facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

“A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência.” Mahatma Ghandi

WhatsApp Image 2024 01 19 at 12.06.42 3Renan Fernandes

A leitura liberta. Faz a gente sonhar e refletir sobre outros pontos de vista, ajuda a conhecer outros lugares e culturas. E, desde 2022, através de um projeto de extensão da Faculdade de Letras, também contribui para a remição de pena de pessoas privadas de liberdade no Presídio Evaristo de Moraes, em São Cristóvão.
“Fazemos uma relação entre a sala de aula e uma outra espécie de sala de aula. Existe uma escola no Evaristo de Moraes e usamos essas salas para transformar a prisão em uma escola, na medida do possível”, destaca o professor João Camillo Penna, um dos coordenadores do projeto Leitura, Existência e Resistência (LER). “Trabalho há muitos anos com esse tema e não encontrava uma maneira de inseri-lo na sociedade, de ter acesso a uma prisão. Depois de muitos anos, consegui”, comemora.
A iniciativa partiu de uma resolução da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) que instituiu a remição de pena pela leitura no Rio de Janeiro em 2018, seguindo recomendação do Conselho Nacional de Justiça. O projeto LER nasceu no ano seguinte, em parceria com a Associação Elas Existem - Mulheres Encarceradas. Mas a pandemia da covid-19 adiou os planos de implantação.

COMO FUNCIONA
A remição da pena ocorre a partir de ciclos mensais. Na primeira visita à unidade prisional, acontece a apresentação e a distribuição dos livros para os participantes. Após duas semanas, os professores e extensionistas retornam para atuar como mediadores de uma roda de leitura, a fim de esclarecer dúvidas, compartilhar leituras e interpretações.
Na sequência, os presos produzem uma resenha crítica de no mínimo 25 linhas sobre a obra ou um relatório mais curto para aqueles que não possuem o ensino fundamental completo. Os estudantes corrigem os textos e lançam uma nota. O texto é aprovado caso atinja uma nota igual ou superior a seis e permite remir quatro dias de pena. Em um ano, 48 dias podem ser remidos da pena dos participantes.
O perfil discente que atua no projeto é heterogêneo. Além de alunos da Faculdade de Letras, já passaram graduandos de Biblioteconomia, Direito, Psicologia e Serviço Social. Atualmente, o programa conta com treze bolsistas e uma estudante de Iniciação Científica.
O professor Paulo Roberto Tonani, do departamento de Letras-Libras, também coordenador do projeto LER, destaca a importância da extensão na formação dos alunos. “O aluno no projeto reflete sobre muitas questões importantes para sua formação. Encarceramento em massa, racismo estrutural, abolicionismo penal, direitos humanos. Tudo isso a partir da impactante presença de um texto literário dentro de uma prisão”, afirmou o professor.
Pamela Simas, mestranda em Ciência da Literatura e pesquisadora da relação entre literatura e cárcere, concorda. “A questão da atuação como professor está colocada, a gente pensa em como fazer uma proposta pedagógica interessante naquele contexto, mas isso me toca, sobretudo, como indivíduo”, diz.
A lista de livros autorizados pela SEAP possui mais de 250 títulos, mas apenas 12 estão disponíveis no acervo do Evaristo de Moraes. O catálogo inclui desde clássicos da literatura brasileira como “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, e “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, até best-sellers internacionais como “A Cor Púrpura”, de Alice Walker.
Entre todas as opções, um livro infantil chamado “Pai Francisco”, de Marina Miyazaki Araujo, é o mais procurado. “Eles se deparam com uma realidade muito próxima deles. Uma criança narra seu cotidiano com um pai preso: a ausência, as visitas, os encontros. Eles se emocionam muito no ato da leitura”, relata o professor Tonani.
O projeto LER arrecadou e disponibilizou exemplares do livro “Não Me Abandone Jamais”, de Kazuo Ishiguro, leitura obrigatória para o vestibular 2023 da UERJ. “Muitos se inscreveram para o exame. Elas fazem perguntas sobre como escrever a redação. A gente usa também o espaço do projeto para promover outras formas de acesso à educação”, completa Tonani.

IDEIA É TRANSFORMAR RESOLUÇÃO EM LEI
Tramita na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro um projeto de lei de autoria da deputada Renata Souza (PSOL) para transformar a resolução da SEAP em uma política de estado.

Em conjunto com outros projetos de remição pela leitura da UniRio e da UERJ, o Projeto LER da UFRJ foi convocado para auxiliar na discussão e elaboração do texto legislativo. O PL 3721/2021 prevê a utilização de recursos do Fundo Penitenciário e do Fundeb para financiar as iniciativas.

A aprovação abriria novas oportunidades de aplicação do trabalho do LER e da formação de novas equipes. “Temos o desejo de ir a uma unidade feminina do Complexo de Gericinó, em Bangu, mas não conseguimos ir por meios próprios. Precisaremos alugar um veículo com as especificações determinadas pela SEAP para nos deslocar”, conclui Tonani.

Topo