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O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) é o principal instrumento de financiamento público da pesquisa no Brasil. Dividido nas modalidades reembolsável – destinada a empréstimos para empresas – e não-reembolsável – usado majoritariamente para ações nas instituições públicas de pesquisa – o fundo é visto como um dos pontos de apoio para o ajuste fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Isso porque o pacote apresentado pelo governo inclui a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), mecanismo constitucional que permite que todas as receitas federais e fundos setoriais tenham reduções de até 30%.
A DRU, que sempre incidiu sobre o FNDCT, se encerraria agora, no final de 2024, mas a proposta é que ela seja prorrogada até 2032. “O fundo está totalmente descontingenciado, mas a DRU sempre foi aplicada”, explica o professor Ildeu Moreira, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Apesar de formalmente não mudar o montante para a pesquisa, a proposta gerou críticas. “Sou médica de universidade. Ajuste fiscal que sacrifica investimentos públicos em áreas estratégicas para o desenvolvimento do país só beneficia o mercado financeiro”, declarou a senadora Zenaide Maia (PSD-RN).
O deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ) disse que a DRU é um dos motivos para que seu partido tenha votado contra o pedido de urgência do Pacote Fiscal. “A PEC 45/2024 prorroga a Desvinculação de Receitas da União até 2032, desviando recursos de políticas sociais para pagamento da dívida pública”, afirmou.
As reações aconteceram em grande parte porque a Proposta de Lei Orçamentária Anual calculou o FNDCT sem a aplicação da DRU. Assim, foram indicados R$ 20 bilhões para o fundo – um crescimento de 60% em relação a 2024. Metade para recursos reembolsáveis e a outra metade não-reembolsável.
“A projeção estava, na realidade, inflada. Não há impacto real. Agora, nós teremos aproximadamente R$ 7 bilhões para cada lado e a gente volta ao patamar anterior”, explica Ildeu. São excluídos da DRU apenas os recursos destinados à saúde, à educação, ao pagamento de pessoal e às contribuições previdenciárias.
Na gestão Bolsonaro, os recursos do FNDCT chegaram a ser contingenciados em 90%. A luta da comunidade científica possibilitou a aprovação de uma nova lei, ainda em 2021, que proibiu o uso dos recursos para reserva de contingência. Assim, desde 2022, o FNDCT não é contingenciado.
“O compromisso assumido pelo atual governo continua sendo cumprido”, garante Ildeu. “As entidades científicas precisam discutir a distribuição dos recursos e a avaliação dos resultados desses investimentos”. Ildeu também defende que as universidades tenham representação no Conselho Diretor do FNDCT.
O historiador Luiz Antonio Simas citou uma metáfora de Guimarães Rosa para ilustrar o sincretismo religioso relatado no documentário “Santo Forte”, de Eduardo Coutinho. “Toda árvore oferece um pouco de sombra”, disse sobre a crença em diferentes ritos religiosos.
O filme foi o escolhido para a segunda edição do Cine Cidadania, evento organizado pela Universidade da Cidadania, órgão vinculado ao Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. Depois da exibição, o historiador participou de um debate com a jornalista Nilza Valéria e o público presente ao Estação Net Botafogo na quarta-feira, 11.
“Santo Forte”, de 1999, trata das religiosidades do povo brasileiro e é considerado um marco do cinema documental do país. A linha narrativa da obra é construída a partir das experiências religiosas de moradores da favela Vila Parque da Cidade, localizada na Gávea.
A professora Eleonora Ziller, diretora da Universidade da Cidadania, comentou a curadoria das primeiras edições do projeto. “Temos um norte nesse início que é trabalhar com documentários potentes que tragam debates sobre o Brasil e que tenham ressonância contemporânea”.
Depois de exibir “Notícias de uma guerra particular” em outubro, a escolha pelo filme de Coutinho trouxe nova temática para o debate. “Na primeira edição, trabalhamos a violência urbana. Agora, debatemos sobre a religiosidade do nosso país, um cenário que está em transformação”, explicou a docente.
Dados mais recentes do IBGE mostram um aumento de 61,5% no número de evangélicos em relação ao Censo de 2010. Em 1980, eles representavam 6% da população brasileira. Hoje, um em cada três brasileiros adultos se identifica como evangélico. “É um crescimento muito grande. As tensões que estamos vivendo são resultado dessa mudança”, afirmou Nilza Valéria, coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.
