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WhatsApp Image 2025 05 14 at 18.57.49 9Fotos: Arquivo PessoalNem as áreas mais isoladas e protegidas do Brasil estão livres dos agrotóxicos. Um estudo conduzido por pesquisadores da UFRJ demonstrou que 17 tipos diferentes de veneno estão presentes em ambientes aquáticos dos parques nacionais do Itatiaia e da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, a mais de dois mil metros de altitude. Alguns dos compostos, como o clorpirifós e o diazinon, foram encontrados em concentrações acima dos padrões considerados seguros para organismos humanos e o meio ambiente.
“As consequências são imprevisíveis. São áreas de alto endemismo, há espécies que só ocorrem no tipo de ambientes que estudamos. O estudo mostra que pode haver sérios danos à biodiversidade nesses locais”, alerta o professor Cláudio Parente, um dos autores do artigo “Ocorrência de agrotóxicos de uso atual em sedimentos de lagos e áreas alagadas em áreas montanhosas intocadas de parques nacionais brasileiros”, publicado em março na revista científica Environmental Pollution (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0269749125003781) e feito em parceria com a Faculdade de Ciências da Universidade Masaryk, da República Tcheca.
Coordenador do Laboratório de Estudos Ambientais Olaf Malm, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ), Cláudio Parente diz que a presença de agrotóxicos em áreas protegidas mostra que o uso intensivo desses compostos pode ter sérias consequências para o país: “Os agrotóxicos não respeitam fronteiras. Temos dois parques nacionais que são áreas de conservação escolhidas pelo país para serem reservas, ambientes intocados, que chamamos de pristinos. E nem mesmo esses ambientes controlados, com gestão do ICM Bio, estão livres dos agrotóxicos”.
As amostras estudadas foram coletadas em 2017 em lagos e áreas inundáveis dos dois parques. Os sedimentos recolhidos nesses locais indicaram a presença de seis herbicidas, sete inseticidas, quatro fungicidas e dois acaricidas. Os que mais chamaram a atenção foram o clorpirifós, o diazinon e o dissulfoton, inseticidas do grupo dos organofosforados. O clorpirifós foi o mais abundante em quatro das seis amostras coletadas, com concentração 14.589 vezes acima do nível considerado seguro para organismos aquáticos, como microcrustáceos, algas e peixes. Largamente utilizado em lavouras, ele é altamente tóxico e relacionado a abortos espontâneos e problemas neurológicos em fetos e crianças.

PROPAGAÇÃO
O diazinon apresentou níveis até 778 vezes superiores ao limite aceitável, e o dissulfoton apareceu em concentrações até 347 vezes acima do que é considerado seguro para o meio ambiente. Esses dois compostos estão proibidos no Brasil desde 2020. O acetochlor, outro composto encontrado nas montanhas, é altamente tóxico para peixes. Estudos anteriores citados no artigo sustentam que o agrotóxico “é associado a deformidades, disrupções hormonais, malformações neurológicas e mortalidade, e tem potencial para perturbar interações ecológicas e redes tróficas em ecossistemas de água doce”.WhatsApp Image 2025 05 14 at 18.57.49 13COLETA As amostras de sedimento analisadas foram recolhidas pelas equipes em 2017 e mostraram alta concentração de compostos
Na conclusão do artigo, os pesquisadores fazem outro alerta: “As descobertas ressaltam a necessidade de ação urgente para mitigar o impacto da contaminação por pesticidas, particularmente em regiões de alta biodiversidade. Medidas regulatórias aprimoradas, juntamente com práticas agrícolas sustentáveis, são cruciais para proteger esses ecossistemas inestimáveis ​​de maior degradação”.
De acordo com o professor Cláudio Parente, a propagação dos agrotóxicos se dá pelo ar e de três formas distintas. “Podem viajar pelo ar em estado gasoso, ou se associarem a partículas de poeira, ou ainda em aerossóis, pequenas partículas líquidas”, explica. Não é possível saber de onde vieram os compostos. “Pode ser de áreas distantes ou mesmo do cinturão verde da Região Serrana. O fato é que foram detectados em áreas protegidas a mais de dois mil metros de altitude. Isso pode estar ocorrendo, até em maior escala, em áreas como o Pantanal, de forte monocultura. E nas casas de pessoas que vivem em áreas agrícolas, famílias que têm seus filhos, mulheres grávidas, pessoas idosas”, avalia.

