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Por Alexandre Medeiros, Ana Beatriz Magno e Silvana Sá

 

WhatsApp Image 2023 05 25 at 19.34.001O professor Roberto Medronho, 64 anos, transborda entusiasmo de calouro. Em 121 minutos de entrevista, o reitor eleito da maior universidade federal do país falou de temas polêmicos, criticou severamente a cultura protelatória da UFRJ, e prometeu mudanças severas na instituição. A começar por dois dos maiores vespeiros locais: a política de pessoal da PR-4 e os esqueletos de obras nunca concluídas no Fundão.

“Isso me envergonha demais”, desabafou o médico, pediatra, sanitarista, pai de três filhos. “Me sinto envergonhado como professor e como servidor público de ver essas obras inacabadas e prédios em ruínas”.

E como mudar ? “Acabando com a política de balcão da PR-4 e profissionalizando a gestão da universidade. Sobre as obras, acho que temos que melhorar o planejamento, chamar a iniciativa privada e traçar parcerias. Não tenho medo disso”, resume o docente, nascido e criado numa família remediada do subúrbio, mas que, “graças ao ensino público”, conseguiu driblar o destino e entrou para a Medicina. “Tenho obrigação de devolver para a sociedade o que o ensino público sempre me deu”.

Defensor da Ebserh, Medronho promete debater o tema no Consuni, mas diz que não aceitará ações que interditam decisões. “Isso não é democracia”. O futuro reitor da UFRJ foi diretor por duas vezes da Faculdade de Medicina e promete levar para a reitoria o cuidado com os nove hospitais universitários. “A situação do Hospital Universitário é dramática. As pessoas que são atendidas no HU saem maravilhadas. O problema é que poucas pessoas são atendidas. E o que acontece com as que não são atendidas? Elas morrem”, lamenta.

Portelense de coração, Roberto Medronho admite que os próximos quatro anos serão com pouco carnaval e muito trabalho, mas não deixará o samba morrer. “Vamos recriar a Minerva Assanhada”, promete o professor titular que entrou na UFRJ nos anos 1970 e nunca mais saiu. “Com a ida da reitora Denise para o MEC submeti meu nome como opção e fui muito bem aceito. Entrei na UFRJ em 1977 e, mesmo com a atuação no GT Coronavírus, com acesso a um monte de pesquisas e iniciativas, hoje talvez eu conheça 10% da universidade. Nós precisamos nos conhecer mais”.

Jornal da Adufrj - Os nomes de sua equipe já estão definidos?
Roberto Medronho - Eu não estou preocupado com os nomes, mas com a política. Vamos ter um grupo de trabalho de transição, a proposta de portaria já está na reitoria. Teremos quatro eixos de atuação nessa transição: gestão acadêmica, gestão administrativa, administração central, e gestão democrática, inclusiva e plural.

Jornal da Adufrj - Na prática, no cotidiano da gestão, o que isso significa?
Significa que vamos reavaliar a estrutura administrativa da universidade, de todos os cargos. Acabou o balcão!

Há balcão hoje?
Não é um problema dessa gestão. É de todas. Vou dar um exemplo. Os concursos são feitos pela PR-4 e não pelas unidades, de lá são distribuídos os técnicos aprovados. Nós vamos fazer um redimensionamento de pessoal, vamos querer saber onde estão os 14.200 técnicos, em quais unidades e fazendo o quê. Vou querer que as unidades participem diretamente desse processo.

Isso também vai valer para os professores?
Claro. O professor substituto, por exemplo, tem que ser a exceção, não a regra. Eu quero saber qual é a nossa força de trabalho. Tenho três ou quatro relações distintas, como é isso? Como um gestor não sabe quantas pessoas estão trabalhando na sua unidade? Essa informação tem que ser pública! Não quero ser nem bonzinho, nem mauzinho, quero ser justo.

Mas como obter essas informações se o sistema de dados da UFRJ é tão falho?
A informação e a comunicação em minha gestão serão prioridade. Vamos saber em um sistema público quantos professores estão lotados em quantos departamentos, em quantas disciplinas, qual a carga horária dessas disciplinas. A minha proposta é criar um sistema público de informações na UFRJ, tudo o que for possível será divulgado. Não é possível que num lugar onde surgiu a computação científica nesse país a gente não consiga fazer isso. Se tivéssemos esse sistema, nem precisaria haver a Cotav.