A jornalista destacou o surgimento de uma nova religiosidade popular e apontou indícios do impacto dessa mudança na cultura popular. “Todo mundo já foi chamado de abençoado ao entrar num comércio, num Uber. Essa linguagem saiu do espaço religioso e ganhou espaço na vida cotidiana de toda a sociedade”, avaliou. “A religiosidade é o lugar de conforto e de encontro entre os mais pobres”, concluiu Nilza.
Para Simas, não é possível pensar as manifestações religiosas no Brasil sem pensar na construção de um pertencimento comunitário. “O exercício da religiosidade dá sentido à vida das pessoas na dimensão de redes de proteção social”, analisa. “A exclusão social é um projeto de Estado na maior parte do tempo”.
INTOLERÂNCIA
As entrevistas de Coutinho no documentário investigam a interação entre diferentes crenças na pequena comunidade da Zona Sul do Rio de Janeiro. Esse ponto foi destacado por Simas, pesquisador da religiosidade popular brasileira. “Minha experiência de criança com as práticas religiosas é muito inclusiva. Nos meus tempos de garoto em Nova Iguaçu, era comum o convívio entre práticas religiosas e esse convívio não era tensionado como acontece hoje”, recordou.
Alguns personagens do filme denominam-se católicos ao mesmo tempo em que frequentam terreiros de umbanda e candomblé. O historiador lembrou ritos das religiões de matriz africana que se misturavam com os templos católicos. “No candomblé, fazia parte das iniciações das iaôs a visita a sete igrejas. Era uma tradição que veio da Bahia”, conta.
No primeiro semestre de 2024, o Disque 100 – canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos – registrou um aumento de 80% nas denúncias de intolerância religiosa quando comparado ao mesmo período do ano passado. Um salto de 681 denúncias em 2023 para 1.227 este ano, uma média de sete denúncias por dia.
“É uma pena que os tempos recentes da experiência brasileira tenham sido marcados pelo impacto da intolerância, do racismo religioso e pela apropriação da fé por um projeto político profundamente reacionário”, lamentou Simas. “Não existe um projeto de país melhor que não passe pelo reconhecimento do direito de cada um de lidar com o mistério da maneira que julgue mais adequada”, completou.
O DOM DA ESCUTA
A historiadora Dulce Pandolfi, assessora da UC, leu uma carta do cartunista Claudius Ceccon, produtor-executivo do filme, que não pôde estar presente por problemas de saúde. “Queria estar presente para contar como Coutinho, um agnóstico convicto, durante a filmagem dava discretamente comida para um santinho em sua sala”, brincou Claudius.
O quadrinista recordou os tempos do Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip) junto de Coutinho, Ana Maria Machado e Paulo Freire, e a opção pelo uso do audiovisual como estratégia de comunicação popular.
Ceccon destacou a habilidade de escuta do cineasta para conseguir os relatos sinceros dos entrevistados. “Coutinho intuía que falar de religião deixava as pessoas mais à vontade. Era um mestre da escuta, compreendia o outro sem aderir, mas sem julgamentos de qualquer ordem”, concluiu.
Foi a capacidade de escuta do diretor que encantou Cristine Muggler, professora aposentada e consultora do Museu Nacional. “O filme é de uma sensibilidade incrível. A forma como Coutinho conversa e dá espaço para as pessoas falarem no filme é maravilhosa”, elogiou. emocionada.
O sistema de avaliação da Capes terá uma grande novidade a partir do próximo ano. Os artigos científicos não serão mais classificados apenas pelo grau de importância atribuído aos periódicos nos quais foram publicados. Outros critérios, como o número de citações, ganharão mais relevância no ciclo entre 2025 e 2028.
Hoje, dois artigos diferentes publicados na renomada revista Nature — considerada como A1, o máximo conceito do sistema — recebem a mesmíssima avaliação. “Mas esses artigos podem ter impactos diferentes nas suas áreas. No próximo ciclo – além de estar em uma revista de grande prestígio, um aspecto que vai permanecer na avaliação –, haverá atributos que irão diferenciá-los”, explica a presidente da Capes e ex-reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho.
