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WhatsApp Image 2025 06 27 at 14.06.46‘Este pesadelo se arrasta desde 2008, assombrando e desvirtuando minha vida pessoal e trajetória profissional. Durante todos esses anos, a angústia e a ansiedade têm sido companheiras constantes — tanto minhas quanto de minha família”. O desabafo é do professor Carlos Antônio Levi, ex-pró-reitor de Planejamento da UFRJ entre 2006 e 2011 e reitor entre 2011 e 2015. Ele, quatro colegas docentes e um técnico sofrem há 17 anos com uma infundada acusação judicial de desvio de recursos públicos.
O drama teve início com uma inédita iniciativa para o financiamento de obras e ações da universidade. Em agosto de 2007, em troca da exclusividade da gestão da folha de pessoal e outros serviços financeiros — não existia, à época, a portabilidade de contas —, o Banco do Brasil repassou R$ 43,5 milhões para a UFRJ, em cinco parcelas anuais.
O problema é que, onde a reitoria então dirigida por Aloísio Teixeira (de 2003 a 2011) enxergou uma oportunidade importante de recursos para a instituição, houve quem encontrasse a chance de uma retaliação política. Um deles, inimigo declarado e já falecido, foi o professor Agnelo Maia, da Faculdade Nacional de Direito. O docente, exonerado por condutas incompatíveis com o magistério durante a gestão daquela reitoria, conseguiu que o Ministério Público fizesse denúncia criminal de um suposto desvio dos recursos da UFRJ.
Um dos acusados no processo e chefe de gabinete do reitor Aloísio Teixeira, João Eduardo Fonseca não tem dúvidas em afirmar que a reação do ex-professor da FND foi um dos pilares do doloroso processo que ele e os demais vêm enfrentando desde então (confira na página ao lado a íntegra dos depoimentos).
“As ações a que fomos submetidos nos âmbitos administrativo, civil e penal têm duas matrizes evidentes, que lhes deram origem e agravaram. Uma foi a intervenção da reitoria do professor Aloísio Teixeira na Faculdade Nacional de Direito, em 2004; a outra se refere ao ambiente de conspiração golpista iniciado no país notadamente em 2005, escalado até 2016 e estendido até 2023”, argumenta.
Aloísio faleceu em 2012, aos 68 anos, e os mais próximos entendem que o processo foi decisivo para sua partida. “Tenho, hoje, poucas dúvidas de que seu fulminante infarto deveu-se, em grande medida, ao peso das injustas acusações contidas neste processo”, afirma Levi.

A ACUSAÇÃO
O dinheiro do Banco do Brasil, extraorçamentário, foi transferido para a Fundação Universitária José Bonifácio, de apoio à UFRJ (FUJB). Uma prática corriqueira até hoje para agilizar as ações institucionais. “Enquanto projetos realizados sem o apoio das fundações enfrentam barreiras quase intransponíveis que muitas vezes impedem suas conclusões (burocracias insuperáveis, contingenciamento de verbas...), projetos apoiados pelas fundações são concluídos com velocidade invejável até para as empresas privadas mais eficientes”, explica o professor de economia Daniel Conceição, filho de Carlos Levi. O docente tem dedicado enorme parte do seu tempo à defesa da inocência de seu pai e dos colegas (veja depoimento ao lado e artigo na página 6).
A denúncia do suposto desvio, porém, levou o Tribunal de Contas da União a suspender o contrato para as devidas investigações, em 2011. Até então, a FUJB já havia executado R$ 34.164.245,04 dos pouco mais de R$ 43,5 milhões. A última parcela do contrato (R$ 7.795.690,60) e o saldo livre da penúltima parcela (R$ 2.471.888,91), incluindo os rendimentos gerados sobre os recursos ociosos (R$ 911.823,55), foram devolvidos à conta única da universidade, totalizando R$ 44.431.824,55.
A regularidade do contrato foi atestada pelo próprio TCU, já em 2015, que aprovou as contas da fundação com apenas duas pequenas ressalvas: questionou o cálculo da correção monetária incluída no valor devolvido pela FUJB à UFRJ e repreendeu a fundação pela contratação de serviços de bufê para alguns eventos custeados pelo contrato.
Mesmo assim, não foi esse o entendimento da juíza Caroline Figueiredo, da 7ª Vara Federal Criminal. A magistrada entendeu que a determinação pelo TCU para a FUJB devolver cerca de R$ 3 milhões à UFRJ seria a prova de que o tribunal teria considerado ilegal o pagamento da “taxa de administração”. “A verdade, no entanto, é que o próprio Acórdão do TCU citado na sentença não descrevia desvio algum e não tinha qualquer relação com a taxa de administração”, explica Daniel.
Em 2019, a juíza sentenciou Carlos Levi a uma pena de 4 anos e 8 meses em regime semiaberto; João Eduardo Fonseca, chefe de gabinete (a 9 anos e 5 meses), Geraldo Nunes, coordenador de Convênios e Relações Institucionais (a 7 anos e 2 meses), Raymundo de Oliveira, presidente da FUJB (a 7 anos e 1 mês) e Luiz Martins, secretário-geral da fundação (a 5 anos).
As penas não foram aplicadas, aguardando o término da tramitação no Judiciário. Mas outras penalidades foram impostas imediatamente, como o congelamento de bens desde então.
O processo criminal tramita em segunda instância — deve ser julgado este ano — e a defesa está bastante esperançosa de uma reversão da primeira sentença. Contribui para esta expectativa um parecer emitido pela Advocacia-Geral da União em 2023 que desfaz de maneira clara a confusão da primeira instância sobre a “taxa de administração” e rejeita categoricamente qualquer hipótese de desvio ou dano ao erário: “Em relação à gestão dos recursos do Contrato 52/2007, a FUJB recebeu sim remuneração em forma de taxa de administração no valor de R$ 1.819.500,00, pagamento esse que foi auditado pelo TCU (...) e não recebeu qualquer censura” e “Se a FUJB prestou os serviços de gestão, como restou constatado pelo TCU, a conclusão não poderia ser outra, senão a de que não há irregularidade”.
Outro ponto importante é que, antes da decisão em esfera criminal, a defesa acredita que sairá um resultado favorável aos acusados na Justiça cível, nos próximos meses.