Umas das críticas à atual gestão é a atuação da Procuradoria, que seria mais alinhada à AGU do que à reitoria. Como será na sua gestão?
Eu não quero um procurador que vá me dizer o que eu não devo fazer, mas sim um procurador que me diga como eu devo fazer. Obviamente dentro da legalidade, da moral pública, da ética e no mais breve tempo possível.

Outra crítica diz respeito ao trabalho da PR-4, o que inclui a morosidade para elaboração de laudos e concessão de adicionais ocupacionais.
Vou querer tomar pé sobre o que está acontecendo para demorar a conceder, para termos os laudos, suspender ou não os adicionais. Se um professor assume um cargo de chefia, por exemplo, é uma lei ou é um entendimento interno que define o corte? Se for uma questão administrativa nossa, vamos resolver. Eu mesmo tive um corte de adicional quando assumi a direção da Faculdade de Medicina, embora mantivesse uma atividade de extensão em que tinha direito ao pagamento.

E as progressões múltiplas, o senhor vai reavaliar o veto definido pelo Consuni? A AdUFRJ, inclusive, entrou na Justiça contra esse veto e pelo direito à progressão.
Sobre as progressões múltiplas, o que foi dito no Consuni é que há uma proibição legal e a Procuradoria orientou no sentido de negar. Se não houver essa restrição legal, isso pode voltar à pauta. No que depender da reitoria, esses problemas serão resolvidos.

Outra questão polêmica é o ponto eletrônico. Como abordará esse tema?
Ponto eletrônico não está em discussão. Não implantarei ponto eletrônico, nem no HU, para os servidores da casa. A UFRJ e a sociedade devem aos servidores de nossas unidades hospitalares a atuação heroica na pandemia. Salvaram muitas vidas, se desdobrando em horários. Nossos hospitais só não fecharam por causa dessas pessoas. Como é que eu agora vou mudar a forma de trabalho dessas pessoas, seja por que motivo for? Caso fechemos com a Ebserh, por exemplo, os novos contratados poderão entrar sob um novo regime de trabalho, previamente informado.

Qual será a marca da sua gestão?
A gente não quer uma marca, mas algumas questões serão enfrentadas imediatamente por mim e pela professora Cássia Turci, nossa vice-reitora. A primeira delas é a manutenção de nossa autonomia. Isso é um compromisso. Autonomia didático-pedagógica. Não temos autonomia financeira, o que seria o ideal. Na gestão anterior, da professora Denise (Pires de Carvalho, hoje secretária da Sesu do MEC), o orçamento foi estrangulado, em especial do investimento, e pouca coisa pôde ser feita.

Qual foi a marca da gestão da professora Denise?
Resistência e coragem. Acho que foi brilhante o desempenho na pandemia, que ajudou a salvar muitas vidas. Ela manteve a universidade aberta, apesar de todas as dificuldades orçamentárias ou provocadas pela pandemia. Criou um programa de inclusão para os alunos irem ao ensino remoto jamais visto anteriormente. Ela resistiu ao negacionismo, aos cortes orçamentários e liderou uma instituição que foi um dos próceres na luta contra a covid-19. São marcas muito relevantes. E ainda teve a coragem de botar em pauta a Ebserh e o novo Canecão.

Como a Ebserh será tratada em sua gestão?
Seguindo as determinações do Conselho Universitário. Essa vai ser uma marca da minha gestão: respeito aos órgãos colegiados e às decisões colegiadas. Essa é a democracia. A universidade é democrática. E democracia não pode ser apenas quando eu ganho, tem que ser um valor universal. A manifestação será absolutamente livre para o corpo social. Mas não haverá obstrução à força, isso é inaceitável.

Sim, mas e a Ebserh?
O atual presidente da Ebserh, o professor Athur Chioro, ex-ministro da Saúde, é um profundo conhecedor do SUS. O nosso complexo hospitalar não entrou na Ebserh porque não houve definição da UFRJ, o assunto foi tirado da pauta do Consuni e nunca mais foi discutido. Pretendo criar uma comissão paritária que vai fazer um estudo rigoroso dos dez anos da Ebserh, como tem sido a atuação dela pelo país. Ela nem é o paraíso que alguns pintam, nem o inferno como outros dizem. Nós somos cientistas, precisamos trabalhar com dados.