Um desses atributos poderá ser o número de citações, dependendo da área. Um artigo na revista Nature ou equivalente, com apenas uma citação, poderá valer menos que um artigo publicado em uma revista nacional importante, com maior número de citações, por exemplo. A medida, de acordo com a dirigente da Capes, poderá valorizar os periódicos nacionais. “Revistas nacionais, indexadas e com projeção internacional, poderão valer mais, porque não só a revista valerá, mas o conteúdo do artigo e suas citações”, completa.
A injusta competição internacional nesse mercado editorial é outro fator que pode ser atenuado com a ampliação da sistemática de avaliação. “A competição as vezes não é justa com o pesquisador brasileiro nessas revistas de maior renome”, afirma Denise. “Com foco mais na produção acadêmica e não nas revistas, vamos valorizar a pesquisa brasileira e o seu impacto, valorizar o pesquisador brasileiro e possivelmente também as revistas brasileiras. É isso que a gente pretende”.
Outro ponto que poderá ser levado em conta na classificação do artigo será o impacto na sociedade, como a divulgação no noticiário e repercussão nas redes. “Estão dizendo que o pesquisador vai virar um Youtuber. Não é nada disso. É a divulgação científica tão necessária. A divulgação científica vai fazer com que a sociedade fique perto dos cientistas e vai diminuir o negacionismo”, conclui Denise.
Os critérios comuns do próximo ciclo de avaliação da Capes aprovados pelo conselho técnico científico serão publicados pela diretoria de avaliação no início do próximo ano. As fichas de avaliação de cada área com critérios específicos serão divulgadas em março de 2025 (leia mais no quadro abaixo).
OTIMISMO
Integrante do CTC da Capes desde 2018 na área de Engenharia I e professor da Coppe, Rômulo Orrico está otimista com as mudanças que estão sendo desenhadas para o próximo ciclo. “A primeira expectativa é que seja evitado o excesso de publicações. O foco será a produção de algo correto, concreto. O que eu quero é qualidade”, afirma.
O docente também espera a redução da competitividade na Academia. “Se eu buscar publicar meus artigos nas melhores revistas, vou entrar num processo competitivo com meus colegas. E nem todos recebem as bênçãos dos deuses do Olimpo, não é?”, brinca. “Ciência é cooperação. Ninguém aprende nada sozinho. Ou se aprende pouco sozinho”.
O professor também aposta na valorização dos bons periódicos nacionais. “Buscar boas revistas já será de bom tamanho. Aquela loucura para publicar numa revista estrangeira que custa R$ 12 mil ou R$ 15 mil não faz sentido para nós, brasileiros. Aliás, acho que não faz sentido também para os americanos e europeus”, completa.
Mas nem todos estão satisfeitos com as mudanças. Em postagens que circulam pela internet, há quem argumente que o maior peso para as citações irá beneficiar autores com nome estabelecido na Academia. Ou aqueles que colocarão os alunos para citar o próprio trabalho.
Rômulo discorda. “É o contrário. A gente não vai ficar disputando citação. Quem fica puxando citações são as revistas, as empresas. Claro que deve ter uma meia dúzia de pesquisadores que não age de forma adequada. Mas citação cruzada ou autocitação não têm valor. Não é por aí que vamos medir a qualidade do artigo”.
Também integrante do CTC e professora da Escola de Química da UFRJ, Verônica Calado é outra apoiadora da classificação dos artigos por meio de algum índice. “Publicar na Nature continuará sendo importante, mas você irá além na avaliação”, diz.
Esse ir além não será baseado em critérios subjetivos. “Existem vários critérios. Daí sairá a classificação final”, diz a coordenadora da Engenharia II. Cada área vai definir os critérios. “Por exemplo, uma área pode utilizar um índice chamado FWCI (Field Weighted Citation Impact), que compara o número de citações do seu artigo com o número de citações de artigos similares na mesma época, na mesma área, no mundo inteiro. Assim, vamos fazer comparações mais justas do que o chamado índice H, que acumula o número de citações do artigo ao longo dos anos”, observa.
