Dez sindicatos representativos de docentes de universidades federais, entre os quais a AdUFRJ, enviaram carta ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), em 22 de abril, em que solicitam a abertura de diálogo sobre duas instruções normativas do ministério que regulamentam o uso do auxílio-transporte para os servidores públicos da União. As entidades sustentam que a nova regulamentação, em vigor desde março deste ano, é prejudicial aos docentes.
“A fiscalização de eventuais abusos no uso do benefício é legítima, mas deve ocorrer de forma responsável”, diz o documento, assinado pelas direções da ADUFABC, Adufal, ADUFMS, APUBH, ADUFPI, AdUFRJ, Adufra, Adur, SINDUFTPR e ADUFDourados. As instruções normativas, publicadas em fevereiro, impõem novas regras para o registro de presença nos locais de trabalho com vistas ao pagamento do auxílio-transporte, mas não levam em consideração as atividades inerentes ao trabalho dos docentes, sobretudo aqueles que atuam no regime de Dedicação Exclusiva (DE).
Para a presidenta da AdUFRJ, professora Mayra Goulart, as especificidades do trabalho docente devem ser observadas: “A legislação parece dirigida aos técnicos em Programa de Gestão de Desempenho (PGD), e não faz sentido ser estendida aos docentes. Em virtude da DE, os professores trabalham em múltiplos lugares e não tem lógica o registro da presença física. Muitas vezes esse professor sequer encontra condições de fazer seu trabalho na universidade, tendo que buscar outros espaços com estrutura para pesquisa de campo, seminários, ensaios em laboratórios. A mobilidade faz parte da atuação docente”.
O Programa de Gestão e Desempenho é um modelo de trabalho instituído na Administração Pública Federal por meio do decreto 11.072/2022, com foco em resultados e metas a serem cumpridas pelos servidores, e não na verificação de presença.
ATUAÇÃO DOCENTE
Uma das articuladoras do documento, a professora Elisa Guaraná, presidenta da Adur, conta que desde março a questão vem sendo debatida internamente entre os segmentos da UFRRJ. “A demanda para que fizéssemos a marcação com os novos códigos, identificando presença na sede, começou em março. Tivemos que debater essa questão na comunidade, em diálogo com a reitoria, e chegamos à conclusão que não concordamos com a medida como ela está proposta por ser uma regra que fere nossa legislação”, afirma a docente.
Segundo Elisa, os novos códigos previstos nas normas do MGI foram criados a partir da preocupação com a modalidade de teletrabalho ou PGD, que não diz respeito aos docentes. “Entendemos a importância óbvia de controle sobre o uso do recurso público para auxílio-transporte, mas há outras maneiras de fazer esse controle sem que ele represente uma ampla desconfiança, e até uma penalização, sobre o trabalho docente. Um parecer de nosso setor jurídico embasou a carta enviada ao MGI. Estamos aguardando o retorno”, diz a dirigente sindical.
Para o presidente da Adufal, professor Jailton Lira, a carta ao MGI traz um alerta importante. “O novo procedimento proposto pelo ministério, que exige o registro de presença diária para fins de concessão do auxílio-transporte, ignora a complexidade do trabalho docente, sobretudo no regime de DE. Essa nova exigência, embora supostamente voltada ao controle do trabalho remoto, desconsidera a realidade multifacetada das atividades que realizamos. A atuação docente vai muito além da presença física em sala de aula, envolve atividades presenciais e assíncronas, dentro e fora da universidade. Muitas dessas ações exigem, inclusive, deslocamentos frequentes, que são parte essencial do exercício profissional”, diz Jailton.
O professor espera que o MGI reveja as novas normas: “No caso específico dos docentes em DE, a mobilidade é ainda mais intensa. São professores que dedicam sua jornada integral à instituição, com sobreposição de funções e jornadas extenuantes, muitas vezes em locais distintos e sem apoio logístico das universidades. A tentativa de condicionar o auxílio-transporte à simples presença física registrada ignora esse contexto e pode, na prática, restringir injustamente um direito básico. A Adufal reafirma a necessidade de diálogo com o MGI e a revisão dessa proposta”.
O Jornal da AdUFRJ entrou em contato com o MGI para obter retorno em relação à carta enviada pelos sindicatos, mas não houve resposta até o fechamento desta edição. Leia abaixo a íntegra da carta.
Ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos
Em Respeito à Dedicação Exclusiva – auxílio-transporte é um direito
Em 19 de fevereiro, foi publicada a Instrução Normativa nº 70/2025 que trata do auxílio-transporte. Saudamos o reconhecimento de novas modalidades de transporte. Contudo, a categoria docente foi surpreendida por comunicados enviados pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) às universidades, solicitando aos servidores que fazem uso de auxílio-transporte que registrem, como “ocorrência”, os dias que estiveram presentes no seu local de trabalho, de modo a ratificar o uso do referido benefício. Trata-se de uma mudança no padrão de registro: de “negativo” (afastamentos) para “positivo” (presença).
O novo procedimento parece ter como objetivo principal o controle do trabalho remoto e do Programa de Gestão e Desempenho (PGD), conforme se depreende dos quatro códigos criados, todos com referência a essas modalidades de trabalho. No entanto, a Instrução Normativa nº 71/2025 reconhece o direito ao auxílio-transporte nos deslocamentos entre a residência e os locais de trabalho.
No contexto do regime de Dedicação Exclusiva, os (as) docentes desenvolvem atividades de ensino (presenciais e assíncronas), pesquisa, extensão, gestão acadêmica e representação institucional. Essas incluem ações diversas como: pesquisa de campo, reuniões de orientação, reuniões colegiadas de diversos órgãos, atividades universitárias diversas como mesas de debate, palestras, colóquios de pesquisa e seminários, visitas a laboratórios e bibliotecas. Embora o deslocamento tenha como referência o local de trabalho principal, as atividades se estendem a múltiplos espaços e, mesmo no interior das universidades, é comum o deslocamento entre campi ou dentro de um mesmo campus. Essa mobilidade é inerente à atuação docente, especialmente para os (as) que se encontram sob o regime de Dedicação Exclusiva, e garante que as universidades públicas permaneçam como os principais centros de produção científica e tecnológica, formação de profissionais de nível superior e promoção da extensão universitária.
Além disso, a multiplicidade de funções gera sobreposição de tarefas, jornadas extenuantes e deslocamentos que não são custeados pelas instituições federais de ensino, sobretudo em um cenário de restrições orçamentárias. A interiorização dos campi foi uma conquista. É fruto de políticas públicas que ampliaram o acesso e a permanência de estudantes oriundos das camadas populares. Esse processo demanda uma atuação docente ainda mais capilarizada em todo o território nacional.
Nesse sentido, a necessidade de assegurar a correta utilização do auxílio-transporte não pode se sobrepor à legislação vigente, tampouco ignorar a complexidade das atribuições docentes. A fiscalização de eventuais abusos no uso do benefício é legítima, mas deve ocorrer de forma responsável, respeitando e valorizando a ampla maioria dos (as) docentes, para os(as) quais o deslocamento – ainda que parcialmente custeado – constitui uma condição elementar para o exercício profissional. Nesse âmbito, que se busque formas de levantamento de casos abusivos que não penalizem ou ponham em pré-julgamento toda a categoria docente. Dessa forma, solicitamos ao MGI a abertura de diálogo com as representações da categoria docente, bem como a revisão da proposta atual de verificação do uso do auxílio-transporte. Não há democracia nem acesso a políticas públicas e direitos sociais sem a valorização dos (as) servidores(as) públicos(as) federais. Esperamos avançar, coletivamente, com diálogo e compromisso, na defesa de uma educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.
22 de abril de 2025.
Direção da Associação Docente da Universidade Federal do ABC (ADUFABC)
Direção da Associação Docente da Universidade Federal de Alagoas (ADUFAL)
Direção da Associação Docente da Universidade Federal Mato Grosso do Sul (ADUFMS)
Direção da Associação Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (APUBH)
Direção da Associação Docente da Universidade Federal do Piauí (ADUFPI)
Direção da Associação Docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ADUFRJ)
Direção da Associação Docente da Universidade Federal Rural da Amazônia (ADUFRA)
Direção da Associação Docente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (ADUR)
Direção da Associação Docente da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (SINDUFTPR)
Direção da Associação Docente da Universidade Federal da Grande Dourados (ADUFDourados)