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WhatsApp Image 2023 02 03 at 20.37.43 4Pela primeira vez na história, o número de matriculados em cursos de ensino a distância (EaD) na rede privada é maior do que o de estudantes da modalidade presencial, uma mudança que vinha sendo observada nos últimos anos, mas que se acelerou durante a pandemia. É notável também a queda de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio: em 2021, menos 13,4% de estudantes participaram do Enem. Essas são duas conclusões do Censo da Educação Superior 2021, divulgado em outubro passado, e cujos resultados foram analisados pelo Observatório do Conhecimento.

O Censo da Educação Superior é um levantamento realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao MEC, que coleta informações sobre infraestrutura das instituições de educação superior, vagas oferecidas, candidatos, matrículas, ingressantes, concluintes e docentes, entre outros. Com o apagão de dados sobre Educação, apontado inclusive pela equipe de transição, o levantamento do Inep se torna a base mais confiável para planejar mudanças que fortaleçam as universidades e a pesquisa no país.

REGIME DE TRABALHO
Em 2021, a rede privada ofertou 96,4% do total de vagas em cursos de graduação para ingressantes. As instituições de ensino privadas também têm uma participação de 76,9% no total de matrículas de graduação. Em relação ao ensino público, há uma nítida diferença de perfil dos docentes nas instituições privadas. Se nas universidades públicas os professores são predominantemente doutores que atuam em carga horária integral, nas privadas eles são mestres com trabalho em tempo parcial. Nos dois casos, os homens são maioria.

De acordo com o professor Fernando Cássio, da Universidade Federal do ABC, essa diferença em relação ao regime de trabalho é marcante. “O regime de trabalho parcial significa que as faculdades privadas são, em sua maioria, prédios de salas de aula apenas”, avaliou o professor. “Na universidade pública, o docente não apenas leciona. Ele pesquisa, desenvolve atividades de extensão. Isso torna diferente o clima da universidade, o envolvimento dos alunos. Em uma universidade pública, os alunos podem participar de projetos de iniciação científica ou de atividades de extensão. Há uma formação integral”, explicou.

O aumento de vagas de EaD também preocupa. O crescimento foi de 23,8% de 2020 para 2021 — desde 2016, o crescimento acumulado de matriculados nesses cursos é de 273,4%. Hoje, 51% dos estudantes da rede privada fazem cursos no formato EaD, enquanto na rede pública esse percentual é de apenas 6%. Para Fernando Cássio, a modalidade teve um papel importante na ampliação do acesso ao ensino superior, mas tem sido adotada pelas instituições privadas como uma maneira de reduzir custos.

Ele deu como exemplo o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, criado em 2009, que oferecia parte das suas vagas na modalidade a distância para a formação de professores e professoras que, mesmo com a expansão da rede, estavam distantes das universidades públicas. “O objetivo ali era o acesso. O ensino a distância, se for bem feito, pode custar até mais caro que o presencial. Mas o que estamos vendo são cursos que são a distância para redução de custo e barateamento da mensalidade. Um ensino que não vai ser acompanhado, por exemplo, pela contratação de mais gente, de tutores muito bem formados”. Para ele, a mudança de regulamentação, após a pandemia, que permitiu que o EaD fosse oferecido sem reformulação pedagógica dos cursos, fez com que “a porteira se abrisse”.

QUEDA NO ENEM
A redução no número de inscritos no Enem, a principal porta de acesso ao ensino superior, é outro dado preocupante do Censo do Inep. Foram 350 mil inscritos a menos, na comparação com o ano anterior. A queda vem acontecendo desde 2016: se comparado com aquele ano, 2021 teve uma queda de 61% no número de participantes do exame.

“Aqui precisamos apontar o dedo e localizar a responsabilidade. O governo Bolsonaro trabalhou para descredibilizar o Enem e o Inep. Havia instabilidade quanto ao calendário, incertezas com relação à gratuidade, tentativas de influenciar o banco de questões. Isso sem contar nas sucessivas trocas de presidente do instituto. Havia também a ausência de divulgação de peças publicitárias sobre o Enem”, apontou o professor Fernando Cássio. Outro cenário que contribuiu para a queda, segundo ele, foram os constantes ataques do governo e de seus apoiadores às universidades.

Segundo Fernando, os mais prejudicados nesse cenário foram os alunos de escolas públicas. “Isso interfere nos estudantes pobres, aqueles que precisam de estímulo, precisam da propaganda, precisam da gratuidade garantida. Se você descredibiliza o exame e não há estímulo, as pessoas não terão interesse”, afirmou.

DESIGUALDADES
O Censo da Educação Superior revela que os 25% de alunos de maior renda têm, em média, 13,4 anos de estudo, contra 10,4 anos dos 25% de menor renda. Há ainda disparidade entre pessoas brancas, que têm, em média, 12,3 anos de estudo, e pessoas pretas ou pardas, com 11,2 anos. O mesmo se repete entre a população urbana (11,8 anos) e rural (10,2). “Essas diferenças são um reflexo de uma disparidade socioeconômica que já existe no Brasil. São dados que explicitam as lacunas entre segmentos da população”, explicou a cientista política e professora da UFRJ Mayra Goulart, coordenadora do Observatório do Conhecimento e vice-presidente da AdUFRJ.

O tempo de estudo médio das mulheres (11,9) é maior do que o dos homens (11,3). Elas também foram a maioria (61%) entre os concluintes de graduação em 2021. O desvio aqui está em outro fator. “Mulheres costumam atuar em áreas ligadas a cuidados e nas Ciências Humanas. Homens são maioria em cursos ligados a áreas conhecidas como STEM (em português, Ciências, Tecnologia, Engenharias e Matemática). Ou seja, elas são a maioria nas universidades, mas seguem carreiras que tendem a ter menores remunerações. A distorção já começa aí”, explicou a professora Mayra, que também ressaltou outro dado: a disparidade salarial. Mesmo em posições de trabalho similares às de homens, as mulheres têm em média salários inferiores.

Em 2021, as mulheres foram 78% das graduadas na área de Educação e 73% na área de Saúde, mas foram 36% das formadas em Engenharia, Produção e Construção, e apenas 15% das graduadas em Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação.

A análise completa do Observatório do Conhecimento sobre os resultados do Censo da Educação Superior 2021 pode ser encontrada no site da rede (https://observatoriodoconhecimento.org.br/).

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