“Se o FWCI for maior do que um, o artigo está sendo mais citado do que a média mundial naquele tópico e naquele ano. Ou seja, dois artigos publicados na mesma revista — portanto, com o mesmo fator de impacto — podem ter classificações diferentes”, explica a professora.
“Temos de nos preocupar com o impacto do artigo ou produto para a sociedade de forma geral”, defende Verônica. “O jornalismo científico é fundamental para a divulgação dos trabalhos desenvolvidos nas universidades”.
AVALIAÇÃO DA AVALIAÇÃO
O anúncio de mudanças antes de um ciclo da Quadrienal da Capes não é novidade. O sistema está em constante processo de aprimoramento. “A avaliação da pós-graduação é um patrimônio do Brasil. A pós chegou aonde chegou, pois, desde o início, é avaliada. Só que a avaliação que se fazia lá no início não é a mesma do início dos anos 2000, quando o Qualis periódico foi introduzido”, afirma Denise, em referência a uma das ferramentas utilizadas para a análise da produção bibliográfica dos docentes e discentes dos programas de pós.
“E que vem evoluindo muito bem nesses 20 anos. Em 2018, o modelo do Qualis já foi atualizado. O que não quer dizer que não pode haver mudança. Não conheço nenhum processo de avaliação que seja mantido para sempre”, completa.
A presidente da Capes enfatiza que todas as mudanças são amplamente discutidas. “Não é uma decisão monocrática do presidente ou diretor de Avaliação da agência. É uma decisão do Conselho Técnico-Científico da Educação Superior, um dos mais qualificados do mundo, que tem cientistas de reconhecimento internacional”, defende.
Em 2023, o CTC começou a discutir as mudanças implantadas na última quadrienal (com o chamado Qualis Único). Foram criados cinco grupos de trabalho — o relacionado ao Qualis se chamava “GT Classificações da Produção Intelectual em Qualis Periódicos”. Todos os relatórios aprovados pelo CTC-ES serão divulgados agora em dezembro.
A entrada do edifício Jorge Machado Moreira virou uma enorme galeria de arte entre 3 e 5 de dezembro. Arte à moda antiga, com obras feitas pelos alunos no velho e bom papel em aquarelas, guaches, têmperas, colagens, desenhos e sketchbooks. Todos expostos na 1ª Semana de Arte Sobre o Papel da Escola de Belas Artes.
As amigas Marina Aguinaga e Nayara Rufino, alunas do terceiro período do curso de Pintura da UFRJ, viveram a experiência de expor suas obras pela primeira vez. “Estou muito feliz de expor meu trabalho para que gente de todo lugar possa ver. Já tínhamos conversado sobre nossa vontade de expor nossas obras e, quando a professora falou sobre essa oportunidade, a gente aproveitou”, disse Marina, que expôs uma tela em óleo sobre papel que teve a colega como inspiração. “Vi um vídeo dela no TikTok e achei que estava linda. Printei a tela e pensei que aquela imagem combinava com a estética que gosto de fazer”.
O projeto é a primeira edição de uma ação de extensão coordenada pelas professoras Lourdes Barreto, Luana Manhães e Martha Werneck. Entre os 80 artistas selecionados, a maior parte é de alunos e ex-alunos dos cursos da EBA, mas também participaram estudantes vinculados a outras universidades e a cursos livres de artes.
A professora Luana Manhães, do Departamento de Análise e Representação da Forma da EBA, trabalha com disciplinas de desenho e na formação básica de todos os cursos da escola. “Nossa ideia é resgatar uma atividade importante que tínhamos aqui na EBA que era a Semana da Aquarela, expandindo também para outras técnicas que tenham o papel como matriz”.
Manhães destacou a relevância da feira para que os estudantes compreendam a importância do processo de criação do desenho. “Da Vinci falava que o mais importante do desenho era o seu processo. Sempre digo para os estudantes que eles não precisam ficar preocupados nem com o início nem com o final, mas em como chegar ao resultado final”.
A ação estimulou estudantes a praticar suas técnicas artísticas. “Muitas vezes, a gente olha uma tela em branco e é engolida por aquele vazio. Não adianta estudar o desenho apenas na teoria. É a prática do desenho que nos leva à compreensão de conhecimentos expressivos e poéticos. Então, só entendemos a questão formalista da imagem, fazendo”, explica a professora Luana.
