“Como você se integra à cidade?”, questionou a professora Luciana Lago, do Instituto de Planejamento Urbano e Regional, aos participantes do CineAdUFRJ do dia 9. A atividade virtual promovida pelo sindicato e pelo Grupo de Educação Multimídia da Faculdade de Letras debateu pela primeira vez o tema “direito à cidade”.
Luciana, que atua como pesquisadora da rede Observatório das Metrópoles e estuda experiências de habitações autogeridas por movimentos sociais urbanos no Brasil, destacou um dos filmes sugeridos para a sessão: “Era o Hotel Cambridge.” Produzido em 2016, o filme conta a história de refugiados recém-chegados ao Brasil dividindo um velho edifício abandonado no centro de São Paulo com um grupo de sem-tetos.
“Olhando a diversidade cultural e as tensões em ‘Era o Hotel Cambridge’, me perguntei em que sentido esse projeto da cidade moderna tem a intenção de homogeneizar, unificar crenças e modos de vida”, afirmou.
A docente tocou assim na constatação do geógrafo britânico David Harvey que inspirou o tema do evento: “O direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pelas mudanças da cidade”. Sob a perspectiva dos movimentos minoritários, explicou Luciana, o “direito à cidade” reflete a necessidade de uma revolução urbana e social.
Para a arquiteta Carla Caffé, que participou da produção do mesmo filme, é preciso aproximar a Academia dos movimentos sociais. “Ao fazer este filme, precisamos ir para as reuniões de base do movimento para entendê-lo melhor”, relembrou Caffé, que é professora da Escola da Cidade, em São Paulo.
A discussão do direito à cidade terá uma sequência no cineclube: uma segunda sessão está marcada para o dia 23.
Acompanhe ao vivo a transmissão:
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Uma das características fortes desse grupo foi sua associação ao regime de cátedras.
No contexto brasileiro, ser professor catedrático implicava ter assegurada a vitaliciedade no cargo, o que lhes garantia uma ampla margem de poder na hierarquia que, pouco a pouco, foi se constituindo no interior das Universidades. O poder dos professores catedráticos contrastava com as condições de trabalho dos seus auxiliares, que contavam com reduzidas chances de ingressarem e galgarem estabilidade nos quadros da instituição. Essa situação perdurou até a Reforma Universitária de 1968, que extinguiu o regime de cátedras, dentre outras medidas.
Nesses cem anos, as identidades dos professores das Universidades públicas brasileiras mudaram muito. Hoje, muitas mulheres integram o quadro docente, o que não era de se esperar no início do século XX. Gradativamente, o grupo de professores e professoras, de distintas origens sociais, foi se tornando, cada vez mais, plural e profissional. Se, em 1920, eles pareciam estar mais distantes da população, em 2020, o compromisso assumido pela grande maioria de docentes que atuam nas Universidades públicas, pelo Brasil a fora, se volta para a produção e disseminação dos conhecimentos científicos, visando a melhoria da qualidade de vida da população e a solução dos problemas de nosso tempo.
Libânia Xavier
Professora Titular da Faculdade de Educação da UFRJ
Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX a cidade do Rio de Janeiro vive um grande processo de transformação. Como apontou Flora Sussekind, a cidade, que já aparece como epicentro da vida política e cultural do país, desejava se modernizar.
“A Capital: a encenação de um Brasil que se deseja moderno, de uma população que troca seu velho figurino por sapatos e paletós obrigatórios, de uma ansiosa substituição do naif pelo puro chic”. 1
Este empenho se traduziu no projeto de urbanização e modernização levado a cabo pelo prefeito do Distrito Federal Francisco Pereira Passos, entre 1902 e 1906. Destas obras emergiu a “Cidade Maravilhosa”, que começou a definir uma identidade cultural própria. Além disso, na visão de Américo Freire, constituiu postura e relações políticas próprias, valendo-se do fato de que, como Distrito Federal, gozava de uma certa autonomia.2
Em contrapartida, como apontou José Murilo de Carvalho, a grande propriedade rural e o legado da escravidão freavam a modernização e eram obstáculos à cidadania civil e política. A urbanização evoluiu lentamente, concentrando-se em algumas capitais, especialmente Rio e São Paulo; da mesma forma, a industrialização também se concentrava nestas capitais; na época o Rio de Janeiro era a cidade mais industrializada. São Paulo e Rio tinham perfis diferentes nesse campo: no Rio havia forte presença de população negra oriunda da escravidão, em São Paulo a maioria do operariado era composta de imigrantes europeus. Mas ambos tinham, nesta época, grande influência do movimento anarquista que só será superado após a criação do Partido Comunista Brasileiro em 1922.3
Mas, em 1920, o Rio de Janeiro era também uma capital social. Uma vida circulava pelas ruas do centro da cidade, pelas ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias, onde se respirava um ar mundano e moderno. As famosas melindrosas do caricaturista J. Carlos são representações dessa atmosfera da cidade. Esta mundanidade também se estendia à vida social do Palácio do Catete que, no tempo do Presidente Epitácio Pessoa, foi das mais intensas.4 O presidente ofereceu algumas grandes recepções e a mais marcante foi o banquete de gala para os reis da Bélgica.
