Há um consenso na Escola de Belas Artes: assim não dá para estudar. Mas as estratégias encontradas para a greve estudantil dividem a comunidade acadêmica da EBA. Não há dúvidas sobre a justeza das reivindicações, que passam por melhoria da infraestrutura, climatização das salas, papel higiênico, água. Seria o básico, não fossem as condições tão precárias do prédio e o orçamento insuficiente. Sem aguentar mais, os estudantes da EBA decidiram antecipar a greve estudantil, marcada para o dia 11 de junho, e montaram barricadas para impedir as aulas.
“A gente considera que o diálogo não estava existindo, por isso a gente partiu para a greve”, contou a estudante Laura Luz, do Centro Acadêmico da EBA. Ela estava tomando conta de uma barricada no quinto andar do edifício Jorge Machado Moreira, na quinta-feira (6). Mesas e cadeiras empilhadas impediam a passagem para o corredor de salas de aula e laboratórios. Enquanto esteve no prédio, a reportagem só viu movimentação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. O prédio estava esvaziado de estudantes e professores da EBA.
Laura justifica que a greve também foi decidida para colocar a UFRJ no movimento grevista nacional. “São mais de 50 universidades em greve. Para a gente não faz sentido que a UFRJ, que é a maior universidade do Brasil em número de estudantes, não aja de tal maneira. A universidade vive uma situação absurda, tem a metade do orçamento que já teve anos atrás. A gente precisa se posicionar”.
Em duas assembleias convocadas pela AdUFRJ em 5 de abril e 10 de maio, os professores da UFRJ, por larga maioria, decidiram não entrar em greve.
O acesso fechado aos laboratórios, salas e corredores da EBA desrespeitam o direito de ir e vir de uma categoria que decidiu não aderir à greve nacional: os professores. “Eu me sinto indignado e muito desrespeitado”, critica o professor Gilberto Oliveira, do Departamento de Artes Ambientais. “Nós estamos no mesmo barco. Não existe professor contra aluno, mas nós, como categoria profissional, não estamos em greve. Nosso dever constitucional é estar em sala de aula. Nosso calendário não está suspenso”, justifica o docente.
A indignação é o ponto de partida de uma carta escrita em consenso pelos professores do departamento e enviada na manhã de sexta-feira (7) à direção da Escola. No texto, os docentes relatam situações vexatórias, falam da animosidade a que estão submetidos e pedem uma reunião com a direção da EBA com expectativa de chegarem “a uma solução com condições para a conclusão do período acadêmico”.
Sem conseguir acesso aos seus materiais de trabalho, o professor Gilberto tem sido questionado por seus estudantes, que são formandos, sobre como será a continuidade do semestre. Falta apenas um mês para as aulas acabarem. “Estou tentando ver com outras unidades se é possível me emprestarem uma sala para que eu termine de dar o conteúdo que esses estudantes precisam. Meus alunos estão se formando e eu não estou conseguindo dar a carga horária que eles precisam para terminar o curso. Estou sem norte”.
O docente expressa ainda a preocupação de outros professores. “Estou vendo muitos colegas sendo xingados, hostilizados. Não se pode impedir o direito de ir e vir. O prédio está esvaziado e os professores, amedrontados”. O docente vai além: “É uma ação criminosa, porque infringe o Artigo 331 do Código Penal. Não se pode impedir um servidor de exercer sua atividade profissional”, alega o docente. “Também fere o Artigo 5º da Constituição, do direito de ir e vir”.
O clima de hostilidade e medo é real e sentido por muitos docentes que preferiram não se identificar para a matéria ou optaram por não dar seus depoimentos à reportagem para evitar algum tipo de represália. “Fiquei impedido de acessar minha sala de trabalho. Eles não têm esse direito. É uma situação bem tensa, bem conflituosa. Os estudantes passaram dos limites e me parece que eles sabem que passaram, pois não estão publicando em suas redes os bloqueios realizados”, aponta um docente que preferiu não se identificar.
“O calendário não está suspenso. A gente tem que dar aulas”, aponta outro professor que também pediu para não ser identificado. “Nossa carga horária precisa ser cumprida, porque nossa categoria não está em greve”. O docente também questiona a pauta de reivindicações. “Não há dúvidas de que são justas, mas parecem difusas. Não há um objeto claro de negociação. É muito mais para apoiar a greve nacional”, avalia.
Outros docentes apoiam o movimento estudantil. “A greve é legítima. A universidade pública vem sendo dilapidada há décadas e a situação se acentuou nos últimos oito anos. Há 50 anos fomos jogados num prédio que não foi feito para nós. Fomos nos adaptando, mas isso tem um preço. Chegamos a um ponto insustentável”, argumenta o professor Marcelo Silveira, do Departamento de História e Teoria da Arte.