Em um mundo cada vez mais digital, a docente considera que a valorização de técnicas mais tradicionais é uma validação de todas as possibilidades de arte. “As técnicas podem ser complementares. Podemos usar a arte criada por uma inteligência artificial como uma ferramenta para desenvolver outros trabalhos com nossa autoria. Tudo é parte da expressão visual”, explicou.
As amigas Marina e Nayara estão acostumadas a difundir seus trabalhos nas redes sociais. “Na internet é diferente. A pessoa vê sua arte, dá um like e esquece para sempre”, comentou Rufino. A mostra trouxe uma nova experiência no contato entre artista e público. “Faz toda diferença o público conseguir ver a técnica usada, o relevo. Fora a possibilidade de ter um contato pessoal com o artista para elogiar, perguntar e tirar dúvidas. A exposição é uma experiência artística mais completa”, explicou Marina.
ILUSTRADOR E INFOGRAFISTA
Além da exposição, a feira contou com palestras e oficinas. Alessandro Alvim, editor executivo visual do jornal O Globo, participou do primeiro dia de evento. Ex-aluno do curso de Gravura, Alvim falou do desenho como instrumento de mudança de destinos a partir de sua experiência pessoal.
O designer lembrou com carinho de professores da UFRJ que foram importantes durante sua formação. “Lembro bem do Marcos Varela, Wladimir Machado, Ricardo Newton, já falecidos. Do Roberto Cruz, Adir Botelho, Kazuo Iha, aposentados. E da professora Lourdes Barreto ainda ativa”, recordou. “Quando eu tinha 15 anos, um professor da escola montou um cursinho de arte e tinha alguns alunos da EBA. Descobrir que existia a possibilidade de estudar arte foi importante para mim. E depois, entrar na universidade e aprender desenho foi fundamental para me diferenciar como ilustrador e infografista”, concluiu o profissional.
A UFRJ entra na reta final de 2024 com um olho na calculadora e outro, em Brasília. Com uma estimativa de déficit de R$ 186 milhões até o final do exercício, a reitoria tenta aumentar os recursos para a universidade na tramitação da Proposta de Lei Orçamentária (PLOA) de 2025. Mas, pelo menos por enquanto, a notícia não é boa: a verba disponível para despesas de funcionamento básico da instituição cresce apenas R$ 16 milhões (de R$ 308 milhões este ano para R$ 324 milhões no próximo).
“A melhora é pequena, porque temos um passivo de anos de subfinanciamento”, afirma o reitor Roberto Medronho. As despesas estimadas este ano com água e energia totalizam R$ 136 milhões, o que representa 44% do orçamento para funcionamento da UFRJ. Outros gastos importantes são vigilância, limpeza e alimentação, que somam R$ 175 milhões, ou seja, 57% do orçamento.
Apenas o custeio desses cinco serviços supera em R$ 3,5 milhões o orçamento da UFRJ. Isso sem contar outras despesas fundamentais, como manutenção (urbana, predial e de equipamentos), atividades da graduação em campo (transporte, alimentação e estadia), bolsas acadêmicas, transporte estudantil intra e intercampi, entre outras.
“A gente entende que há uma crise. Existe a necessidade de se fazer alguns equilíbrios na economia do país. O que me causa indignação é que uma grande parte do orçamento ficou com o Congresso Nacional, através de emendas. Não é o governo, seja ele qual for, que vai fazer a política pública”, diz o reitor.
A previsão é que o orçamento seja votado no plenário do Congresso no dia 13. E tudo indica que haverá uma briga intensa por cada centavo. O valor total para as emendas em 2025, fixado na legislação, é de R$ 50,5 bilhões. Mas já foram apresentadas 7.201 emendas no valor de R$ 141,4 bilhões, informa a Agência Câmara de Notícias.
ORÇAMENTO INTERNO
Com mais ou menos recursos, a universidade também precisa se organizar para gerir seus gastos do próximo ano. O Conselho Universitário será convocado para discutir o tema ainda em dezembro. Só que ainda não está prevista em qual sessão será apresentada a proposta orçamentária da reitoria. “Quando você tem dinheiro, a distribuição é fácil de fazer. Quando o recurso é aquém das necessidades, o problema é definir onde vai ter que cortar. Estamos estudando detalhadamente”, afirma o reitor.
