Foto: Fernando Souza‘Olê, olê, olê, olá, Bene-dita!”. O canto da plateia lotada foi uma das várias quebras de protocolo, todas plenamente justificáveis, da sessão solene do Conselho Universitário que outorgou, na tarde de segunda-feira (9), o título de Doutora Honoris Causa da UFRJ à deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Presidida pelo reitor Roberto Medronho, a sessão solene se tornou uma emocionante homenagem à trajetória de vida da parlamentar de 83 anos, uma histórica combatente na defesa dos direitos humanos e da democracia no Brasil.
“Acho que nunca vi uma sessão solene do Consuni com esse quórum”, brincou o reitor, diante do auditório lotado do Salão Pedro Calmon, no campus Praia Vermelha. Com um discurso inspirador (veja os principais trechos abaixo), Benedita relembrou toda a sua história, desde as vielas da favela Chapéu Mangueira, no Leme, Zona Sul do Rio, até os gabinetes de Brasília. E destacou que sempre teve de ser “metida” para enfrentar todos os tipos de preconceito e construir a sua sólida e invejável biografia. “Aprendi a ir me metendo desde criança, me metendo para existir, me metendo para aprender e sobreviver”, disse ela, que teve sua fala interrompida diversas vezes sob palmas calorosas da plateia.
FORÇA E ESPERANÇA
O título foi indicado pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida (Nepp-DH) e aprovado por aclamação pelo Conselho Universitário. Ao saudar a homenageada, a professora Fernanda Barros, vice-diretora do Nepp-DH, lembrou que Benedita foi a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira no Senado Federal, em 1994, e a primeira governadora negra do país, em 2002. “Sua trajetória de vida e de luta representa a dignidade, a força e a esperança de milhões de brasileiros”, salientou Fernanda.
A professora destacou também a importância do título para os defensores dos direitos humanos e para a luta antirrascista: “Há um significado ainda mais especial para nós, mulheres negras, urbanas das classes populares, dos subúrbios, do interior, das favelas. Trata-se do reconhecimento de uma trajetória gigantesca. Os caminhos percorridos por Benedita da Silva são memoráveis e colossais”.
Nascida em 26 de abril de 1942, na então favela da Praia do Pinto, no Leblon, Benedita mudou-se com a família ainda bebê para o Chapéu Mangueira, onde foi criada e moldou seu engajamento político e social. Filha do pedreiro José Tobias da Silva e da lavadeira Maria da Conceição Sousa da Silva, ela trabalhou como vendedora ambulante, empregada doméstica, auxiliar de enfermagem, professora e assistente social. Com forte atuação comunitária, participou da fundação do PT e, em 1982, foi eleita pelo partido como vereadora pelo Rio de Janeiro, seu primeiro cargo político. Em 1986, foi eleita para seu primeiro mandato — está no sexto — como deputada federal pelo PT-RJ.
MODELO DE LUTA
Inspirados pelo discurso da parlamentar, os oradores que se seguiram a Benedita falaram um pouco de suas próprias histórias de vida. “Eu tinha até escrito um discurso, mas depois das palavras da deputada, ele não faz mais sentido”, disse a vice-reitora Cássia Turci, emocionada. Ela preferiu falar de sua infância no Brasil e das dificuldades que enfrentou como filha de imigrantes árabes.
O reitor Roberto Medronho também relembrou de sua criação no Conjunto dos Ferroviários, em Pilares, no subúrbio carioca. “Estudei em escola pública e no Colégio Pedro II, graças a isso estou aqui. Mas muitos dos meus amigos de infância, com quem jogava bola ou búlica, ficaram pelo caminho”, disse Medronho.
O decano do CFCH, professor Vantuil Pereira, falou de sua trajetória no movimento negro e de quanto Benedita representa para os que estão nesse campo de luta: “Você é uma figura profética. Profética no sentido de indicar o valor da luta pelos direitos humanos, pelas mulheres e por toda a comunidade negra. Não somos nós que te homenageamos. Hoje, aqui, é você que nos homenageia”, pontuou o decano.
Em mais uma quebra de protocolo, o reitor pediu que a superintendente-geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade da UFRJ, Denise Góes, saudasse a homenageada. Militante do Movimento Negro Unificado (MNU), Denise afirmou que a trajetória de Benedita da Silva é um modelo para os militantes pelos diretos humanos: “Você trouxe o morro e a favela para o centro do debate. A trajetória do MNU está intrinsicamente ligada a você. Nós falamos agora por nós. Bota fé, Bené, nós botamos fé em você”.
Sentado na primeira fila da plateia, o ator Antônio Pitanga, casado com Benedita há mais de 30 anos, fez vídeos com seu celular de vários momentos da cerimônia e ficou particularmente emocionado com o discurso da sua mulher. “Essa homenagem é tão linda, tão humana, tão grandiosa, que me comovi, chorei algumas vezes. Mesmo vivendo na mesma casa, sendo marido dela, eu não conhecia essa fala que ela fez. Ela se fechou lá e fez isso. Isso tocou não só a mim como a todos. É uma caminhada em que havia pedras no caminho, mas essas pedras no caminho da Benedita sempre foram degraus para ela subir. É uma homenagem muito merecida”, disse Pitanga.