Conciliar as múltiplas atividades acadêmicas com o engajamento na vida sindical não é tarefa fácil, ainda mais em tempos de cortes orçamentários, ameaças à autonomia universitária e ataques às liberdades de cátedra e de expressão. Para dar a dimensão da complexidade dessa equação, o Jornal da AdUFRJ fez a pergunta abaixo a quatro ex-presidentes da entidade, professoras que foram à luta em defesa da democracia, da ciência, da dignidade profissional e da educação pública de qualidade.
EX-PRESIDENTES DA ADUFRJ RESPONDEM:
Além das aulas, das pesquisas e dos projetos de extensão, há professores incansáveis que acumulam todas essas tarefas com a militância política. Como ex-presidente da AdUFRJ, como você avalia o ativismo docente hoje e quais os desafios do sindicalismo docente?
MARIA LÚCIA WERNECK VIANNA
PRESIDENTE DA AdUFRJ 2017-2019
Não é raro que o pertencimento a um partido estimule a participação em associações, sejam elas corporativas – como sindicatos e agremiações profissionais –, ou não (como associações de moradores). Também não é difícil de entender o porquê. As dificuldades começam quando se dá vida a essa dupla atuação. Se meu partido lança um candidato a prefeito, não posso fazer campanha para outro. Mas no sindicato vou defender propostas que atraiam eleitores de diversos prefeitáveis.
Claro que há bandeiras partidárias cuja convergência com lutas sindicais é inconteste. O exemplo acima, naif, vale apenas para enfatizar a singularidade, mencionada, que nos fustiga na AdUFRJ e com a qual não temos um convívio confortável. Representamos docentes (todos produtores e transmissores de conhecimento) que votam em diferentes partidos, acatam valores comportamentais variados etc. E mais: dedicam-se a saberes heterogêneos, adotam teorias rivais.
É desafiadora a construção de uma pauta comum em meio a tanta diversidade. Sua consistência depende da amplitude do acordo para a defesa da universidade pública de qualidade e seu reconhecimento implica intensos debates. Tarefa já por si de bom tamanho, e ainda assim insuficiente. Pois a universidade produz ciência e a ciência serve à sociedade. Desde rigorosas informações sobre a pandemia a contribuições para o entendimento de um mundo virado de cabeça para baixo, a universidade entrega benefícios para a polis e seus cidadãos. E um relevante papel que a AdUFRJ tem cumprido é justamente o de potencializar a divulgação desses resultados e denunciar as tentativas de ocultá-los sob as trevas que assolam o país.
TATIANA ROQUE
PRESIDENTE DA AdUFRJ 2015-2017
O grande desafio do movimento docente hoje é pensar estratégias eficazes para combater o projeto autoritário do governo, que tem nos ataques à universidade e à ciência uma de suas principais agendas. É preciso lutar contra isso de modo articulado a outras áreas e utilizando métodos inovadores de mobilização. Está em curso um projeto de estrangulamento, implementado pela lógica do teto de gastos, que coloca alguns setores para concorrer com outros igualmente importantes.
Mas não podemos defender o ensino superior e a pesquisa, deixando de lado a saúde, a educação básica e a proteção aos mais pobres (que deve ser ampliada por uma renda básica). É o espírito da Constituição de 1988 que precisa ser defendido. Para isso, é fundamental reunir forças para desmontar a armadilha do teto de gastos: ampliando o consenso sobre a importância do investimento público, unindo ações de pressão no Congresso Nacional a diferentes modos de ativismo que vêm se disseminando com as redes sociais. Além disso, está sendo gestada uma agenda autoritária para corroer nossas instituições democráticas, por meio de ataques a garantias constitucionais, como a autonomia universitária e a liberdade de expressão. Um exemplo são as diversas intervenções na escolha de reitores e a perseguição a docentes por ensinar conteúdos importantes, como questões de gênero e outros. Esses ataques não são cortina de fumaça e precisam ser levados a sério como parte central do projeto da extrema-direita no poder em nosso país. Os desafios são muitos e mais do que nunca é preciso fortalecer o sindicato, incentivando a participação docente e renovando suas práticas.
MARIA CRISTINA MIRANDA DA SILVA
PRESIDENTE DA AdUFRJ 2007-2009
Sucessivos cortes orçamentários nas universidades públicas ameaçam seu funcionamento. A intervenção do governo federal nas nomeações de reitores/as afronta a autonomia universitária. Sofremos ameaças à liberdade de cátedra e expressão. Na última década, vivenciamos intensificação e precarização de nosso trabalho. Nossos direitos, e de todos os servidores públicos, estão ameaçados pela Reforma Administrativa. Mais de 150 mil mortes pela pandemia da Covid-19, e o governo federal difunde o negacionismo e almeja desacreditar a ciência.
Em resposta, as universidades públicas resistem e cumprem importante papel na produção de conhecimento e divulgação científica.
O distanciamento social nos obrigou ao trabalho remoto. Reconhecemos a importância de manter os estudantes em contato com a universidade; mas a falta de suporte aos docentes e o acesso desigual dos estudantes torna esta alternativa frágil. Não há perspectivas de melhorias substantivas da infraestrutura das instituições para retorno presencial. Público e privado se misturam, promovendo adoecimento e preocupação com o significado deste paliativo para a vida dos estudantes.
Imensos desafios para a luta docente! O Andes-SN tem sido firme na defesa da educação pública e gratuita, de condições dignas de trabalho e de garantia de direitos sociais que se articulam com as lutas gerais da classe trabalhadora. A organização pela base e a independência a partidos e reitorias tem se demonstrado a melhor forma para a defesa dos docentes.
Na história das conquistas do Andes-SN encontro meu lugar de professora-cidadã e me vejo sujeita dessa história!
CLEUSA DOS SANTOS
PRESIDENTE DA AdUFRJ 2003-2005
A luta política é um espaço de disputas de projetos de sociedade. Portanto, a universidade também o é. A pandemia tem contribuído para desvelar os interesses “ocultos” do mercado, evidenciando o ethos privatista das reformas do Estado. Afinal, hoje, 88% das instituições de ensino superior são privadas.
Isto torna a luta em defesa da educação não mercantil um grande desafio. Tarefa que supõe embates profundos no que concerne ao financiamento (previsto no art. 212, da CF de 1988) e cortes orçamentários para as universidades públicas, uma vez que o Ministério da Educação (MEC) planeja cortar R$ 994,6 milhões do total de recursos destinados às universidades e institutos federais de ensino. Além disso, defender a carreira docente, a dignidade salarial, com a certeza da autonomia sindical diante do Estado, é pressuposto essencial.
Afinal, a condição de ser docente nas instituições públicas de ensino superior requer, além das aulas, intensa dedicação àspesquisas de impacto econômico e social, assim como projetos de extensão, responsáveis pelo fortalecimento das relações entre a comunidade acadêmica e a sociedade, aplicando o conhecimento adquirido e adquirindo novos. Nesta práxis, ele transforma a realidade e se autotransforma. Portanto, é neste movimento que o trabalhador docente problematiza e amplia seu leque referencial, tanto na teoria quanto na prática, para enriquecer seu conteúdo humano e sua atividade profissional. Dentre estes desafios cotidianos está a tomada de consciência de seu papel como um trabalhador militante e sua “participação em uma organização revolucionária, que une a teoria revolucionária à prática revolucionária”. Essas são, ao meu ver, as condições para a construção de uma universidade popular comprometida com a emancipação humana.