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WhatsApp Image 2025 04 29 at 18.05.24Fotos: arquivo pessoalUma das maiores referências em paleontologia do Brasil, o professor titular do Instituto de Geociências, Ismar de Souza Carvalho, concorre ao prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo. Ele é um dos finalistas da categoria Ciência e Saúde. A votação esteve aberta no site do jornal até o domingo, dia 27. Ismar também é diretor da Casa da Ciência da UFRJ e conhecido por descobrir, na Chapada do Araripe, a ave fóssil mais antiga do Brasil, com cerca de 115 milhões de anos. Em novembro do ano passado, foi coautor de um artigo publicado na capa da prestigiada revista Nature com outra descoberta. O estudo descreve uma nova espécie de ave, a Navaornis hestiae, que viveu há 80 milhões de anos.
Ismar Carvalho atendeu a reportagem do Jornal da AdUFRJ diretamente da cidade de Torotoro, na Bolívia, durante uma expedição para encontrar os últimos dinossauros que habitaram a Terra. “Estamos seguindo os rastros deles, tentando descobrir onde estão (seus fósseis)”, disse o empolgado cientista. “Tenho 63 anos e fazia tempo que não acampava em altitude e no frio. Passamos dias nessa região andina”, revelou o professor.
O hoje pesquisador 1A do CNPq e Cientista do Nosso Estado da Faperj nasceu em 4 de abril de 1962. Diferente de muitos cientistas de sua geração, Ismar não teve um pesquisador na família em quem pudesse se inspirar. De origem humilde, se formou em escola pública, na cidade de Resende, sua terra natal. A educação, afirma, mudou sua vida. “Era uma cidade essencialmente agrícola. Ou trabalhávamos na lavoura e no comércio ou éramos militares”, conta o professor.
Realidade que o pequeno Ismar driblava com seu apetite pelo conhecimento. “Eu aprendi a ler desde muito cedo. Com cinco anos já escrevia e fazia contas. Para mim, os livros sempre foram janelas para o mundo”, relembra. “As pessoas, sabendo disso, sempre me presenteavam com livros, revistas e enciclopédias”.
O gosto pelo conhecimento e a preocupação com o futuro foram os grandes legados de seus pais, acredita o professor. Sua mãe, dona Zélia Nunes de Carvalho, e seu pai, Ismael Carvalho, hoje com 84 e 89 anos, tinham convicção de que a educação seria a grande herança que poderiam deixar para os filhos. “Tanto eu quanto minha irmã alcançamos os estudos universitários. Quando pequeno, meu pai me deu um quadro negro em que estava escrito: ‘O estudo é a luz da vida’. Nunca esqueci aquela frase”, emociona-se. “Ter o estudo como ponto fundamental na minha trajetória me fez ter escolhas muito acertadas. Uma delas, a de me tornar professor”, analisa o docente. “É uma profissão que me permite transformar a realidade”, orgulha-se.WhatsApp Image 2025 04 29 at 18.05.25 8
O interesse pelos dinossauros nasceu ainda durante a infância. “Lembro que ganhei um livro sobre rochas e fósseis quando tinha mais ou menos oito anos de idade”, conta o docente. “O livro dizia que os fósseis poderiam estar em encostas e margens de rios, em rochas sedimentares. A região onde eu morava tinha essa formação, então sempre caminhava olhando para baixo, na esperança de encontrar algum”, lembra. “Posso dizer que meu desejo de ser um paleontólogo começou na infância, a partir dos livros e dos recortes de jornal que eu colecionava”.
Na juventude, Ismar iniciou a graduação em Geologia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, mas se formou pela Universidade de Coimbra, em 1984. “Fui a Coimbra num esforço financeiro gigantesco do meu pai, da minha mãe e meu. Foram anos muito duros, mas foi um momento também muito rico pelas amizades que ficaram e pelas parcerias estabelecidas”, conta. “São relações que não se desfizeram e que hoje dão muitos frutos em parcerias de pesquisa entre UFRJ, Coimbra, Aveiro, Porto”, revela o professor, que é Pesquisador Associado no Centro de Geociências da Universidade de Coimbra.
Ainda na década de 1980, Ismar retornou ao Brasil onde cursou, na UFRJ, o mestrado e o doutorado. “Fiz concurso em 1988 e fui contratado em 1989. Desde então sou professor em dedicação exclusiva”. Hoje titular, o docente dá aulas para os cursos de graduação de Geologia e Geografia, além de lecionar na pós-graduação de Geologia, Geografia e Biologia Evolutiva. “Posso dizer que meus alunos são a razão dessa indicação ao prêmio e a quem dedico minhas pesquisas. De certa maneira, devo isso a eles. Se não tivesse tantos alunos tão estimulados, que me instigassem a pesquisar mais, não teria chegado até aqui”.
O fascínio pela paleontologia não foi herdado pelos filhos Mateus e Julia. “Quando eles eram crianças eu tentei estimulá-los para a área, mas acho que estimulei demais”, brinca. O filho é economista. A filha, médica. “Foram para áreas completamente diferentes. O importante é que escolheram o caminho do conhecimento e são felizes. Fizeram o que queriam e estão realizados”, elogia.
WhatsApp Image 2025 04 29 at 18.05.25 5Além do amor pela família e pelo conhecimento, Ismar Carvalho tem outra paixão: o futebol. Desde criança torce pelo time do Resende. Já depois de adulto passou a ter um segundo time do coração, o Sousa Esporte Clube, da Paraíba. O mascote da equipe é um dinossauro verde. “É o time oficial de todo paleontólogo”, diverte-se o docente. “Na final do campeonato paraibano deste ano fomos nós, um grupo de paleontólogos, torcer pelo Sousa, que foi campeão”, comemora.

