Carioca da gema e flamenguista convicto, o professor Luiz Davidovich é uma das sumidades da UFRJ. Professor emérito e especialista em óptica quântica – ramo da física que investiga a interação da luz com a matéria –, ele foi anunciado como grande vencedor do prêmio TWAS Apex 2025. A honraria, uma das maiores do mundo, é dedicada a pesquisadores de países em desenvolvimento. No caso de Davidovich, o prêmio foi concedido por suas pesquisas na área da ciência quântica.
Foto: FERNADO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASILA brilhante carreira do professor Luiz Davidovich, de quase 50 anos de dedicação ao ensino e à pesquisa, foi inspirada dentro de casa, no Flamengo. Sua mãe, a geógrafa Fany Rachel Davidovich, foi pioneira no Brasil nas pesquisas em Geografia Urbana. “Minha mãe trabalhava no IBGE e desenvolveu uma pesquisa pioneira. A Geografia Urbana inovou muito. Ninguém fazia aquilo. Era muito mais completa, analisava muito mais variáveis e estendeu o próprio conceito da Geografia”, lembra o professor.
“Além de minha mãe ser profundamente ligada à pesquisa, o meu pai (Paschoal Davidovich) também foi fundamental nessa minha formação. Ele era engenheiro civil, mas tinha uma vasta biblioteca de História e Filosofia. Era fantástica e eu passava horas ali”, recorda.
Quando estava na antiga sétima série do ginásio (hoje oitavo ano), o curioso Luiz se inscreveu num curso por correspondência do Instituto Monitor. O objetivo, ao final, era montar um rádio em casa. “As correntes elétricas, hidráulicas, as trocas de elétrons... tudo isso me despertou mais curiosidade na área de Física”, conta.
Quando chegou a época do vestibular, Luiz Davidovich passou para engenharia na UFRJ – o curso ainda funcionava no Largo de São Francisco de Paula, no Centro – e para Física, na PUC-Rio. “Pensei em fazer os dois cursos ao mesmo tempo. O de Física começou primeiro. Lá eu tive um professor, Pierre Henri Lucie, que tinha uma maneira tão dinâmica de ensinar, que me cativou”, lembra. “Em duas semanas fiquei decidido a seguir na Física”.
Bolsista de produtividade 1A do CNPq, Davidovich tem mais de cem artigos indexados em periódicos de alto prestígio, 21 capítulos de livros e 36 orientações de mestrado e doutorado no currículo. O docente integra as Academias Europeia, Chinesa, Brasileira e Mundial de Ciências. Foi presidente da ABC de 2016 a 2022.
A carreira recheada de prêmios, no entanto, quase não pôde ser trilhada. Davidovich formou-se como físico em 1968, ano do endurecimento da ditadura militar no Brasil. “Fui atingido pelo AI-5”, recorda. “Estava no mestrado há seis meses e fui expulso sem direito a ingressar em outra universidade no país”, revela. “Foi uma perversidade, Eu era um bom aluno, mas fui considerado pela ditadura como subversivo”. Ele conta um pouco mais dessa história em entrevista na página 7.
No Instituto de Física, sua “casa” desde 1994 como professor Titular, o docente é uma unanimidade. “Como colega de instituição, é uma alegria imensa celebrar o professor Luiz Davidovich pelo Prêmio TWAS APEX 2025. No Instituto de Física, o Luiz é mais do que um pesquisador de excelência: é um verdadeiro ‘role model’”, afirma João Torres, professor Titular do IF e pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa. “Sua obra científica fala por si, mas o que mais impressiona no cotidiano é o professor dedicado e inspirador — aquele que entra em sala, acende a curiosidade e nos lembra por que escolhemos a universidade pública como projeto de vida”, elogia o docente.
Torres destaca em Davidovich uma característica singular. “O Luiz, junto com outros professores eméritos, ajuda a sustentar um clima institucional saudável e respeitoso. É presença firme e conciliadora nas horas difíceis; alguém que media, escuta e aponta caminhos. Em tempos de pressa e polarização, isso é liderança rara”, afirma.
O pró-reitor também destaca a enorme relevância do colega para o país. “A atuação na ABC, a defesa da ciência, a capacidade de articular comunidades e pautas estratégicas, e a projeção internacional que honra a UFRJ”, resume. “O reconhecimento da TWAS não é apenas um prêmio individual — é um sinal de que o melhor da nossa universidade pode ter alcance mundial quando se combina competência, compromisso e espírito público”.
Se arranca elogios de veteranos colegas, Luiz Davidovich também inspira os professores mais jovens. Egresso da UFRJ e professor do IF desde 2011, Carlos Zarro é só elogios. “Como calouro, já sabia que ele era um expoente e o via muito acessível. Depois, fui seu aluno num curso de informação quântica, já em 2006, e me marcaram sua gentileza, profundidade e humildade”, relata o professor. “Isso me motivou muito. Ele já era um expoente mundial em sua área, mas seguia extremamente humilde e generoso”, elogia. “Depois, como seu colega, seguiu muito forte a minha percepção de sua gentileza e humildade. A grande lição que ele nos dá é que não precisa viver numa torre de marfim para ser um expoente”.
