitos”.
 Expansão de leitos não é política de contenção da covid-19”.

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