Orgulho para a UFRJ
Entre os colegas de instituto, o professor é unanimidade. “Eu conheço o Ismar há muitos anos. Foi contemporâneo meu na Rural. Eu concluí o curso de Geologia lá e ele seguiu para Coimbra. Depois, nos reencontramos na UFRJ, já como professores”, relembra Edson Farias Mello, diretor do Instituto de Geociências. “Ele é um pesquisador brilhante! Alguém apaixonado que traz aos alunos conhecimentos de ponta”, elogia o docente. “Muitos trabalham porque ganham muito, outros porque têm desejo de galgar posições. Ele trabalha porque ama”, resume.
O professor Edson Mello conta que a Casa da Pedra, mantida pelo IGEO na região de Santana do Cariri, no Ceará, foi iniciativa do professor Ismar Carvalho. “É um projeto científico e, mais do que isso, é um projeto inclusivo, que resgata o orgulho da população local por sua cultura”, destaca. “Quando Ismar trouxe a ideia de deixar à mostra os cascalhos de pedra que formam a casa, trouxe junto a valorização da cultura da região”, revela. “Os moradores também utilizavam as rochas na formação de suas casas, mas as cobriam. O projeto transformou a estética das casas dos moradores. Ninguém mais queria esconder as pedras”, conta. “É um colega por quem tenho muita admiração”.
“Para mim, não há a menor dúvida de que o professor Ismar deve ser o merecedor do Prêmio Faz Diferença, em Ciência e Saúde. Ele é motivo de orgulho para o nosso CCMN”, afirma o decano do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, professor Josefino Cabral Lima. “O professor Ismar tem uma retidão de caráter formidável, possui um rigor científico de altíssimo quilate, é expoente mundial em sua área de pesquisa”, elenca o dirigente.
“Para além desse lado profissional, onde ele se destaca brilhantemente, no trato pessoal é um ser humano extremamente afável, um amigo leal e bondoso”, elogia. “Tenho orgulho de tê-lo no quadro do nosso Centro. O professor Ismar Carvalho é realmente motivo de alegria para todos nós”.