DESEQUILÍBRIO
Autora da tese de doutorado que dá base ao artigo, a pesquisadora Patrícia Genázio Pereira, também do IBCCF, destaca o perigo da contaminação das nascentes. “O clorpirifós, por exemplo, tem permanência prolongada em ambientes de água doce e a baixas temperaturas, como as encontradas nos dois parques nacionais. São áreas de nascentes, e a deposição dos agrotóxicos ali pode causar sérios riscos. A água vai servir ao consumo humano nas bacias que se formam a partir dessas nascentes. Nós todos estamos expostos, mesmo que de forma indireta”, diz Patrícia.
A pesquisadora se disse impressionada com a quantidade de compostos encontrada. “É um mix muito grande, e isso nos deixou alarmados. Nós vamos para essas reservas naturais e protegidas achando que estamos em um lugar imaculado, que vamos beber água da fonte sem problema nenhum. E na realidade não é isso que acontece. Esses agrotóxicos são aplicados em áreas muito distantes e viajam pelo ar até chegar ali, contaminando tudo, a água, o solo, os animais”, observa ela.
Patrícia avalia que todo o ecossistema pode ser afetado: “Fizemos uma análise de coeficiente de risco e oito agrotóxicos apresentam risco muito grave para a biota local. Alguns compostos atingem mais as algas, outros os microcrustáceos, outros os peixes. Mas tudo isso faz parte de um ecossistema que está equilibrado. Se você compromete as algas, os microscrustáceos se alimentam delas, e eles servem de alimento aos peixes. Isso gera um desequilíbrio grande”.
WhatsApp Image 2025 05 14 at 18.57.49 12SEDIMENTOS. O material foi coletado no fundo de lagos e áreas inundáveis dos dois parques nacionais administrados pelo ICMBioDe acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação (FAO), com base no ano-safra de 2021, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. São, em média, 10,9 kg de venenos em cada hectare. Os Estados Unidos usam 2,85 kg/hectare, e a China, 1,9 kg/hectare. Desde 2008, o Brasil lidera o ranking no uso de venenos no campo. “É um modelo que o país escolheu, extremamente atrelado a um viés capitalista, e a gente não quantifica o preço disso para o país. Qual o impacto disso no SUS, nas doenças causadas pelo uso intensivo de agrotóxicos? É preciso tornar isso público para além da academia. Se foram capazes de chegar tão longe, quão perto podem estar?”, indaga o professor Cláudio Parente.

Santuários ameaçados

As duas áreas escolhidas para o estudo estão entre as mais antigas unidades de conservação do Brasil. O Parque Nacional do Itatiaia foi o pioneiro. Criado em junho de 1937, ele está situado no alto da Serra da Mantiqueira e inclui áreas dos municípios de Itatiaia e Resende, no Rio de Janeiro, e de Bocaina de Minas e Itamonte, em Minas Gerais. As altitudes variam de 600 a 2.791 metros, em seu ponto culminante, o Pico das Agulhas Negras.
A parte mais alta do parque, conhecida como Planalto do Itatiaia, abriga campos de altitude e vales suspensos onde estão nascentes de 12 bacias hidrográficas regionais, que formam duas bacias principais: a do Rio Grande, afluente do Rio Paraná, e a do Rio Paraíba do Sul, o mais importante do Rio de Janeiro.
Já o Parque Nacional da Serra dos Órgãos foi criado em novembro de 1939 e é o terceiro mais antigo do país — o segundo é o do Iguaçu, de janeiro de 1939. Está situado na Serra do Mar e abrange áreas dos municípios fluminenses de Teresópolis, Petrópolis, Magé e Guapimirim. De acordo com o ICMBio, o parque abriga mais de 2.800 espécies de plantas, 462 espécies de aves, 105 de mamíferos, 103 de anfíbios e 83 de répteis, incluindo 130 animais ameaçados de extinção.

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