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WhatsApp Image 2023 10 12 at 00.08.39Fotos: Fernando SouzaAna Beatriz Magno e Silvana Sá

O Centro de Ciências da Saúde é o retrato do paradoxo: a estrutura degradada e insalubre de seu prédio principal é a mesma que abriga a excelência acadêmica que ajuda a maior universidade federal do Brasil ser também a mais ilustre. Apesar de seus cursos figurarem entre os melhores do país, gambiarras elétricas, goteiras, entulhos e equipamentos abandonados se multiplicam pelas salas, corredores e laboratórios. A biblioteca era enorme e está com 90% de sua área abandonada e fechada desde setembro de 2017 por contaminação por fungos. Maquinários caros correm risco diante de chuva. Os aparelhos de ar-condicionado se equilibram em janelas e suportes improvisados. O medo de incêndio, tragédia recorrente nos campi, ronda alunos, técnicos e docentes.
O edifício foi inaugurado em 1972, com a transferência da Faculdade de Medicina e do CCS da Praia Vermelha para o Fundão. Ao longo das décadas, mais unidades e cursos surgiram e a estrutura começou a ficar apertada para as atuais doze unidades e órgãos suplementares que funcionam no prédio. Mas faltou planejamento. “Cada unidade passou a tentar arrumar soluções para os seus problemas à sua maneira. Além disso, a rede elétrica se tornou insuficiente para a demanda. É subdimensionada”, observa o professor titular Pedro Lagerblad, do Instituto de Bioquímica Médica
Ex-diretor da AdUFRJ, respeitado pesquisador, Pedro é um incansável docente na luta por melhores condições de trabalho. “A gente tem dois tipos de insalubridade: a do direito trabalhista, porque manipulamos diferentes elementos, e a ambiental. Se houvesse manutenção e investimento adequados, o CCS seria muito menos insalubre”, destaca.WhatsApp Image 2023 10 12 at 00.08.39 1
João Victor Baptista, estudante de Biologia, ao ser perguntado sobre o que mais lhe causa angústia em relação às condições do prédio, faz um triste desabafo: “Eu acho que normalizei o caos”, diz. “Assim que entrei, ficava chocado com o banheiro alagado e totalmente insalubre, com a fiação exposta, o teto caindo, a janela sem vidro, a infestação de ratos”, detalha. “Depois, isso tudo passou a fazer parte da rotina. Acho que não é só uma questão de dinheiro. É um pouco de descaso também”.
Seu colega de curso, Alexandre Lima, completa: “Uma vez caiu um vidro da janela e ele fez aniversário encostado num canto da sala, podendo causar um acidente. Retirar aquele vidro do chão não era uma questão de dinheiro”, exemplifica.
Nessa e nas próximas páginas, as imagens falam por si. A reportagem faz parte da série do Jornal da AdUFRJ sobre condições de trabalho.
A diretoria da AdUFRJ compreende a urgência das demandas por infraestrutura e melhores condições de trabalho e estudo. Uma das ações em curso é a criação de uma petição on line exigindo mais orçamento para as universidades e para o reajuste dos servidores. O documento destaca que a Proposta de Lei Orçamentária Anual para 2024 prevê a metade dos recursos de dez anos atrás para universidades, institutos tecnológicos, agências de fomento e para a ciência e tecnologia. Outra iniciativa é uma solicitação de audiência feita à equipe do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade), coordenador da bancada do Rio de Janeiro no Congresso Nacional. Ambas foram definidas na última assembleia de professores, que debateu a campanha salarial.
WhatsApp Image 2023 10 12 at 00.08.39 3“A ideia é discutir o quadro de penúria das instituições de ensino e apresentar propostas que viabilizem o financiamento do conhecimento”, explica a professora Mayra Goulart, presidenta eleita da AdUFRJ. “Também queremos sensibilizar os parlamentares sobre a importância de valorizar os servidores que efetivamente colocam em prática as políticas públicas para a população”, afirma. “A gente entende que essas ações fazem parte desse novo sindicalismo que usa novas formas de luta para sensibilizar a sociedade civil e os tomadores de decisão”, conclui.
O decano do CCS, professor Luiz Eurico Nasciutti, foi procurado pela reportagem, mas não retornou até o fechamento desta edição.

 

DEPOIMENTO I Pedro Lagerblad
Professor titular do Instituto
de Bioquímica Médica

WhatsApp Image 2023 10 12 at 00.08.39 4“A cultura do cuidado é um processo”

“Quando o CCS foi desenhado, lá nos anos 1970, cada corredor era ‘loteado’ para um catedrático. Os laboratórios e projetos de pesquisa tinham ‘dono’. A estrutura de pesquisa foi sendo desenvolvida ao longo dos anos pelas unidades, novos núcleos foram surgindo, institutos foram sendo criados, mas, sem recursos da universidade, somente às custas do dinheiro dos projetos de pesquisa e sem planejamento. Cada unidade passou a tentar arrumar soluções para os seus problemas à sua maneira.
Além disso, a rede elétrica se tornou insuficiente para a demanda. É subdimensionada. Há muitos equipamentos acoplados a geradores, mas muitos estão fora, porque não há capacidade energética para segurar todo mundo. Há problemas também de manutenção da rede elétrica.
No subsolo há alguns graves problemas. A circulação de ar é muito precária na maioria das salas e laboratórios. As saídas de esgoto estão nos corredores dos laboratórios. Quando chove muito, pode transbordar. Já ocorreu várias vezes, mas felizmente há algum tempo não acontece. Há pouquíssimos banheiros disponíveis e em boas condições de uso. Há aparelhos de ar-condicionado que jogam ar quente dos laboratórios para as áreas comuns nos corredores. É o jeito possível, o mais barato, mas totalmente inadequado. Há laboratórios que sofrem com infiltrações porque ficam embaixo de banheiros que alagam com certa frequência.
O telhado do prédio é outro problema. Quando chove, as pessoas botam lonas plásticas sobre os equipamentos mais caros para evitar que estraguem, porque chove dentro de vários laboratórios do segundo andar.
Também não temos um castelo d’água, nenhum reservatório que nos permita manter atividades quando falta água na cidade. Se acontece alguma situação de desabastecimento, a gente fica imediatamente sem água para lavar as mãos, para os banheiros, para beber.
A melhora nas condições de trabalho evitaria muitas questões insalubres. A gente tem dois tipos de insalubridade: a do direito trabalhista, porque manipulamos diferentes elementos, e a ambiental. Se houvesse manutenção e investimento adequados, o CCS seria muito menos insalubre. A cultura do cuidado é um processo.”

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