OS ERROS
A defesa aponta uma série de erros na sentença de 2019. O mais grave, uma interpretação completamente equivocada de valores citados pelo TCU em seu acórdão 856/2014. Na sentença , a juíza cita que a FUJB devolveu R$ 2,98 milhões à UFRJ por determinação do TCU, e que essa devolução imposta pelo tribunal de contas seria a prova de que “a taxa de administração” recebida pela fundação teria sido considerada ilegal.
Embora fosse este o valor apontado nas investigações preliminares do TCU (Acórdão 856/2014), ele foi reduzido para R$ 2,47 milhões já na manifestação seguinte do tribunal de contas (Acórdão 1546/2015). Ao contrário do que alega a sentença, o valor devolvido não tinha qualquer relação com a “taxa de administração” recebida pela FUJB. Era apenas o saldo residual restante na conta da fundação no momento em que saiu do contrato.
“O Acórdão 1546/2015 que a sentença parece ter desconsiderado deixa mais do que claro que a FUJB deveria devolver o saldo-livre, e que o valor devolvido deveria ser corrigido monetariamente. Ou seja, criminalizou-se um simples e inocente troco!”, afirma Daniel.
Outro erro também muito grave na sentença se refere à incorreta identificação, em trechos cruciais da sentença, de Carlos Levi como reitor da UFRJ. “Uma simples pesquisa à internet permitiria verificar que o reitor da universidade à época da assinatura do contrato e ao longo de sua vigência era o professor Aloísio Teixeira. Meu pai era um dos pró-reitores. Virou reitor somente depois”, informa Daniel.
“A identificação incorreta de quem era o reitor embasou a identificação da suposta culpa, dolo e responsabilidade pelos atos criminalizados”, afirma Daniel. “Lutar contra esse absurdo virou minha missão — não só por amor ao meu pai, mas por respeito à verdade, à universidade e ao que ainda nos resta de Justiça”, conclui.

Recursos do contrato garantiram construção do RU Central

O contrato com o Banco do Brasil possibilitou uma série de obras e ações acadêmicas da UFRJ até sua interrupção, em 2011.WhatsApp Image 2025 06 26 at 16.17.45
Foram 339 obras e intervenções prediais, priorizadas por departamentos, unidades e conselhos da instituição. Entre elas, uma reforma da Faculdade Nacional de Direito e um Restaurante Universitário central (ao custo de R$ 7,3 milhões) que fornece milhares de refeições por dia.
Também houve a realização de 988 eventos técnicos, científicos e culturais — todos selecionados em edital público da UFRJ.

DEPOIMENTOS

Carlos Levi, ex-pró-reitor de Planejamento de 2006 a 2011, e reitor de 2011 a 2015:

levi“Este pesadelo se arrasta desde 2008, assombrando e desvirtuando minha vida pessoal e trajetória profissional. Durante todos esses anos, a angústia e a ansiedade têm sido companheiras constantes — tanto minhas quanto de minha família, que compartilha o peso de cada dia atravessado sob a sombra desta acusação.
A morte do professor Aloísio Teixeira foi uma perda precoce e irreparável. Tenho, hoje, poucas dúvidas de que seu fulminante infarto deveu-se, em grande medida, ao peso das injustas acusações contidas neste processo. A sua partida calou uma voz importante na nossa luta e esforços na busca por verdade e boa justiça. Por todos esses anos, enfrentamos as vicissitudes de uma batalha inglória, tentando, com dignidade, sustentar não só a verdade, mas muito além disso, a memória de um projeto coletivo, universitário, público e honesto”.