Apesar de apoiar os estudantes, o docente aponta uma contradição da greve estudantil. “Ao mesmo tempo que há disposição para se mobilizar, há um enorme esvaziamento do prédio, talvez pela própria localização do campus”, argumenta. “Então fica uma greve meio torta. Sem tanta adesão, o que sobra é o bloqueio das salas”, ele acredita. “Existem dois mundos: um do profissional que está sendo pago para realizar o seu trabalho e outro dos que recebem esse serviço”, expressa. “Como se dará essa relação?”, questiona.
Em defesa dos estudantes, a professora Graça Lima, do Departamento de Representação da Forma, acredita que a greve é um processo pedagógico e que o diálogo é o melhor caminho. “Esse é um processo democrático e educacional. A gente devia dar graças a Deus porque eles acordaram dessa situação insustentável. A universidade é deles”, afirma. “Eles fizeram barricadas, xingaram professores. Está certo? Não. Mas foi a forma que eles encontraram de serem ouvidos”.
Diretora da EBA, a professora Madalena Grimaldi tenta o diálogo. “A direção não apoia barricada de maneira nenhuma, mas também não apoia a violência para a retirada. Chamar segurança para acabar com as barricadas é um ato de violência e nós também não coadunamos com isso”, diz a diretora. “A gente está apostando no diálogo e no processo pedagógico. Por isso decidimos esperar a terça-feira, dia 11”, explica a professora Madalena. “Todos nós queremos o bem da UFRJ. A questão é o limite dessa manifestação. Em alguns momentos há, sim, alguns excessos por parte dos discentes”, reconhece a diretora.
Após a assembleia do DCE do dia 11, a diretora irá se reunir com o CAEBA e depois agendará uma reunião aberta a todo o corpo social da escola. “É uma situação delicada, constrangedora para os docentes e difícil de mediar, mas estamos tentando”.
ESTUDANTES CONTRA GREVE
Na semana passada, uma assembleia do DCE decidiu pela greve geral estudantil a partir do dia 11 de junho. Mas muitos estudantes questionaram o esvaziamento do espaço de deliberação e passaram a realizar consultas nos cursos para ampliar o debate estudantil. No curso de Contabilidade, 72% disseram não à greve. “Foi uma consulta eletrônica de uma semana. Conseguimos 269 respostas majoritárias contra a greve”, conta a estutante Lúcia Vieira, diretora do CACont. “A maior parte dos alunos do nosso curso já começa estágio no terceiro período e precisa da bolsa para ajudar suas famílias. Para a maioria, terminar o semestre é uma questão de sobrevivência e isso não foi considerado pelo DCE”, completa o estudante Reinaldo Silva, também diretor do CA.
Na Faculdade de Direito, o plebiscito teve a participação de 880 estudantes. Desses, 700 não acreditam que seja o melhor momento para a greve. “Nossa preocupação foi ouvir o máximo de estudantes porque a gente não quer se afastar dessa representação efetiva”, observa Renan Charnoski, do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (CACO).
Danilo Ponciano, do CA de Economia, conta que será feita neste fim de semana uma consulta via formulários aos estudantes e acredita que a maior parte também será contra a greve. “Ir para assembleia levantar a mão não é suficiente, porque 250 alunos não podem definir o futuro de 60 mil. Além disso, não tem sentido uma greve estudantil a um mês do encerramento do período”.
A movimentação autônoma de centros acadêmicos levou o DCE a realizar uma votação em urna nos restaurantes universitários na sexta (7) e na segunda (10). O resultado da consulta embasará a discussão na assembleia do dia 11. Perguntada se o resultado pode mudar a deliberação sobre a greve, tomada na última assembleia, a estudante Giovanna Almeida, coordenadora do DCE, afirma que sim, mas que a decisão será tomada durante a assembleia do dia 11. “A consulta vai ser um elemento para a decisão da assembleia, que será simultânea na Praia Vermelha, Macaé e Fundão”, conta. “A greve foi uma unanimidade entre quem estava presente na última assembleia e também foi pensada para mostrar solidariedade aos cursos que já estão em greve, como os da EBA, Dança, Educação Física, IFCS”.
GREVE NACIONAL
No quadro nacional, a greve das universidades federais ganha contornos curiosos: conseguiu apoio da ala bolsonarista no Congresso Nacional e repercussão nas redes de ninguém menos que Jair Bolsonaro.
Presidente da Comissão de Educação da Câmara, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) convocou um a audiência para discutir a greve nacional e um grupo de trabalho que irá se debruçar sobre as demandas dos grevistas. A mesma comissão convocará a ministra da Gestão Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da UFRJ, a comparecer no dia 26 para explicar o andamento das negociações com o funcionalismo.
Em paralelo, o presidente Lula se reunirá com os reitores das universidades federais. Na pauta, o anúncio de novas verbas para as instituições de ensino superior (veja mais informações na matéria da página 3). Será que o Andes, que afirma que o movimento e as negociações são por orçamento, vai encaminhar o fim da greve? A ver.