O dirigente antecipa que será necessária a colaboração do corpo social para reduzir as despesas. E dá um exemplo: “Se todo mundo se preocupar em desligar o ar-condicionado ou as luzes, quando sai de uma sala, isso ajuda. Pago quase R$ 70 milhões de luz. Se conseguirmos reduzir em 10% de energia, são R$ 7 milhões que terei para investir nos prédios da universidade”, defende. “E pagamos R$ 70 milhões não porque somos perdulários. Fazemos pesquisa. Equipamentos consomem muita energia. A pesquisa não pode parar”.
A gestão da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) em três unidades de saúde (HU, IPPMG e Maternidade-Escola) desde o fim de maio está sendo levada em consideração no redimensionamento das despesas. “Acreditamos que, deixando de pagar uma série de custeios dessas unidades, vai ajudar a reduzir o déficit. Não vai resolver o problema”.
Um problema que continua é o pagamento de funcionários extraquadros, de vínculo precário com a instituição. “Gostaria que a Ebserh assumisse os extraquadros. São R$ 25 milhões por ano. Enquanto não são substituídos por concurso, quem paga é a UFRJ”.
andifes MOBILIZADa
A assessoria de imprensa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) encaminhou à reportagem um vídeo gravado pelo presidente da entidade, professor José Daniel Diniz Melo (UFRN). O reitor relata as articulações da entidade sobre o orçamento.
Uma dessas movimentações ainda mira 2024: o Projeto de Lei do Congresso Nacional nº 22/2024 busca liberar uma suplementação orçamentária para as instituições. “A informação que obtivemos é que o PLN será aprovado nesta semana”, disse o reitor. Não foi informado o valor esperado.
“Fomos ao gabinete do senador Sérgio Petecão(PSD-AC), que é o relator setorial da Educação, e apresentamos a necessidade de mais orçamento para as universidades federais no próximo ano. Após, tivemos reunião com o senador Angelo Coronel (PSD-BA), que é o relator do orçamento. Apresentamos todo o histórico das nossas instituições. Saímos daqui com a expectativa de que tenhamos boas notícias na aprovação do orçamento do próximo ano”, afirmou o presidente da Andifes.
RESPOSTA DO MEC
Em nota enviada à reportagem, o Ministério da Educação diz que tem trabalhado, desde janeiro de 2023, para recompor ou mitigar as reduções orçamentárias ocorridas nas universidades nos últimos anos.
“Reafirmamos que a necessidade de mais orçamento para manutenção das universidades federais não é um problema atual e decorre da política implementada nos últimos anos (desde 2016) que reduziu drasticamente os valores para manutenção das instituições federais de ensino superior (IFES)”, diz a nota. “Com a incapacidade orçamentária neste período, a necessidade orçamentária foi aumentando, o que gerou um passivo, que está sendo objeto de atuação do MEC desde 2023”.
O MEC informa que, até o momento, foram repassados à UFRJ, excetuando-se o orçamento de pessoal, R$ 474,7 milhões, sendo R$ 437,6 milhões de orçamento discricionário e R$ 37 milhões de emendas parlamentares. Além desse valor, foi repassado R$ 1,9 milhão, via termo de execução descentralizada (TED), para ações emergenciais.
O reitor da UFRJ faz uma ressalva sobre o dinheiro repassado pelo ministério. “O MEC nos repassou o valor em todas as rubricas. Tem rubrica que não posso mexer. O dinheiro que vai para o Museu Nacional entra via PR-3 (Pró-reitoria de Finanças). O recurso PNAES é da assistência estudantil. Dos 400 e tantos milhões, discricionariamente temos R$ 308 milhões. Não fecha”, explica.
O mesmo argumento é utilizado para esclarecer por que o painel orçamentário da própria universidade ainda registrasse R$ 38 milhões como disponíveis, no início de dezembro. “Não são verbas que podemos usar discricionariamente. E só para a Light, sem contar novembro e dezembro, devemos R$ 35 milhões”, lamenta Medronho. “Obviamente, o MEC é solidário. Sempre que pode, nos ajuda. Mas ele também tem o limite orçamentário dele”.