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FSOU7412Marco Lucchesi - Foto: Arquivo AdUFRJDois professores da UFRJ se recusaram a receber a Medalha da Ordem do Mérito do Livro, concedida pela Biblioteca Nacional. A decisão dos professores Antonio Carlos Secchin e Marco Lucchesi, da Faculdade de Letras, membros da Academia Brasileira de Letras e notáveis intelectuais, aconteceu depois que eles souberam que o presidente Jair Bolsonaro e o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) também receberiam a honraria.
Foram 200 os indicados para receber a medalha, o que deixou o professor Marco Lucchesi desconfiado. “Quando eu vi que a quantidade era muito intensa, um sinal de indagação veio ao meu espírito. Aí eu li na imprensa que figuras-chave do bolsonarismo seriam homenageadas, como o presidente e a primeira-dama, por exemplo”, contou Lucchesi. Foi o suficiente para que ele decidisse pela recusa.
“O bolsonarismo tem como princípio básico sequestrar as instituições culturais. Basta ver o imenso sacrifício das nossas universidades federais, que também sofrem um sequestro financeiro”, explicou o professor, que foi presidente da ABL entre 2018 e 2021. “Eu compreendi que era um sequestro cultural, mas de alcance simbólico importante, e que se eu estivesse lá estaria jogando no chão o nome da UFRJ e da academia que presidi”, afirmou.
Os princípios políticos que opõem Lucchesi e o bolsonarismo vão além da trincheira da cultura. Atravessam também os Direitos Humanos. “Eu vou a presídios, comunidades quilombolas e nações indígenas levar livros. Não posso ficar próximo de um exército de ignorantes que decidiram a política do ódio e da destruição da cultura. É normal que eu me decidisse a não fazer parte dessa trama diabólica”, afirmou Lucchesi.
Para ele, a maneira patrimonialista com que Bolsonaro trata as honrarias que deveriam ser concedidas pelo Estado brasileiro é orientada por uma visão autoritária e personalista. “Há também um elemento secundário, que é o da guerra cultural. O bolsonarismo vive aprisionado na sua própria esquizofrenia. Ele nega a realidade e constrói um universo paralelo. Para nós pode ser chocante que o deputado brucutu Daniel Silveira ganhe uma medalha. Mas para eles, não”, explicou o professor.
Quando teve a informação de que receberia a medalha, o professor Antonio Carlos Secchin se dispôs a aceitar a honraria. Ele começou a achar estranho quando a Biblioteca Nacional o informou que a entrega seria feita em duas cerimônias, uma com a presença de intelectuais e acadêmicos, e outra com a presença de empresários e políticos, e ele estaria no primeiro grupo. “Aí eu decidi ir atrás, e descobri alguns nomes da lista. Descobri então que estaria com companhias que eu não desejava, pessoas que eu não podia imaginar que estivessem vinculadas ao universo da cultura e do livro”, explicou.
A confusão fez com que alguns nomeados recebessem a honraria sem saber toda a lista de agraciados, e figuras que receberam a medalha em outros anos a devolvessem. “Quase todos que estavam ali não sabiam da lista de homenageados”, disse Secchin. Intelectuais como José Murilo de Carvalho, Lucia Bastos Pereira das Neves, Guilherme Pereira das Neves, Marcello Otávio Neri Basile e Arno Wehling devolveram suas medalhas depois que souberam que Bolsonaro, Silveira e outros bolsonaristas seriam agraciados.
“Estas pessoas são partidárias de uma linha anticultura por excelência. Eles são da cultura da arma, e não do livro. E é incompatível misturar armas com livros, porque a arma mata, e o livro salva”, defendeu o professor Secchin, que ainda acrescentou em tom espirituoso: “As minhas más companhias eu mesmo escolho”.

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