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Cláudio Ribeiro
Professor, membro do Conselho de Representantes da
FAU-UFRJ. Ex-presidente da AdUFRJ

 

O que faz uma pessoa ser professora? Talvez o desejo de estar em sala de aula, presencialmente, junto com estudantes. Um desejo tão forte que faz valer a pena lutar para que ele aconteça.
WhatsApp Image 2022 04 30 at 13.25.36E não é que os corredores voltaram a ficar cheios de gente lá na FAU, Eunice? A estudantada chegou animada com suas conversas e encontros que reocuparam as salas de aula tal como a gente queria… Ou nem tanto assim, pois ainda estamos sem uns três ou quatro andares, perdemos os pixos e os grafites do pilotis, uma monotonia só, mas essas coisas da branquitude a disposição da rapaziada vai resolver com o tempo.
Sabe Eunice, tem colegas novas chegando, professoras e professores que a gente conhecia apenas pela tela estão vivendo de forma plena o exercício da docência em universidade pública... Bom, talvez de forma nem tão plena assim; a pandemia segue impondo as máscaras e dar aula fica assim meio esquisito, muito olho-no-olho com uma certa gritaria de garganta seca. Mas também é só questão de tempo, pelo menos este vírus está enfraquecendo e em breve as máscaras vão cair; refiro-me a essas que escondem os nossos sorrisos e que podem estar com os dias, ou semanas, contados.
Veja bem, amiga, agora o governo inventou que vai dar aumento para a gente. Cinco por cento! A galera nem quis fazer greve, mas o ministro preferiu não arriscar e anunciou essa miséria como se fosse o máximo. Não vai cobrir nem a inflação do carnaval e a nossa carreira vai prosseguir corroída. E aí não é só questão de tempo, né? Só com luta pra resolver mesmo, mas vai chegar aquele dia em que a galera vai acordar, ou, talvez, quem sabe, o dia seguinte...
Olha Eunice, a estudantada está sedenta por aula, mas também está com fome de conversa, de apoio, de incentivo, de carinho, de presença. Mas eu acho mesmo é que estão à sua procura. Mesmo quem nunca te conheceu. Procuram uma pessoa que soube ser professora porque entendia o mundo, porque explicava o mundo, mas também porque o acolhia. O que eu acho que as pessoas querem é encontrar um sorriso seguro como o seu ali no prédio… Mas isso o tempo não vai resolver, né, e eu nem sei ainda como explicar para as turmas o tamanho da sua ausência.
Talvez o jeito mais fácil seja falar do tamanho de sua presença. Explicar o sentido da sua camaradagem, contar sobre a disposição que você tinha para enfrentar com sorriso os problemas medonhos. Mas como definir a disponibilidade irrecusável que você tinha para recarregar a nossa energia com os abraços que traduziam da melhor maneira a ideia de solidariedade?
Falar de você não vai bastar. Contar das suas lutas no sindicato, das suas caminhadas ombro a ombro nos infinitos atos nas ruas e praças desse país, da sua indignação permanente com qualquer tipo de injustiça que estivesse à vista, da sua trajetória nas universidades que foram tão atingidas pelas repressões de Brasília ao Rio de Janeiro... Escrever este e outros textos também não bastará, refazer sua trajetória de saberes, de construção, de cálculos humanos, dos aconselhamentos constantes de vida saudável, da solidariedade com suas colegas e companheiras. Não bastará!
A solução para essa falta foi você mesma que nos apresentou, companheira. O que precisamos fazer não é nada mais senão praticar aquilo que você tanto nos ensinou com seu exemplo: encontrar no exercício da lealdade uma inspiração para sorrir dos problemas que enfrentamos e, ao mesmo tempo, manter de forma tranquila e suave a certeza de que o trabalho coletivo é a maneira mais agradável e realizadora de ações transformadoras e encantadoras.
Colegas da FAU, da UFRJ, do Andes-SN, foram tantas as mensagens de todo o Brasil que recebemos, de docentes de várias seções sindicais, de estudantes de várias gerações da FAU, depoimentos de como foste fundamental para a formação de umas pessoas, ou para a continuação de estudos de outras, enfim, uma infinita demonstração de solidariedade, coragem e humanidade…
Eu hein, Eunice! A gente não queria se despedir. A gente não queria essa paz da separação. Estamos em tempos de guerra. Mas, respirando fundo, e com a ajuda do tempo, a gente entende que sua saída também se faz como um gesto solidário, para lembrar a todo mundo que a vida também produz saudade e memória, mas para isso ela tem que ser vivida “senão chega a morte ou coisa parecida”.
E essa escrita toda me faz repensar que, afinal, o que faz de uma pessoa ser uma professora, na verdade, é a sua capacidade de produzir um desejo nos estudantes e colegas de estar em sala de aula junto com você. É isso que sempre sentimos, e nós continuaremos.
Eunice, presente!

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