E como a comunidade será ouvida em relação a esse relatório?
Quando houver um contrato em formato de ser aprovado, vamos convocar a comunidade a avaliar, incluindo audiências públicas. E levaremos essa proposta ao Consuni, em uma sessão presencial, em que todos os conselheiros terão direito a voz, a pedido de vista, a voto. Uma reunião pública.

Enquanto essa decisão não é tomada, o hospital tem cada vez menos leitos e mais problemas...
Nós temos déficit de pessoal, isso é fato. Mas pretendo que o hospital chegue a 400 leitos (hoje são por volta de 180). Meu sonho seria chegar a 450 leitos. Meu compromisso de campanha é cumprir o que o Consuni determinou, iniciar negociações com a Ebserh e, em paralelo, criar essa comissão tripartite (docentes, estudantes e técnicos). Teremos um cronograma definido, até porque, caso a decisão seja pela contratação, os recursos já possam ser previstos na LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2024.

Rápido assim?
A Ebserh acabou sendo infelizmente utilizada como um esqueleto que se coloca no armário e se tira nas eleições. Não vamos guardar a Ebserh no armário, vamos ter que decidir. Todos sabem que eu sou favorável à Ebserh, nunca neguei isso, mas acatarei a deliberação do Consuni.

Por que tanta urgência?
A situação é dramática. As pessoas que são atendidas no HU saem maravilhadas. O problema é que são poucas pessoas atendidas. E o que acontece com as que não são atendidas? Elas morrem. Não temos nem o número de leitos e nem a capacidade ambulatorial necessários. O que mais me angustia, e aí como médico, é que nós estamos falando de vidas. Da diferença entre a vida e a morte. Fechar um leito de hospital significa que alguém que seria salvo provavelmente não será. Faço um apelo à nossa comunidade para que enfrentemos essa questão, com um diálogo franco e transparente. Que esse debate não seja interditado por questões de ordem político-ideológica.

O mesmo vale para o Canecão e para os muito prédios e obras abandonados da universidade?
Nós temos um processo burocrático-administrativo que precisa ser agilizado ao máximo. Isso eu vou cobrar. Esses esqueletos de prédios são fruto de muitos equívocos. É doloroso você ter um paliteiro sem conclusão, gastar R$ 10 milhões em uma solução e depois descobrir que ela não é segura. Eu me sinto envergonhado como professor e como servidor público de ver essas obras inacabadas e prédios em ruínas, como o do Palacete Imperial.

Onde é esse Palacete?
Esse prédio é de 1862, na esquina de Rua Visconde do Rio Branco com o Campo de Santana. Já abrigou o Instituto de Eletrotécnica e a Escola de Comunicação da UFRJ. Um prédio lindo que está abandonado. Nós vamos revitalizar esse espaço. Já estamos em negociação com o TCE e o governo do estado para criar ali um centro cultural, aberto ao público.

E o Canecão?
O Canecão também não ficará como está hoje, em ruínas. Eu vou devolver Canecão ao Rio de Janeiro, ao Brasil e à UFRJ no prazo mais curto possível. Aquele espaço era privado, agora será público. Vamos fazer ali eventos abertos, com o Espaço Ziraldo renovado, com Ciência na praça, palestras. Vamos derrubar os muros e o povo vai poder entrar na universidade.

Como senhor pretende lidar com os vários segmentos representativas do corpo social, em especial os estudantes, onde o senhor teve a minoria dos votos?
As entidades representativas da UFRJ, como a AdUFRJ, o Sintufrj e o DCE, serão absolutamente respeitadas. E haverá uma mesa de negociação permanente com elas para enfrentarmos juntos os graves problemas que temos em diversas áreas. Vamos levar esse diálogo à exaustão para compormos resoluções no Consuni, se possível consensuais. Após exaurir esse diálogo, que não será eterno, pois a extensão da discussão indefinidamente é uma forma de obstrução, caso não haja consenso, vamos ao voto.

