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WhatsApp Image 2022 04 30 at 13.25.34Professor Samuel AraújoUm trabalho pioneiro em diversos aspectos e que só agora, 30 anos depois de sua concepção inicial como tese de doutorado, chega ao grande público. Demorou, mas está entre nós o livro Samba, sambistas e sociedade: um estudo etnomusicológico (Editora UFRJ), do professor (e instrumentista de mão cheia) Samuel Araújo, da Escola de Música da UFRJ. O lançamento no Rio será na próxima sexta-feira (6), na Livraria Folha Seca (Rua do Ouvidor, 37 — Centro).
Logo na introdução, o autor resume assim o seu trabalho: “Esta obra propõe pontos de apoio para uma história crítica do samba, no contexto do Rio de Janeiro, como um universo relacional fortemente referenciado na produção e na interpretação de canções, na execução de instrumentos e na dança”. Quem aí lembrou dos quesitos Harmonia, Bateria e Evolução julgados nos desfiles das escolas de samba, entendeu o recado. Não à toa o livro aborda as escolas de samba “como uma importante, mas não única, instância mediadora de investimentos coletivos e particulares que definem o mundo do samba”.
Concluído durante a pandemia, como uma epifania, como diz o autor, o livro é fruto de uma pesquisa de doutorado escrita originalmente em inglês e produzida entre os anos de 1987 e 1992. A tese foi defendida por Samuel em 1992 na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (Uiuc), nos Estados Unidos, sob a orientação de Bruno Nettl. “Fui fazer o doutorado lá porque, naquele momento, não havia no Brasil doutorado na área que eu estava procurando, que é a etnomusicologia. Essa área é fruto desse namoro entre os estudos da Música e da Antropologia, sobretudo, mas também com outros campos disciplinares”, lembra Samuel.
O hiato de 30 anos que separou a tese original do livro não impediu, contudo, que a pesquisa servisse de referência a outros trabalhos. Mesmo antes só disponível em inglês por meio de uma editora norte-americana, a tese foi citada, por exemplo, no livro “No princípio, era a roda”, de Roberto M. Moura, que tem um capítulo dedicado ao diálogo com a pesquisa de Samuel. Antonio José do Espírito Santo e Jurema Werneck são outros dois pesquisadores que “beberam da fonte” de Samuel. Ele espera que agora, com a publicação do trabalho em livro, novos estudos surjam a partir dele, sobretudo no campo da etnomusicologia.
“Não havia até então nenhum trabalho nesse campo trazendo o samba como personagem principal. Relacionando, por exemplo, as sonoridades oriundas da diáspora africana com a literatura africanista sobre música. Isso nunca havia sido tentado até então. E também foi pouco estudado depois disso. O principal esforço é trazer um conceito, o do trabalho acústico, para a discussão da música. Não me coloco como especialista em samba. Minha ambição é contrapor história e etnografia. E se o livro trouxer essa contribuição e puder influenciar outros trabalhos, ficarei feliz”, diz Samuel. E por falar em contribuição, Samuel foi um dos fundadores, em 2001, na UFRJ, da Associação Brasileira de Etnomusicologia.
O livro se divide em cinco capítulos. O primeiro trata das perspectivas críticas sobre o samba de seus registros iniciais — desde o lançamento em disco, em 1917, de “Pelo telefone”, considerado o primeiro samba gravado — até 1990. O segundo aborda o samba como formação acústica.
O terceiro é dedicado às escolas de samba. Já o quarto mergulha no trabalho acústico das baterias das escolas, em especial a Furiosa, do Salgueiro. Por fim, o quinto capítulo fala dos compositores e seus sambas, analisando os sambas de quadra (ou de terreiro), os sambas-enredo e o partido-alto. As ilustrações do livro são de Guilherme Sá, aluno de doutorado de Samuel e integrante da ala de compositores da Mangueira.
O trabalho de campo, junto ao dia a dia do Salgueiro e aos compositores, com entrevistas e observação participante, foi o mais prazeroso para o autor. Samuel teve agradáveis conversas como figuras do naipe de Noca da Portela, Mestre Louro, Nelson Sargento e Djalma Sabiá. Com este último, inclusive, chegou ao ápice o conceito de observação participante, pois Samuel literalmente mergulhou no cotidiano do primeiro diretor de bateria do Salgueiro, entre subidas ao morro da Tijuca e incursões ao local de trabalho do compositor, um ponto de bicho do qual ele era apontador, no Largo da Segunda-Feira.
Entre tantas conclusões — e novas indagações —, Samuel confirmou com esse trabalho que o samba, que já foi tão perseguido, ganhou legitimação, mas ainda sofre discriminação. “Ele é reconhecido como música brasileira, inclusive com repercussão fora do país. Mas os demarcadores fundamentais, como o racismo, continuam a operar. E o que acontece com o samba aqui, acontece também na Índia, na China, no Oriente Médio, na Austrália. Sou assessor de um projeto no Japão cujo foco é um grupo discriminado que faz música com percussão — e isso há 2.000 anos”, diz o autor, que dá aulas na graduação e na pós-graduação da Escola de Música, além de ser colaborador na pós-graduação da Unirio. Ah, sim! De quebra, canta e toca violão em rodas de samba pela cidade.

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