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WhatsApp Image 2025 04 29 at 18.05.24 2Foto: Arquivo pessoalRenan Fernandes

Em tempos difíceis para os cientistas na América, um pesquisador brasileiro ganhou motivos para sorrir. No início de abril, o professor José Garcia Abreu, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, em missão científica na Harvard Medical School, teve um projeto de pesquisa contemplado com um prêmio oferecido pela Fundação Lemann em parceria com a instituição de Cambridge. O financiamento busca estimular a interação entre pesquisadores e subsidiar trabalhos científicos que tratam de desafios atuais no Brasil.
O projeto “Ciência avançada, divulgação e educação: explorando a biodiversidade brasileira via sequenciamento de células únicas” planeja difundir no Brasil a tecnologia de célula única, bioinformática e aprendizado de máquina desenvolvida sob a coordenação do docente. O trabalho será realizado no laboratório do departamento de Biologia de Sistemas de Harvard para caracterizar espécies de anfíbios nativas.
O investimento na casa dos 200 mil dólares permitirá a compra de insumos, a montagem de equipamento no Brasil e o treinamento de pessoal. “Queremos apresentar a pesquisadores brasileiros essa ferramenta para que eles possam entender o poder que ela tem”, disse o pesquisador.
O Jornal da AdUFRJ conversou com o professor Abreu sobre sua relação com Harvard e a importância do prêmio para o desenvolvimento da pesquisa
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Jornal da Adufrj - Como é sua relação com a Universidade de Harvard?
José Garcia Abreu -
Em 2023, pesquisadores do Departamento de Biologia de Sistemas da Harvard Medical School me pediram a indicação de um pós-doutor para trabalhar com o anfíbio Xenopus, uma rã de origem africana, que é um dos principais modelos de estudo no campo da Embriologia.
“Pode ser eu?”, respondi em tom de brincadeira. Estava em um momento indeciso quanto a minha carreira no Brasil, entrando na fase final do meu tempo na UFRJ — são mais de 30 anos de serviço prestados à universidade —, saindo dos anos de pandemia em que fui diretor do ICB, período que trouxe sequelas para quem atuou como gestor, afastando-se do trabalho de pesquisa. Eu estava para baixo, vendo muitos alunos desistindo da pós-graduação e da pesquisa.
Primeiro me responderam que não, porque Harvard tem uma série de regras para trazer professores seniores, é um processo demorado e precisavam de alguém imediatamente. Uma semana depois, me contataram novamente dizendo que, se realmente quisesse ir, poderiam me oferecer uma vaga de professor visitante, porque era a pessoa ideal para o trabalho.
Quando cheguei, fiquei muito entusiasmado em produzir um livro e poder arredondar minha carreira pensando nas contribuições que vou deixar, no meu legado.

Que trabalho é esse?
A ideia é criar uma fonte material de acesso à comunidade científica sobre todo o desenvolvimento embrionário de um anfíbio específico, o Xenopus Iaevis. É um atlas de célula única que descreve todos os estágios de desenvolvimento até etapas da vida adulta. O que a gente quer é mostrar computacionalmente e nos embriões íntegros quantas células são necessárias para formar as estruturas que geram os tecidos e os órgãos do embrião e, depois no adulto, quantas células existem em cada órgão. Quantas células ele tem no fígado, no coração, no osso, na pele, no cérebro.
Queremos ainda mostrar os genes que compõem cada uma das células das estruturas do embrião. Quais genes são expressos numa célula de músculo ou numa célula do sistema nervoso quando elas são vizinhas, em que momento esse gene aparece e como ele pode ser visualizado dentro de uma célula em uma determinada etapa do desenvolvimento. Estamos combinando diferentes ferramentas para individualizar, capturar e sequenciar células utilizando microscopia de alta resolução, aprendizado de máquina e bioinformática.
Esse trabalho dedicado à Embriologia tem desdobramentos, pode ser aplicado à pesquisa sobre o câncer, por exemplo. Aqui no laboratório, temos uma forte pesquisa combinando o desenvolvimento embrionário ao envelhecimento.

Como surgiu a possibilidade de ganhar esse prêmio?
O projeto que recebeu o prêmio é um pequeno apêndice dentro desse enorme projeto que está sendo desenvolvido aqui. Esse financiamento é oferecido aos professores de Harvard para que eles encontrem docentes no Brasil com interesses em comum. Quando cheguei aqui, me apresentaram essa possibilidade de aplicar um projeto para concorrer ao prêmio. Para ganhar, temos que consolidar bem uma ideia original e mostrar que ela é vantajosa para Harvard e para o Brasil.
A ideia é caracterizar algumas espécies brasileiras de anfíbios. Não é apenas para desenvolver uma tecnologia de Biologia Quantitativa e Embriologia, mas também difundir a importância desses animais. Mais de 90% das espécies de anfíbios do planeta estão no Brasil.
Por enquanto, o que temos é um plano. Espero que possamos organizar em breve um workshop no Brasil para apresentar e difundir essa ferramenta aos pesquisadores locais. Trazer pessoas que trabalham na fronteira entre a biologia do desenvolvimento, biólogos, zoologistas e ecologistas.

O que significa conquistar esse financiamento em um momento de cortes?
Todos no corredor me param para dar os parabéns. Os colegas ficaram felizes que alguém conseguiu algum sucesso nesse momento tão duro que estamos vivendo. O fomento à pesquisa nos Estados Unidos atravessa um momento de dificuldades, como o Brasil atravessou durante o governo passado e na pandemia. Então, ao mesmo tempo em que estamos felizes no laboratório por ganhar esse projeto, tentamos entender o que vai acontecer à medida que os recursos se tornam escassos numa das maiores referências de ensino e pesquisa do mundo.

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