O senhor vai assumir com um governo federal bem diverso do anterior, que está recompondo orçamento das universidades e de cujo partido, o PT, o senhor é próximo. Como vê essa mudança de conjuntura diante dos seus planos?
Animadíssimo. Primeiro porque estou entusiasmado pela expressiva manifestação de apoio da comunidade à nossa chapa. Tivemos 73% dos votos dos docentes e 55% dos técnicos. E mesmo entre os estudantes tivemos a menor diferença de votos em relação às últimas eleições.
O segundo motivo da minha animação é o contexto nacional. Com a eleição de Lula, vencemos o negacionismo e isso abre caminhos. Mesmo antes de assumir, já estamos com várias interlocuções em Brasília. Conheço pessoas lá que lutaram comigo contra a ditadura, iniciamos diálogos. Há um conjunção muito favorável à UFRJ e vamos buscar todos os recursos necessários para a recomposição orçamentária.

Esses diálogos vão além da esfera de governo?
Nós vamos além. Vamos procurar não só todos os ministérios, mas também o setor produtivo. Vamos fazer parcerias republicanas para reconstruir o Brasil. Precisamos ajudar o governo Lula a reindustrializar esse país. Para isso nós temos um parque tecnológico que pode ajudar nas pesquisas, na inovação. Já estamos atuando junto ao TCU para que as dívidas que as empreiteiras têm nos acordos de leniência sejam revertidas em construções, em obras para o setor público, incluindo as universidades. Vamos trazer essas obras para cá, a UFRJ tem um nome e um legado que a credenciam para isso.

O Colégio de Aplicação poderia se beneficiar disso?
Nossa ideia para o CAp, que acaba de fazer 75 anos, é fazer o projeto original. Construir o CAp aqui no Fundão, junto com a Educação Infantil, com condições adequadas, junto com a Faculdade de Educação. Aquele prédio da Lagoa nem é da UFRJ.

A segurança nos campi é uma preocupação?
Precisamos aumentar a segurança, e não apenas com policiamento. Pretendemos colocar cancelas em todos os estacionamentos dessa universidade, com vigilantes. Só entra quem for da UFRJ ou tiver autorização, como já é feito na Praia Vermelha. Também precisamos trazer mais a comunidade para dentro da UFRJ. Fazer eventos aqui no Fundão em que as pessoas do entorno possam vir, criar espaços de convivência e acolhimento. Temos que recompor a orla do Fundão, em parceria com a prefeitura, trazendo quiosques, com iluminação adequada. O saudoso Carlos Lessa chamava o Fundão de Sibéria Tropical. Hoje, pode não ser mais a Sibéria, mas ainda está longe de ser uma Mata Atlântica.

Falando do entorno do Fundão, pretende ampliar as atividades de extensão para essas áreas?
Nós precisamos ampliar nossas ações na Favela da Maré e no entorno da UFRJ. Temos grandes coisas a oferecer hoje. Temos 10% da carga horária de todos os nossos alunos para extensão. Vamos transformar isso em ações concretas dentro dessas áreas para melhorar a qualidade de vida e transformar os indivíduos, inclusive nossos alunos, em cidadãos melhores.

Se o senhor ainda não pensa em nomes da sua equipe, pensa em consolidar uma boa gestão e tentar a reeleição?
Não estou preocupado com reeleição, mas em fazer a diferença. Tenho um compromisso ético comigo mesmo de devolver à sociedade aquilo que ela em mim investiu. Nem eu nem meus irmãos seríamos nada se não fosse o ensino público, gratuito e de qualidade. Meus colegas lá do Conjunto dos Ferroviários da Abolição que não tiveram essa oportunidade, muitos deles morreram assassinados pelas forças policiais. Seriam meus amigos até hoje, não estão mais aqui. Sei o que é ter uma universidade que forme as pessoas. Outro legado que quero deixar é a assistência estudantil, a permanência. O aluno tem que entrar e tem que sair formado, temos que reduzir ao máximo a evasão. Não podemos aceitar a evasão. Temos que ir atrás de cada aluno que nos deixou na pandemia e fazer de tudo para trazê-lo de volta para universidade. Me comprometo com esse desafio.

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