“Logo pensei nas crianças daquela região e nos meus familiares, que moram na capital”, lembra a ouvidora da universidade, professora Cristina Riche, quando soube da explosão que atingiu Beirute, capital do Líbano, no dia 4. A professora é neta de libaneses. Seus avós vieram para o Brasil e ajudaram a construir no Rio de Janeiro a segunda maior colônia libanesa do mundo.
“Vi aquele fogo em formato de cogumelo, vi a cidade chacoalhar. Foi um tempo longo até termos notícias e mesmo sabendo que meus familiares estão bem, a angústia permanece por conta do alcance dessa catástofre”, lamenta.
Cristina visitou o Líbano no início dos anos 1990. O país acabara de sair de uma guerra civil. “A guerra provocou uma dor profunda. Mas o Líbano é a esperança viva, sempre renasce, floresce. Eu vi essa força nas passoas”, lembra a docente. Ela descreve Beirute de forma poética. “É uma cidade universal, marcada por uma riqueza singular. É o coração materno do Líbano. Esse coração não vai parar de bater, porque ele só transborda amor”.
Hoje professora do NEPP-DH, a ouvidora iniciou a carreira na UFRJ em 1983, quando ingressou como docente do Setor de Estudos Árabes, da Faculdade de Letras, onde concluiu sua primeira graduação em Português-Árabe. “Queria aprender a ‘língua dos segredos’ dos meus avós. Minhas memórias mais bonitas estão relacionadas à cultura libanesa”.
Pesquisador do IFCS, o historiador Michel Gherman relata a experiência de ser filho de judeus libaneses. “Você nasce e cresce tendo uma referência identitária e civilizatória”, explica o professor. “O fato de ser judeu é interessante, porque em Beirute há uma relação de pertencimento e não de perseguição, como acontece com judeus de outras partes do mundo”, avalia. “A tragédia me afetou bastante, porque há esse vínculo afetivo muito próximo”.
Titular e coordenador do Setor de Estudos Árabes da Letras, o professor João Baptista Vargens tem estreitas relações com o país. “Estudei durante dois anos em Damasco, na Síria e frequentava muito o Líbano, em 78 e 79. Depois estive durante o governo Lula, em 2007, no Vale do Becaa, localizado entre Síria e Líbano”, conta. O professor foi implantar o curso de Língua Portuguesa na região, em que há grande colônia de brasileiros. “Era curioso, porque os pais libaneses – que moraram no Brasil e voltaram para o Líbano com filhos brasileiros – conseguiam acompanhar bem as novelas e programas de TV do Brasil, mas seus filhos nascidos aqui nada entendiam”.
A cidade dos contrastes, como define o professor, é também a cidade do renascimento. “É uma cidade que já superou muitos desafios. É como a Fênix. Renasce das cinzas”.
DEPOIMENTOS
Cristina Riche
Ouvidora da UFRJ
Beirute é universal, ela é, no dizer do poeta Nizar Kabbani, a “mãe do mundo”, é amorosa e hospitaleira, diversa e plural, encantadora e esperançosa, é marcada por uma riqueza singular. Não é tão somente uma região ou a capital libanesa, é o coração do Líbano. Um coração materno e intenso que não vai parar de bater, porque somente sabe transbordar amor.
E é com a canção “Li Beirute”, na voz da eterna Fairouz, que acalmo a minha alma. Seus versos dizem: “Uma saudação do meu coração para Beirute / Beijos ao mar e às casas / Ela é feita da alma das pessoas... de vinho / Ela é do suor dele... um pão e jasmins / Então, como o gosto dela se torna Um gosto de fogo e fumaça / (...) As feridas do meu povo floresceram / E as mães rasgam / Você é minha, você é minha / Ah, me abrace”. Toda nossa solidariedade ao povo libanês!
Michel Gherman
Professor do Instituto de História
Não há, na experiência dos judeus do Líbano, memória de perseguição ou antissemitismo. Ao contrário, nascer e crescer em uma família de judeus libaneses, é escutar sobre memória de convivência e trocas.
Crescer em uma família de judeus do Líbano é diferente da experiência de crescer numa família de judeus egípcios. Não há memória de expulsão. Há, ao contrário, memórias de saudade e saída. De vontade de retorno.
Ser judeu de Beirute é crescer escutando árabe, aprender a língua sem fazer esforço.
É escutar sobre a cidade, os bairros todos, o porto e seus prédios. As cidades de veraneio nas montanhas. É conhecer um lugar sem nunca ter ido. Só das histórias da avó.
É se sentir parte de uma cidade sem precisar visitá-la.
Talvez por isso judeus de Beirute estejam tão angustiados na frente da TV. Somos parte dessa cidade que se destrói ao vivo.
Queiram ou não, somos de lá.
Força, Beirute.