Com a disposição do governo de abrir negociações específicas com os diferentes segmentos do Serviço Público Federal — e uma das prioridades, já anunciada, será a da mesa setorial da área de Educação — cresce a importância das propostas de reestruturação da carreira docente. Neste momento, o governo tem em mãos dois projetos elaborados por entidades representativas dos trabalhadores, e o mínimo que se pode dizer é que eles são diametralmente diferentes.
Um deles é fruto de uma articulação entre o Andes e o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) e propõe o fim da divisão entre docentes do magistério superior e do EBTT (Ensino Básico, Técnico e Tecnológico), com a criação da carreira única de professor federal. “Superamos divergências de fundo para apresentar uma proposta unificada ao governo e esperamos que agora a negociação avance”, relata o coordenador-geral do Sinasefe, David Lobão.
Já a proposta apresentada pelo Proifes-Federação mantém a separação entre magistério superior e EBTT e prevê reajustes em 2024, 2025 e 2026, de forma que no último ano do atual governo a malha salarial cumpra com o Piso Salarial Nacional (Lei 11.378/2008). “Vamos buscar a recomposição das perdas salariais, reajuste digno e reestruturação da carreira para que os professores e professoras sejam valorizados e respeitados”, afirma o presidente do Proifes, Wellington Duarte.
PONTOS “INDISSOCIÁVEIS”
Em 21 de março passado, Andes e Sinasefe protocolaram a proposta unificada de reestruturação da carreira (tabelas ao lado) junto ao MEC e ao MGI. “Identificamos que o governo se escorou em nossas divergências para não avançar nas negociações, iniciadas ainda nas mesas temporárias de 2023. E decidimos unir forças para avançar”, recorda David Lobão. A proposta unificada tem sete pontos considerados “indissociáveis”:
- Estruturação da malha salarial com 13 níveis, com exclusão das classes. A progressão para o 13º nível se dá pelos mesmos critérios dos níveis anteriores, com todos os docentes podendo progredir até o topo da carreira, independentemente da titulação. A diferença percentual entre cada nível e o imediatamente anterior, denominado STEP, será de 5% em cada regime de trabalho, sem redução salarial, contemplando a recomposição das perdas inflacionárias e a discussão sobre o piso.
- O ingresso na carreira do magistério federal (unindo magistério superior e EBTT) se dará exclusivamente por concurso público de provas e títulos, sendo que todos iniciam no nível 1 (Graduado). Quem tiver ou passar a possuir o título de especialista, mestre ou doutor terá o direito à aceleração da progressão.
- Isonomia das retribuições por titulação entre os regimes de carga horária de 20 horas, 40 horas e 40 horas com dedicação exclusiva, tendo como referência o regime de carga horária de 40 horas com dedicação exclusiva.
- Estender aos docentes da carreira do EBTT a dispensa do controle de frequência que hoje contempla apenas professores do magistério superior.
- Reabertura de janela de adesão para as demais carreiras existentes, inclusive as extintas e atípicas, para a carreira EBTT e MS (Lei nº 12.772/2012), corrigindo o tempo que o docente ficou sem progressão e ou promoção.
- Revogação de instrução normativa baixada durante o governo Bolsonaro, em 2022, que impacta as progressões nas carreiras e impede o pagamento de parcelas retroativas referentes à progressão funcional.
- Oferecer a possibilidade de migração de servidores do Ministério da Defesa que assim desejarem para outras Instituições Federais de Ensino.
- A proposta também reivindica a revogação da portaria 983/20, que estabelece o tempo mínimo de 14 horas dedicadas ao ensino para docentes de EBTT, enquanto para o magistério superior são 8 horas.
CRÍTICAS
A proposta do Andes e do Sinasefe vem recebendo críticas na área acadêmica. Para o professor Pedro Lagerblad, titular do IBqM e ex-diretor da AdUFRJ, a proposta é antiquada e ignora os avanços conquistados nas universidades federais durante décadas. “A ideia de dividir a carreira em níveis diferenciados, que com o tempo a pessoa vai galgando, não é nova. Nós já deixamos isso para trás há muito tempo quando estabelecemos referências acadêmicas de progressão, com um sistema que é baseado em avaliações qualitativas a cada período. Pode ter seus defeitos, que devem ser corrigidos, mas tem referenciais mais pontuais, como a titulação”, diz Pedro.
