O filme "A Escolha de Sofia", de 1982, conta a terrível história da polonesa Sofia Zawistowska, sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz. Durante o confinamento, a mãe de dois filhos é forçada por um soldado nazista a escolher qual criança sobreviveria. "Não tenho como escolher", desespera-se Sofia, protagonizada por Meryl Streep (imagem ao lado).
A Escolha de Minerva não é tão dramática quanto a de Sofia, mas pode selar o destino de jovens que enxergam a universidade como uma possibilidade real para melhorar a vida. No dia 9, a reitoria determinou um pacote emergencial de contenção de despesas. Estão suspensos gastos com combustíveis, manutenção de frota, diárias, passagens e aquisição de material de consumo. Só serão priorizados serviços essenciais.
A medida da administração central foi a resposta imediata a um decreto federal que alterou a forma de repasse dos recursos para as universidades. Em vez da liberação do orçamento global, as instituições terão que se desdobrar com repasses mensais reduzidos até novembro. "Estamos vivendo escolhas de Sofia diárias", desabou a chefe de gabinete do reitor, professora Fabiana Fonseca. Na próxima segunda, reitores e comunidades acadêmicas se reúnem com parlamentares para evitar um trágico desfecho para esta história.
UNIVERSIDADE NÃO TEM DINHEIRO PARA NADA
Kelvin Melo
A reitoria anunciou na sexta-feira (9) um pacote emergencial de medidas para contenção das despesas. Estão suspensos todos os gastos com combustíveis; manutenção da frota veicular; diárias e passagens e aquisição de material de consumo (exceto aqueles usados em aulas). Só serão mantidas as despesas consideradas de extrema necessidade como assistência estudantil, serviços essenciais de segurança, saúde, limpeza, transporte (indispensável às atividades acadêmicas) e restaurante universitário.
O pacote é consequência do decreto nº 12.448 do governo, publicado em 30 de abril, que reduziu os limites de gastos de todas as universidades federais até o fim de novembro, em cumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal. No caso da UFRJ, que já contava com poucos recursos desde o início de 2025, a medida não deixa nenhum centavo disponível para o empenho de despesas já neste mês de maio.
“Se nós tivéssemos uma gaveta de dinheiro, isso significaria que o MEC recolheu parte do que havia concedido. Ele recolheu o limite orçamentário. Temos menos do que o MEC havia atribuído para a gente sobreviver por cinco meses”, explicou o pró-reitor de Finanças, professor Helios Malebranche.
Neste mês, o quinto do ano, a UFRJ deveria ter à disposição pelo menos 5/12 do orçamento discricionário — verba que os gestores podem utilizar livremente para custeio das despesas. Porém, o decreto do governo limitou o empenho, até o fim de maio, para 5/18 de um montante total já insuficiente.
Para se ter uma ideia, a reitoria estima em R$ 484 milhões a verba necessária apenas para o funcionamento básico da instituição em 2025. “Mas recebemos R$ 311 milhões para funcionamento. E o MEC não leva em consideração que diversas despesas são do ano passado. É uma situação extremamente grave. Não temos limite nenhum de orçamento para funcionar no mês de maio”, completou Helios.
“Com o decreto, nossa situação fica próxima da insustentabilidade. Hoje, não temos dinheiro para pagar nossas contas. Estamos negociando. Há uma mobilização de todos os reitores para que haja uma sensibilidade em relação às universidades. Educação é um bem essencial”, disse o reitor Roberto Medronho.
“Se isso permanecer, trará prejuízos enormes para o nosso funcionamento e, ao final do ano, repassaremos grande parte da dívida para o ano que vem. É um ciclo vicioso que precisa ser rompido”, afirmou o dirigente.
FIM DE ANO
MAIS COMPLICADO
Ainda de acordo com o decreto do governo, a liberação dos recursos seguirá em 1/18 por mês até novembro. Somente em dezembro, se nada mudar, será liberado o restante. E com prazo de empenho apenas até 2 de dezembro.
As preocupações financeiras não são exclusividade da UFRJ. Por nota, a reitoria da Universidade Federal de Viçosa reprovou o decreto de execução orçamentária. “A situação fica ainda mais crítica com o fato de que 36,72% do orçamento do MEC serão liberados apenas em dezembro, mês em que o prazo de empenho será o dia 2. Ou seja, as Ifes terão apenas dois dias para executar quase a metade de seu orçamento, o que é totalmente inviável”.
O reitor da UFV, Demetrius David da Silva, que também preside a Comissão de Financiamento das Universidades Federais, afirmou na mesma nota: “Além do valor aprovado na LOA 2025 ser insuficiente para fazer frente a todas as despesas das Ifes, ainda se corre o grande risco de inadimplência junto aos fornecedores das instituições e de gastos inadequados no apagar das luzes do ano”.