O prêmio
O professor Ismar Carvalho conta que já estava em expedição na Bolívia quando o jornal O Globo entrou em contato para informar sobre a premiação. “Achei que era um trote. Fiquei absolutamente surpreso”, recorda-se. “O estudo que eles destacaram não é o meu principal objeto de estudo, mas a novidade, seja ela qual for, é o que me move. Cada vez que encontro um fóssil é como se eu o trouxesse à vida de novo”, conta. “O conhecimento te dá essa possibilidade de trazer novamente à luz a vida que estava escondida há milhões de anos. Tem tudo a ver com aquela frase do quadro que meu pai me deu lá na infância”.
A pesquisa do docente, destacada pelos organizadores da premiação, indica o Brasil como último refúgio dos grandes mamíferos que habitaram o planeta na Era do Gelo. São exemplos a preguiça gigante e o mastodonte. As investigações revelaram fósseis com 3.500 anos, quando o consenso científico apontava que eles teriam sido extintos em massa há aproximadamente 12 mil anos. A descoberta muda a forma de olhar para o passado e pode repercutir em pesquisas aplicadas, por exemplo, nas áreas de geologia, petróleo e gás.
O docente reconhece, no entanto, que os outros finalistas que concorrem na categoria Ciência e Saúde também têm importantes méritos. Além do professor Ismar Carvalho, são finalistas o professor associado de Medicina em Harvard e diretor de Transplante Renal no Massachusetts General Hospital, Leonardo Riella; e professora titular da Faculdade de Medicina na USP, Ludhmila Hajjar. Riella liderou a equipe que fez o primeiro transplante bem sucedido de rim de porco em um ser humano. Hajjar coordenou um documento de enfrentamento às drogas e acolhimento humanizado de usuários, destinado ao STF.

A pesquisa
O estudo destacado pela organização do prêmio tem relação com a quebra de paradigma do tempo geológico, como explica o professor Ismar Carvalho. “As mudanças nas eras geológicas são marcadas por catástrofes ambientais que levaram a grandes eventos de extinção. Quando você lê os estratos geológicos, você tem um retrato instantâneo mas só daquilo que ficou registrado. No entanto, o que mais existe é a falta do registro”, argumenta.WhatsApp Image 2025 04 29 at 18.05.25
Atrás dessas lacunas, o professor descobriu fósseis no Brasil – Ceará e Mato Grosso do Sul – que não coincidiam com o consenso científico que os grandes mamíferos (também chamados de megafauna) foram extintos em massa na transição da era do Pleistoceno para o Holoceno. Em vez de fósseis com 12 mil anos ou mais, o professor encontrou exemplares com 3.500 anos. O artigo foi publicado em 15 de fevereiro deste ano no Journal of South American Earth Sciences. “O estudo quebra um paradigma e não há coisa melhor para um cientista do que romper paradigmas”, destaca.
“Percebemos que um depósito fossilífero podia acumular fósseis de várias épocas, como se fosse uma armadilha do tempo. O que nosso estudo faz é abrir essa caixa do tempo”, exemplifica o professor. “Nós temos uma lenda indígena na região amazônica de um bicho chamado Mapinguari. Em Alagoas, o bicho mitológico se chama Zamba. A descrição deles é idêntica e muito semelhante a uma preguiça-gigante. Ou seja, são animais que existiram até recentemente, que viveram próximos de nossos antepassados”. Em nenhum outro local do mundo foram encontrados fósseis da megafauna tão jovens.
Os achados mudam a forma de olhar para o passado e para as mudanças de era do planeta. “Desfizemos a noção de que tudo desapareceu ao mesmo tempo. A extinção não é uma linha reta. Essas linhas do tempo transgridem essa leitura parcial que a humanidade faz da própria natureza”, analisa o professor. “O trabalho abre uma perspectiva de natureza teórica, mas também de natureza prática sobre as divisões do tempo geológico. Comprovamos que essa fauna se manteve até 3.500 anos, que sua extinção se deu progressivamente”, afirma.
“Hoje vivemos outro momento de grandes transformações do planeta. Será que serão acompanhadas de grandes eventos de extinção em massa? Ou será que haverá uma mudança progressiva, como observamos nesse trabalho?”, questiona. “Acho que a pesquisa nos ajuda a entender melhor como será nosso futuro e a compreender aonde poderemos chegar”.

 

A íntegra do artigo pode
ser conferida em:
https://is.gd/KSwdGt .

Assinam o trabalho,
além do professor
Ismar Carvalho,
os pesquisadores
Fábio Henrique
Cortes Faria,
Hermínio Ismael
de Araújo-Júnior,
Celso Lira Ximenes
e Edna Maria Facincani.

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