ENTREVISTA I LUIZ DAVIDOVICH, Professor Emérito da UFRJ
‘A pesquisa é para iluminar’
Jornal da AdUFRJ - Como foi viver como estudante o período da ditadura militar?
Luiz Davidovich - Fui atingido pelo AI-5. Foi uma perversidade. Eu estava no mestrado há seis meses quando fui expulso da universidade, sem direito a me matricular em outra instituição no país. Eu era um bom aluno e fui considerado subversivo. Meus professores, vendo aquilo, entraram em contato com outros brasileiros fora do país, me recomendaram, e eu fui aceito em várias universidades.
Então o senhor
resolveu ir para os EUA?
O diretor da Física da PUC era um padre jesuíta norte-americano. Ele entrou em contato com a Embaixada dos Estados Unidos. A embaixada, que tinha apoiado o golpe, estava naquele momento contra o governo. Então, me chamaram no Consulado do Rio. Eles me deram o visto de um dia para o outro e me recomendaram a sair do Brasil naquela semana. Então, eu fui embora. Na semana seguinte, a ditadura foi me procurar na minha casa.
Perdeu
algum colega?
Sim. Eu felizmente não tive a minha trajetória interrompida, mas muitos colegas tiveram. Alguns foram torturados. Um deles faleceu na Base Aérea do Galeão. Por tudo isso, me imbuí da ideia que pode ser resumida na frase: ditadura nunca mais!
Quando o senhor
voltou para o Brasil foi
para ser professor?
Fiz o doutorado nos Estados Unidos, depois fui para a Suíça. Voltei para o Brasil em 1977 com o convite para integrar o corpo docente da PUC-Rio.
E como foi
o ingresso na UFRJ?
Fomos um grupo de mais ou menos uns 10 professores para o IF, nos anos 1990. O reitor da época era o professor Nelson Maculan. Lá formamos o grupo de física quântica e outros grupos também se estabeleceram. O diretor do instituto, na época, era o professor Fernando Souza Barros, que foi muito importante para o nosso acolhimento.
No mundo polarizado de hoje, qual o papel da ciência?
A ciência tem poder de quebrar muros, de superar fronteiras, furar as barreiras do preconceito. Nesse sentido, a cooperação internacional tem papel cada vez mais decisivo.
E hoje quais são os principais desafios para a cooperação científica internacional?
Hoje temos um grave problema: estão sendo limitados para exportação equipamentos e peças considerados sensíveis, que podem ter aplicações para fins militares, por exemplo. Isso está limitando o desenvolvimento científico. Os EUA disseram, por exemplo, que a cooperação com a física quântica só poderia ser realizada com países parceiros nesse ramo. Não há nenhum país parceiro dos EUA na América Latina. Isso significa que não poderemos importar dos EUA equipamentos e peças ligados à física quântica. Isso é um atraso de vida. As limitações atuais são muito preocupantes para a ciência.
Qual seria o caminho?
O Brasil precisa produzir sua própria tecnologia. Fazer inovação movida à proibição. Isso já aconteceu em outros momentos. Temos enriquecimento de urânio para permitir o funcionamento de nossas usinas, fruto da proibição da importação de urânio enriquecido. Temos uma excelente fábrica de fibra de carbono porque não era permitido importar esse material. A fibra tem aplicação também em mísseis. Ou seja: precisamos investir mais em ciência, tecnologia e inovação. O investimento em CT&I precisa vir acompanhado de justiça social. Temos grandes vocações em muitas áreas, são possibilidades fantásticas.
Num cenário muitas vezes de poucos recursos, o que o senhor pode dizer para quem pretende ingressar na pesquisa?
Faça contato com o seu coração, com o que você é. Seja ousado. Nunca transforme a pesquisa em algo burocrático. A pesquisa é para iluminar, para entrar em novos territórios. Não pense no que vai lhe dar mais dinheiro. Seja inovador. Trilhe caminhos que não foram percorridos por você e muitas vezes por ninguém. A emoção de descobrir coisas que ninguém mais sabe, de formar pesquisadores, de lidar com as dúvidas dos estudantes é indescritível. Dedique-se. A ciência exige esforço.
O PRÊMIO
O TWAS Apex 2025 é oferecido pela Academia Mundial de Ciências, fundada pelo Nobel de Física paquistanês Abdus Salam, em 1983. A organização é associada à Unesco e busca promover a ciência em países em desenvolvimento. Luiz Davidovich foi agraciado pelo conjunto de sua obra na área de ciência quântica. Ele será laureado no dia 2 de outubro, no encerramento da 17ª Conferência Geral da Academia Mundial de Ciências, que acontecerá no Rio de Janeiro. Além de uma medalha e certificado, o professor receberá um prêmio em dinheiro no valor de US$ 100 mil. “Fiquei muito emocionado e honrado. É um prêmio muito grande, conferido por uma instituição que prezo muito”, declara Davidovich.