João Eduardo Fonseca, ex-chefe de gabinete do reitor:

joaoedu“As ações a que fomos submetidos nos âmbitos administrativo, civil e penal – desde 2008! – têm duas matrizes evidentes, que lhes deram origem e as agravaram. Uma foi a intervenção da reitoria do professor Aloísio Teixeira na Faculdade Nacional de Direito, em 2004; a outra se refere ao ambiente de conspiração golpista iniciado no país notadamente em 2005, escalado até 2016 e estendido até 2023. (...) Da primeira decorreu a reação de indivíduos e interesses nefastos, contrariados com as decisões da Reitoria e dos colegiados da UFRJ, para normalizar e requalificar a FND. Do ambiente golpista (...) emergiram as narrativas demagógicas anticorrupção; a criminalização generalizada da administração pública; os equívocos e abusos de setores radicalizados de órgãos de controle; a violação de direitos e a ruína de reputações e biografias pela espetacularização midiática irresponsável”.

Raymundo de Oliveira, ex-presidente da FUJB:

raymundo“Sempre tive imenso orgulho do que pude fazer pela UFRJ e por sua comunidade. Participei, com afinco e honestidade, da construção de projetos concretos que melhoraram a vida de milhares de estudantes, técnicos e docentes. O Restaurante Universitário do Fundão é um exemplo simbólico disso: um espaço de acolhimento, saúde e dignidade, que representa o compromisso da universidade com os que mais precisam.
Nunca desviei um centavo. Nunca usei um privilégio. O que fiz foi trabalhar — com os meios que tínhamos — para que a universidade seguisse viva, mesmo sob restrições, cortes e crises. E se hoje falo é porque não aceito que o fim da minha trajetória seja marcado pela injustiça. Porque a dignidade, ao contrário do tempo, não envelhece. Ela exige ser protegida até o último dia.”

Luiz Martins, ex-secretário da FUJB:

luizmartins “Fui humilhado publicamente numa matéria mentirosa do “Fantástico” da Rede Globo, para 40 milhões de pessoas. Em razão disso sofri xingamentos de corrupto pelo celular. Tive que dar explicações para a família, amigos e alunos. Minha família sofreu as mesmas agressões. Essa humilhação pode ser apagada com a absolvição. Mas o mal que ela já causou vai me corroer para sempre (...).
Não estou querendo nenhum privilégio. Todo e qualquer privilégio é antidemocrático e antirrepublicano. Apenas saliento que não manchei, nem mancharei a minha biografia com desvio de dinheiro público.”

Geraldo Nunes, ex-coordenador de Convênios e Relações Institucionais:

geraldo“Fui demitido. Não por erro meu, mas por uma engrenagem que decidiu me julgar antes de me ouvir. Vivi a vergonha pública, o abalo familiar, o silêncio dolorido nos corredores (...). Sofri como homem, como servidor e como cidadão. E no fundo do peito carregava a única certeza que me restava: a de que não havia cometido crime algum.
Anos depois, a CGU reconheceu essa verdade. Fui readmitido. Voltei com a dignidade oficializada — mas com as marcas de quem passou pela fogueira da injustiça.
Agora, mesmo depois de reconhecida minha inocência na esfera administrativa, sigo processado criminalmente — como se os fatos já esclarecidos e os erros já reparados pela própria administração, não valessem nada”.

Daniel Conceição, professor do iPPUR/UFRJ e filho de Carlos Levi:

“O que aconteceu com meu pai — e com outros colegas da UFRJ — não foi apenas uma injustiça judicial. Foi um caso cruel e emblemático de lawfare: o uso do aparato jurídico para perseguir, punir e calar servidores públicos comprometidos com o bem comum.
Desde a primeira denúncia mentirosa me vi tomado por um único objetivo: lutar por Justiça. Por ter um perfil obsessivo-compulsivo, essa luta ocupou toda a minha mente. Deixei de lado minha carreira acadêmica e praticamente todas outras dimensões da vida. Passei anos mergulhado nos autos, nos acórdãos, nos pareceres. Não posso afirmar que meu primeiro casamento fracassou por isso, mas não é difícil perceber o quanto a violência estrutural do processo — e o sofrimento do meu pai — afetaram meu comportamento e minhas relações.
A obsessão se intensificou ainda mais após a sentença de primeira instância. Quanto mais estudava o caso, mais revoltante parecia a condenação. Trata-se de uma sentença marcada por erros tão flagrantes que sequer exigem formação jurídica para serem percebidos — apenas capacidade de interpretar textos e respeito aos fatos. Lutar contra esse absurdo virou minha missão — não só por amor ao meu pai, mas por respeito à verdade, à universidade e ao que ainda nos resta de Justiça.”

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