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1127WEBP2Com a pandemia decorrente do novo coronavirus, é impossível negar que a Ciência ganhou um lugar de proeminência nas mídias, nas redes e no imaginário popular. De repente, nossas (tele!) discussões passaram a versar sobre exponenciais, RNA (ácido ribonucleico) e cloroquina. Gráficos são incessantemente trocados em grupos de whatsapp, e estudos antes restritos a pequenas comunidades agora têm milhões de leitores (e de “críticos” também, mas isso é outro assunto). Nos próximos meses, com a corrida por vacinas e tratamentos, é provável que essa grande conversa aumente ainda mais de volume, atingindo assim ainda mais gente.
Não há dúvida de que, mesmo no inferno da pandemia, a conscientização popular da Ciência é imensamente salutar. Ela traz consigo, entretanto, uma ressalva importante: não é a Ciência inteira que vai aos holofotes, apenas uma pequena parte. Isso, apesar de bastante óbvio, pode causar (e, como veremos a seguir, já está causando) problemas na maneira como o país lida com sua Ciência. Vamos por partes. É absolutamente natural que numa crise sanitária causada por um vírus novo, assuntos como epidemiologia e infectologia venham para o primeiro plano. Contudo, no atual contexto brasileiro – isto é, com um governo que desdenha de quase toda a forma de conhecimento –, essa visão puramente utilitária (quando muito) da Ciência pode fazer com que vastos setores dela sejam simplesmente descartados como “inúteis”.
Pois bem. No dia 23 de abril, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anunciou uma nova chamada para bolsas de iniciação científica (IC) destinadas exclusivamente a projetos ligados às chamadas “áreas tecnológicas prioritárias”. A justificativa (extraoficial) para tal restrição é a de que o Brasil é um país com muitas carências e que, portanto, alguma priorização seria necessária. O grande problema desse raciocínio é que ele ignora o estágio da pesquisa no qual essa priorização está sendo feita. O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) é uma maravilhosa “jabuticaba”, ou seja, é uma resposta genuinamente brasileira para suas necessidades científicas. Como, infelizmente, existe uma crônica falta de engajamento dos nossos jovens com as ciências, o PIBIC cumpre um papel vital de atrair alunos para uma atividade de pesquisa desde a graduação, iniciando-os de fato na vida científica. Ou seja, a função do PIBIC é a de incrementar nosso ecossistema científico-tecnológico-cultural em sua base, e isso só pode ser feito de forma adequada expandindo ao máximo o seu alcance, e não restringindo-o. Não faz o menor sentido “priorizar áreas” se não existe o recurso humano ao qual se recorreria para tal “priorização”. É como tentar priorizar o atendimento a doentes de Covid-19 sem médicos disponíveis.
Todavia, como já dissemos, nada mais natural para esse governo anti-iluminista. “Tecnologia aplicada” é a única coisa “que presta”; as ciências humanas, básicas, linguísticas etc são fetiches, frescuras, ou até mesmo comunismo subversivo. Nos últimos 25 anos o Brasil tinha passado de sua fase de “iniciação” na comunidade científica global (nossos 10 milhões de citações nesse período são testemunho disso), mas agora estamos à beira de uma regressão catastrófica. E isso é algo que, desgraçadamente, a pandemia pode agudizar.

Diretoria da AdUFRJ

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