Mas, sobretudo o Rio foi uma capital cultural. Não apenas em 1920, mas ao longo de toda a década 20, intelectuais e artistas pensavam e interpretavam a República; expressavam e criticavam as contradições da capital. Num estudo clássico sobre história e literatura, Nicolau Sevcenko aborda a vida e a obra de dois escritores cariocas que ele considera representativos das contradições, dilemas e agruras da Primeira Republica e, ao mesmo tempo, das maiores expressões literárias do período: Euclides da Cunha e Lima Barreto.5 Para Sevcenko estes dois escritores transformaram sua escrita em “missão”. Euclides da Cunha (1866-1909), em sua obra monumental “Os Sertões” retratou e recriou a guerra de Canudos, do sertão da Bahia, tendo acompanhado a atuação do exército republicano que destruiu o arraial de Canudos, liderado por Antonio Conselheiro. Lima Barreto (1881-1922) mulato, pobre, alcoólatra, fez de seus romances e contos uma contundente crítica à sociedade carioca da época, denunciando a desigualdade social e o racismo.
Mas, para além da literatura, a cultura popular marca os anos 20 e deixará um legado indelével na cidade e no país: o samba. Nas primeiras décadas do século XX, músicos, artistas, compositores, capoeiristas reuniam-se na Pequena África, nas regiões da Gamboa, Saúde, Pedra do Sal nas casas das tias baianas, em especial na casa de Tia Ciata, onde compunham, cantavam, dançavam e tocavam samba, sempre perseguidos pela polícia.6
1 Sussekind, Flora. As Revistas de Ano e a Invenção do Rio de Janeiro. RJ. Nova Fronteira/FCRB, 1986, pp15
2 Freire, Américo. República, cidade e capital: o poder federal e as forças políticas do Rio de Janeiro no contexto da implantação republicana. IN Ferreira, Marieta (Org.) Rio de Janeiro: uma cidade na história. RJ, Editora FGV. 2000, PP 29
3 Carvalho, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. RJ, Civilização Brasileira, 2010, pp58, 59
4 Lustosa, Isabel. Histórias de Presidentes. A República no Catete. RJ, Vozes, 1989, pp87
5 Sevcenko, Nicolau, “Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República”, Brasiliense, SP.
6 Moura, Roberto Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro, RJ, FUNARTE, 1983
Maria Paula Nascimento Araujo
Historiadora, professora titular do Instituto de História da UFRJ, ex-diretora da AdUFRJ
A UFRJ nos envolve e fascina porque nela encontramos liberdade de pensamento e possibilidade de discussões acaloradas e de altíssimo nível nas diferentes áreas do conhecimento sobre temas do passado e do presente, sem perder de vista a perspectiva do futuro. Basta estarmos abertos ao diálogo, à troca de ideias e à possibilidade de nos reinventarmos. Esse é um ambiente salutar que nos acolhe e propicia a renovação, base para a modernidade e o progresso. Como estudante, pude assistir shows e palestras de professores e cientistas renomados, inclusive conviver com prêmios Nobel que visitam a UFRJ. O que mais os seres humanos gostam de fazer do que ter a possibilidade de interagir com esta riqueza de ideias e possibilidades?
Desde os primeiros anos da faculdade, ingressei em diferentes atividades de monitoria e de iniciação científica, que pavimentaram a minha trajetória até os dias de hoje. As oportunidades que encontrei permitiram que eu pudesse escolher os caminhos a seguir. Me sinto muito grata por ter encontrado na UFRJ o alimento completo para o meu desenvolvimento como profissional médica qualificada e o solo fértil para me tornar cientista e professora engajada nas atividades de graduação, pós-graduação e extensão. Durante a trajetória acadêmica, desde muito cedo escolhi ser professora em tempo integral da UFRJ e assim continuo até hoje, exercendo esta profissão por opção. Muitos questionam a nossa dedicação ao trabalho, porque talvez não tenham a perspectiva de que a atividade laboral pode ser muito prazerosa. As atividades de produção do conhecimento e de ensino se aproximam bastante de manifestações artísticas, porque dependem de muita inspiração e são capazes de gerar emoção. Poder ensinar, pesquisar e interagir com a sociedade são tarefas extremamente recompensadoras.
Nesta centenária instituição, me tornei médica, mãe biológica de duas profissionais formadas pela UFRJ e mãe científica de vários doutores que hoje são profissionais reconhecidos. Tendo sido a primeira pessoa da minha família a obter diploma na educação superior, sou mais um dos exemplos da capacidade transformadora da nossa universidade e das oportunidades que esta instituição nos propicia.
Desde aluna de graduação pude atuar em eventos científicos dentro e fora do país, com o principal intuito de divulgar o nosso trabalho, o nome da UFRJ e do nosso Brasil. Agora, me sinto muito honrada em dirigi-la no ano do seu centenário, quando, por obra do destino, a gigante UFRJ pôde se aproximar ainda mais da sociedade neste difícil momento de enfrentamento à pandemia pelo coronavírus. Devemos seguir adiante, atendendo sempre às demandas da sociedade do conhecimento. Que esta fábrica de realizar sonhos, a UFRJ, possa continuar de forma perene a transformar as nossas vidas para melhor.
Denise Pires de Carvalho
A professora é a primeira mulher a ocupar o cargo máximo da universidade em 100 anos