Fotos: Acervo PessoalRenan Fernandes
O pórtico na entrada de Candelária não deixa dúvidas sobre o lugar onde o visitante está chegando. Dois simpáticos Guaibasaurus candelariensis dão as boas-vindas à Terra dos Dinossauros. O município localizado na região central do estado do Rio Grande do Sul, a 200 quilômetros de Porto Alegre, reúne os principais sítios paleontológicos do período Triássico do Brasil.
O trabalho da professora Marina Bento Soares, paleontóloga do Museu Nacional, é encontrar vestígios de criaturas que habitaram a Terra há centenas de milhões de anos. Ao longo das últimas duas décadas, a pesquisadora desenvolveu em Candelária um vasto histórico de contribuição com o Museu Municipal Aristides Carlos Rodrigues, desde a coleta e pesquisa de fósseis vertebrados, até a realização de oficinas, palestras e cursos de extensão em Paleontologia para professores da rede básica de educação. Soares recebeu no mês de maio a medalha “O Candelária” da Câmara de Vereadores da cidade por suas ações de valorização da ciência e da cultura locais.
“É ótimo receber a medalha, mas o principal é saber que a gente faz a diferença e que, de alguma maneira, uma sementinha foi plantada”, celebrou ela.
Na região de Candelária, rochas do período Triássico — que abrange um intervalo de tempo entre 252 milhões e 201 milhões de anos — estão expostas na superfície. O Triássico sucedeu o maior evento de extinção em massa da história da Terra, que dizimou 90% da fauna e flora do planeta. O florescer de novas formas de vida marca a importância do período para o estudo da evolução.
“O período Triássico corresponde à recolonização da vida na Terra. É um momento chave que moldou a evolução dos grupos modernos”, explicou a professora. “Somos privilegiados de ter aqui no Brasil diversos sítios fossilíferos com rochas dessa idade preservadas”.
A relação científica entre a paleontóloga e a cidade começou nos primeiros anos da década de 2000, enquanto cursava doutorado na UFRGS, e se estreitou quando assumiu a vaga como docente do Instituto de Geociências da Federal gaúcha, em 2005. Marina descreveu uma espécie nova na cidade, chamada Botucaraitherium belarminoi, um cinodonte — grupo de animais que deu origem aos mamíferos. Contribuiu ainda na descrição do Pinheirochampsa rodriguesi e do Candelariodon bonapartei.
O desenvolvimento das pesquisas na região conta com a parceria do Museu Municipal Aristides Carlos Rodrigues. O curador Carlos Nunes Rodrigues, filho do historiador que dá nome ao museu, foi o responsável pela indicação do nome da paleontóloga para a honraria.
“O trabalho da professora Marina sempre prestigiou o museu local, deixando ali os fósseis da pesquisa e reconhecendo o nome da cidade e de cidadãos nos muitos trabalhos científicos produzidos”, afirmou.
Marina observou a possibilidade de ampliar a divulgação científica na cidade a partir da formação de professores e criou, junto à Secretaria Municipal de Educação de Candelária, o curso de extensão “PaleoEduca”. Durante um ano, o curso reuniu professores da cidade de diferentes disciplinas do ensino fundamental e médio em encontros mensais. “Foi uma experiência incrível que juntou um grupo heterodoxo de professores de escolas diferentes de áreas do saber para criar atividades tendo a Paleontologia como tema”, contou.
A iniciativa inspirou a Secretaria de Educação a incluir no currículo a obrigatoriedade de trabalhar a Paleontologia na educação básica como forma de espalhar um sentimento de pertencimento e territorialidade na comunidade. “A Paleontologia é tão atrativa, a cidade está debruçada sobre os fósseis, mas às vezes os estudantes não se apropriam desse conhecimento porque os professores não tiveram subsídios para trabalhar isso durante a formação”, disse Marina Soares.
PASSADO, PRESENTE, FUTURO
A paleontóloga chegou ao Museu Nacional em 2019, poucos meses após o incêndio que destruiu o Paço de São Cristóvão. Hoje feliz nas novas instalações do Departamento de Geologia e Paleontologia, Marina se emocionou ao lembrar das dificuldades que encontrou em sua chegada. “Era um trabalho muito duro de resgate, procurando o que sobrou em meio aos escombros”, recordou.
Na UFRJ, a docente continua levando estudantes até o Rio Grande do Sul para trabalhos de campo. Bruno Bulak, aluno de mestrado orientado pela professora, esteve em Candelária em 2023 com o auxílio de um edital da Faperj. “Falei para a Marina que eu tinha um trabalho antes de ir a Candelária e outro depois. Ao ver os afloramentos, as camadas de rocha e os fósseis saindo de lá, tudo fez sentido para mim”, disse empolgado. “Foi encantador ver uma parte da história da Paleontologia no Brasil. Todo paleontólogo tem vontade de fazer campo no Triássico do Rio Grande do Sul”, concluiu.
A próxima viagem para a Terra dos Dinossauros gaúcha já está marcada. Em setembro, a pesquisadora vai refazer os passos de Lewellyn Ivor Price, conhecido como o pai da Paleontologia de vertebrados no Brasil. Entre os anos de 1930 e 1940, Price coletou materiais em Candelária e levou para o Museu de Ciências da Terra, na Urca, no Rio de Janeiro.
“Fazendo uma ‘Paleontologia de gaveta’ localizamos fichas do Price em que ele identifica os locais em Candelária onde os materiais foram coletados”, revelou Marina.
O problema é que locais descritos pelo paleontólogo mudaram de nome com o tempo. A parceria com Carlos Nunes Rodrigues foi fundamental para recuperar os lugares de coleta apontados nas fichas. “Buscamos localizar nomes de pessoas que lá viviam há mais de 80 anos, com referências já desconhecidas dos mais novos”, afirmou Rodrigues. “Em entrevistas com pessoas de mais idade, fomos montando pouco a pouco o quebra-cabeça, descobrindo que alguns lugares hoje se denominam diferente e outros se encontram sepultados em açudes ou aterros”, descreveu o curador.
A investigação de Carlos encontrou o lugar descrito anteriormente como “Sanga do Caranguejo”. Marina guarda altas expectativas para começar a escavar no local. “Ninguém voltou lá desde a década de 1940. Quem sabe fósseis não estão nos esperando?”, disse, com esperança.