O professor acredita que a proposta é um retrocesso. “Eu tenho dificuldade de entender como alguém pode hoje questionar a questão da titulação na universidade, que tem como uma de suas funções precípuas exatamente a de conferir títulos às pessoas atestando a sua capacidade. Isso não é uma burocracia”, afirma. “Um título tem um conteúdo, representa uma qualificação, uma passagem de estágio”, completa.
A universidade não utilizar as titulações nas suas progressões como uma referência básica é, segundo Lagerblad, um recuo no tempo. “Um recuo a uma época em que não havia um sistema de pós-graduação estabelecido no país. Temos que olhar daqui para frente, fazer desenvolvimentos a partir desse modelo, e não jogar o modelo inteiro fora e recuar para algo que estava nos anos 1960, que não mais funciona, que era uma progressão pura e simplesmente por tempo de serviço”.
PROJETO DO PROIFES PREVÊ NOVA ‘CLASSE DE ENTRADA’
As diferenças entre as propostas do Andes e do Proifes são acentuadas pelo diretor de Assuntos Educacionais do Magistério Superior do Proifes, professor Geci Silva. “A gente entende que uma carreira única do professor federal não é possível, porque temos especificidades previdenciárias diferentes para os professores do magistério superior e do ensino básico. O Andes propõe uma carreira em 13 níveis, com progressões de dois em dois anos, o que daria 26 anos no total. Essa carreira fica muito longa, prejudicando a aposentadoria dos docentes. Não há necessidade de estender a carreira por tanto tempo”, avalia o professor.
Geci também observa que o docente de magistério superior começa a trabalhar seis anos depois das outras carreiras. “Para prestar concurso público tem que fazer dois anos de mestrado e quatro de doutorado, pois os concursos exigem o doutorado. E sem direito a contagem de tempo para a aposentadoria, e isso é uma luta da ANPG. Por isso defendemos a carreira com 19 anos, como é hoje. Está muito bem”.
Ao longo das duas últimas semanas, o Jornal da AdUFRJ pediu insistentemente esclarecimentos ao Andes sobre o projeto de carreira proposto, mas não teve retorno até o fechamento desta edição.
REAJUSTES
A proposta apresentada pelo Proifes projeta reajustes em 2024 (9,39%), 2025 (6,82%) e 2026 (6,82%). “Nossa proposta estipula que nossa carreira tem que cumprir o piso nacional do professor da educação básica, que hoje é de R$ 4.580,57. Mas hoje o salário do professor 40 horas graduado é de R$ 3.583,26. Ou seja, precisaríamos de um reajuste de 34,22% para que a nossa carreira atual cumprisse o piso nacional do professor. Com os reajustes propostos, em 2026 esse piso ajustado seria de R$ 4.954,34”.
Entre os principais
pontos da
proposta estão:
- Manter o tempo mínimo da carreira atual (Lei 12.772/2012) para chegar à classe E, com denominação de professor titular, em 19 anos.
- Retirar a restrição da obrigatoriedade do doutorado para promoção à classe D, com denominação de professor associado, na carreira do magistério superior.
- Extinguir as classes A/DI e B/DII e criar uma nova classe de três anos, provisoriamente chamada de “Classe de Entrada”, que passaria a ser a nova entrada nas carreiras.
- Três anos é o tempo necessário para finalizar o estágio probatório, e na carreira atual o docente doutor chega na posição C/DIII, nível 1, em três anos através da aceleração da promoção. Os docentes das carreiras que estão nas classes A/DI e B/DII serão reenquadrados na classe C/DIII, nível 1, caso já tenham finalizado o estágio probatório, e, caso contrário serão reenquadrados na “Classe de Entrada” e terão promoção à classe C/DIII, nível 1, ao finalizar o estágio probatório.
De acordo com o professor Geci Silva, o projeto de reestruturação da carreira do Proifes pode representar um novo tempo para a educação superior no país. “Achamos que é uma proposta viável, temos atuado politicamente para viabilizá-la. Apresentamos não só ao governo, mas também à Andifes. Com essa proposta nós conseguiremos reduzir nossas perdas até 2026. Vamos buscar apoio para ela na mesa específica. Hoje temos uma carreira empobrecida, incapaz de atrair e de reter a inteligência e o talento necessários para o avanço da qualidade da educação no país”, diz Geci.