Fotos: Fernando SouzaRecém-iniciada, a primavera ganhou um colorido diferente na UFRJ. Desde segunda-feira, professores, alunos e técnicos apresentam uma parte da fina flor do ensino, pesquisa e extensão produzidos na universidade. É a 14ª Semana de Integração Acadêmica (SIAC) — a maior dos últimos anos, com 6.615 trabalhos (veja infográfico AQUI) — ocupando salas e corredores em todos os campi.
E uma festa do conhecimento deste porte não poderia ter um começo melhor: em grande evidência na mídia nacional com a revolucionária pesquisa sobre o tratamento de lesões medulares, a professora Tatiana Sampaio realizou a conferência de abertura. “Não posso nem descrever a honra que é ter sido convidada a falar na abertura deste evento tão importante que é a SIAC”, disse a docente do Instituto de Ciências Biomédicas.
No lotado salão nobre do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, Tatiana mostrou as idas e vindas de um projeto que nasceu em 1999 na bancada do laboratório — como muitas iniciativas da SIAC —, virou estudo clínico em humanos em 2018 e, após longos 25 anos, está cada vez mais perto de se tornar um medicamento comercializado no mercado: a polilaminina.
Poli o quê? “Só para falar já é difícil. É um trava-língua. Mas a culpa não é minha. Foi um editor de revista científica que deu o nome. Para editor, a gente fala ‘sim, senhor’. Se vocês tiverem alguma ideia de como encurtar isso, me mandem”, brincou Tatiana logo no início da apresentação, arrancando risadas da plateia.
A polilaminina é uma “malha” inventada a partir de proteínas naturais, as lamininas, presentes em várias partes do corpo e com alto poder regenerativo no sistema nervoso periférico. “Quem fez uma cirurgia, uma cesariana, perde a sensibilidade no local, porque cortou um nervo, mas a sensibilidade volta após um tempo”, explicou Tatiana.
O estudo coordenado pela docente potencializou esse efeito para a medula espinhal, onde a laminina deixa de existir poucos dias após as pessoas nascerem. E, entre 2018 e 2021, chegou a um estudo experimental com seres humanos. Os pacientes receberam injeções de polilaminina até três dias após as lesões sofridas em acidentes ou ataques por arma de fogo. Dois deles morreram por condições não ligadas ao tratamento e seis recuperaram movimentos que haviam perdido, em diferentes graus.
Em linguagem didática e descontraída ao mesmo tempo, Tatiana mostrou como a investigação científica depende de muita colaboração para sair do papel. “Que tal organizar um estudo clínico para pacientes humanos com lesão medular completa nas emergências dos hospitais públicos do Rio e injetar uma droga completamente nova na medula espinhal deles, com pouco financiamento público?”, brincou. “Tive muita ajuda de muitas pessoas que embarcaram nessa ‘furada’, a princípio, e ajudaram a tornar a pesquisa uma realidade”, disse.
Uma dessas ajudas tornou possível a cooperação do setor produtivo, algo que representa um certo tabu nas universidades públicas brasileiras. Amigos que tinham contato com uma empresa farmacêutica de São Paulo fizeram o “meio-campo” entre Tatiana e o presidente da Cristália. As conversas avançaram para um contrato assinado em 2021 com a UFRJ. “A Cristália é brasileira. Eu tenho muito orgulho da UFRJ, mas também muito orgulho de cooperar com essa empresa. Os anestésicos do SUS são produzidos pela Cristália. Por isso não teve gente morrendo durante a pandemia sem anestésico para poder intubar”, informou.
Hoje, a polilaminina aguarda a aprovação de um estudo regulatório em humanos — que será conduzido na USP — para poder chegar ao mercado. E, em paralelo, já avança uma pesquisa em animais para investigação dos efeitos da polilamina em lesões crônicas, ou seja, que já aconteceram há mais tempo.
Humilde, a professora atribuiu o sucesso midiático da pesquisa ao momento atual do país, que defende a soberania dos ataques do presidente norte-americano. “Depois que apareceu no Fantástico, outros meios de comunicação se interessaram. Virou um boom. Veio ao encontro de um momento do país de a gente poder dizer que somos independentes, que podemos fazer nossas coisas”, disse. Mas não teve jeito. A pesquisadora foi aplaudida de pé pelo público e a SIAC ganhou uma abertura histórica.
Pró-reitor de pós-graduação e pesquisa, o professor João Torres arrematou: “Dou aula de história da ciência. E às vezes pergunto aos meus alunos quais são as fotos mais impressionantes da Ciência. Citam as fotos do Atol do Bikini, no Pacífico, onde foram realizadas as primeiras experiências da bomba atômica. Citam as fotos do hospital do Canadá, com crianças diabéticas tomando insulina pela primeira vez. Quem sabe daqui a alguns anos a foto citada será dos pacientes da Tatiana levantando das cadeiras?”, questionou.
“ENFRENTEM PROBLEMAS CONCRETOS COM IMAGINAÇÃO E MÉTODO”
A 14ª SIAC cresceu em relação ao ano anterior: são 6.615 trabalhos e 15.125 participantes inscritos contra 6.404 e 14.119, respectivamente, de 2024 (veja os números na página 5).
“Os números são surpreendentes. E destes mais de 6 mil trabalhos, 907 se apresentam dentro da modalidade de ensino, pesquisa e extensão, já integrados. Essa é uma tendência crescente. Temos trabalhado para que esta integração se dê de forma recorrente nas três dimensões”, disse a pró-reitora de Extensão, professora Ivana Bentes, durante a mesa de abertura do evento.
O pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa, professor João Torres, considera a SIAC o grande momento do calendário acadêmico. “Para mim, o momento mais especial do calendário da UFRJ é a Semana de Integração Acadêmica — e, em particular, as apresentações do PIBIC. É aqui que a universidade, apesar das adversidades, floresce à vista de todos, com a criatividade, o rigor e a generosidade que caracterizam o nosso fazer universitário”.
João Torres avaliou o evento como uma oportunidade para o diálogo entre diferentes áreas. “Procurem colaborações improváveis, misturem linguagens, compartilhem dados e ideias, enfrentem problemas concretos com imaginação e método. A universidade pública se afirma quando transforma excelência em propósito, rigor em serviço, conhecimento em bem comum”, completou.
Já a pró-reitora de Graduação, professora Maria Fernanda Quintela, fez um apelo para que a SIAC cresça ainda mais. “Venho pedir um envolvimento maior. A SIAC são cinco dias letivos. Essa semana tem que ser valorizada. Nós temos que parar nossas aulas, não posso ter professor dando prova hoje”, disse.
O reitor Roberto Medronho situou a realização da SIAC no debate atual em torno da soberania do país. “Hoje se discute muito a questão da soberania. Soberania depende de ciência, tecnologia e inovação. Precisa de educação. Nós precisamos produzir nosso próprio conhecimento. Não podemos mais ficar dependentes de nenhum outro país”.