REITORES DO RIO
MOBILIZADOS
Os reitores do Rio estão se mobilizando para tentar reverter a situação. Eles convocaram uma reunião com a bancada federal fluminense para a próxima segunda-feira (19), no Instituto Federal do Rio de Janeiro.
“A expectativa é sensibilizar os parlamentares para a situação que estão vivenciando universidades e institutos federais, o Cefet e o Pedro II. Queremos recompor nosso orçamento pelo menos no que foi proposto pelo governo, e também a liberação do orçamento para que possamos pagar nossos fornecedores”, afirmou o professor Roberto Rodrigues, presidente do Fórum dos Reitores das Instituições Públicas de Ensino do Rio de Janeiro, em entrevista à rádio CBN.
Rodrigues, que é reitor da Rural, falou sobre o drama local. “Com a liberação de 1/18, cada mês está sendo um desafio gigantesco para pagar nossos fornecedores. Não sabemos até quando conseguiremos pagar”, disse. “Só estamos atendendo questões emergenciais, como o combustível para nossos ônibus que circulam internamente, recursos para a segurança e questões bem básicas no caso da saúde. Fora isso, não estamos liberando pagamento de nada, pois não temos recursos”.
Análise
Ana Beatriz Magno e Kelvin Melo
Editores do Jornal da AdUFRJ
UFRJ: um cotidiano de escolhas de Sofia
A universidade está diante de dramáticas escolhas de Sofia. Estão no plural porque são várias e ocorrem todos dias desde que o orçamento da UFRJ ficou aquém de sua responsabilidade social e muito menor do que o custo de seu funcionamento. O quadro se agravou no dia 5 de maio, quando o Ministério da Educação comunicou às universidades de todo o país que iria mudar a fórmula de repasse dos recursos. A nova metodologia foi determinada num decreto datado de 30 de abril e se transformou num pesadelo para os setores de finanças e de contratos das instituições federais de ensino.
Até então, as universidades se espremiam para quitar suas contas com o orçamento anual, aprovado na Lei Orçamentária, definida pelo Congresso Nacional. Agora, isso mudou. Até novembro, as universidades vão receber, mensalmente, um dezoito avos do orçamento. O restante será liberado no final do ano, transformando os primeiros dias de dezembro em uma corrida contra o tempo.
“Não temos mais o que economizar. Não temos recursos para economizar”, desabafa a professora Fabiana Fonseca, chefe de gabinete do reitor e experiente ex-diretora da Escola de Química. “Estamos diante de escolhas de Sofia dramáticas. Escolhemos o essencial do essencial, mas isso é muito pouco”, completou a docente, lembrando que, no passado, a universidade recebia recursos anuais, o que facilitava o planejamento e a definição de prioridades. “A dinâmica de orçamento, empenho e pagamento mudou. Antes, a gente podia se organizar para escolher o que pagar primeiro, o que pagar num mês ou deixar para o outro”.
O reitor Roberto Medronho fez sua primeira escolha de Sofia na noite de quinta-feira, 8, após longa reunião com parte de sua equipe. Medronho escolheu cortar diárias e passagens, combustível e manutenção de veículos da universidade e aquisição de material de consumo (exceto os usados em aulas). “A manutenção da frota é sob demanda. Agora, quando um carro ou um ônibus enguiçar, ficará parado”, resume Fabiana.
“É uma situação dramática. Fomos pegos de surpresa”, lamentou o reitor. “Sei que o governo está numa situação delicada e que a responsabilidade pelo agravamento das nossas dívidas é do Congresso. É ele que aprova o orçamento. O governo depende do Congresso. Não vou bater no governo, não serei irresponsável de abrir as portas para a extrema direita. Mas tenho que defender a universidade”, explicou o reitor na noite de sexta-feira, 9, pouco antes de embarcar para a China em busca de novos convênios e mais recursos. A viagem foi inteiramente custeada pela Universidade de Beihang. “Minha escolha é a UFRJ, mas precisamos de ajuda”.
Livro: "A Escolha de Sofia"
Autor: William Styron, 1925-2006 (EUA)
Ano: 1979
Sinopse: romance narra a história de Sofia, uma mulher polonesa que sobreviveu ao Holocausto. O título faz referência a um momento dramático no campo de concentração onde Sofia é obrigada a escolher qual de seus filhos deve ser levado para a morte, uma escolha que a atormenta para sempre.
Filme: "A Escolha de Sofia"
Diretor: Alan J. Pakula,
1928-1998 (EUA)
Ano: 1982 (ganhador do Oscar de 1983)
Observação: Meryl Streep recebeu o Oscar de melhor atriz pela atuação como Sofia.